Estudos geológicos recentes comprovaram que o subsolo do Atlântico é rico em minérios estratégicos para a indústria contemporânea, em especial a digital, cuja extração apenas começa a ser avaliada. Essa Serra Pelada submarina começa na plataforma continental, delimitadora do mar brasileiro, onde se encontraram metais preciosos na foz do Rio Gurupi, entre o Pará e o Maranhão, e diamantes na costa baiana, na área da foz do Rio Jequitinhonha.
Estende-se, porém, em regiões de águas profundas, que assim como o próprio Pré-Sal, exigem investimentos para a defesa estratégica no oceano profundo, tanto quanto em tecnologia e nos cuidados ambientais.
RIQUEZAS PROFUNDAS
Pesquisadores investigam jazidas de fósforo, quase esgotado em terra e utilizado em fertilizantes e ração animal, a até 4 mil metros de profundidade na área do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, cerca de 1.000 quilômetros distante de Natal. Em 2015, o Brasil recebeu autorização da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) para prospectar e explorar comercialmente jazidas minerais numa área de 3,6 milhões de km2 da chamada Elevação Rio Grande, uma porção de terras submersas, distante 1,3 mil quilômetros de Porto Alegre (RS), em águas internacionais.
“Estamos garantindo que o país tenha recursos estratégicos no futuro”, afirmou Kaiser Gonçalves de Souza, chefe da divisão de geologia marinha da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), responsável pelos estudos e exploração da área.
Pelo acordo internacional de Montego Bay, a extração de riquezas em águas profundas, dentro da Zona de Domínio Econômico brasileira, só pode ser realizada pelo Brasil ou com sua autorização. A exploração de minério em águas profundas encontra ainda uma série de obstáculos.
É uma operação que exige segurança, tecnologia e rigorosas pesquisas e cuidados ambientais. Depende também de investimentos de longo prazo – não apenas na extração como no apoio governamental e militar.
INVESTIMENTO ESTRATÉGICO
Para a garantia da presença brasileira no seu próprio mar territorial e nas águas internacionais onde tem autorização de exploração, o Brasil precisa de um investimento naval que, como acontece frequentemente no país, foi recentemente mal cortado, por razões orçamentárias.
Desde o governo Lula, o Brasil tem um plano estratégico de Defesa que inclui a renovação da frota da marinha brasileira, com a construção prevista de submarinos, corvetas e fragatas. No corte, caiu o programa das fragatas, justamente o coração da armada moderna. São justamente as naves adequadas à operação em águas profundas, onde estão hoje os investimentos estratégicos da nova riqueza nacional, do Pré-Sal às jazidas submarinas.
Em águas profundas trafegam as grandes embarcações comerciais, hoje ameaçadas pela pirataria que se espalha da costa africana, que têm sequestrado embarcações e até plataformas de petróleo em troca de resgate. Também lá estão as jazidas minerais no fundo do oceano profundo que prometem ser a nova riqueza planetária.
O Brasil investiu 2 bilhões de dólares somente no estaleiro em Itajaí, onde são feitos os submarinos – o primeiro deles a ser entregue no próximo mês de dezembro. O estaleiro tem capacidade instalada para produzir também as fragatas, além das corvetas, que servem mais ao patrulhamento da costa.
Com o corte do programa das fragatas, o governo brasileiro deixou o plano incompleto. Do ponto de vista da estratégia naval, é como fazer uma gaivota voar com apenas uma asa – e, no aspecto estratégico, o abandono da fronteira econômica onde se encontra, com o PréSal e o minério, o maior capital para o crescimento do país.
“BASE AMBIENTAL”
A exploração mineral do subsolo atlântico depende essencialmente de equipamento capaz de operar no oceano profundo, seja na exploração em si, seja no apoio, inclusive da defesa naval. É uma necessidade estratégica para o futuro do país. Na Elevação Rio Grande, que fica a cerca de mil quilômetros da costa, encontram-se potenciais reservas de cobalto, níquel, platina, manganês, tálio e telúrio, metais essenciais à indústria contemporânea .
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) obteve em 2015 um prazo de cinco anos para pesquisar a área e potencialmente explorá-la a partir de 2020, a começar pelos estudos ambientais. É o primeiro polo de mineração brasileira mais incisivo em águas profundas e que coloca o país no grupo de 29 países que já exploram o leito oceânico, como Rússia, Noruega, França, China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul.
A primeira expedição para a Elevação do Rio Grande depois da emissão da licença partiu de Itajaí (SC), em maio deste ano, a bordo do Vital de Oliveira, navio hidroceanográfico da Marinha. Levou uma centena de pesquisadores, técnicos e cientistas coordenados pelo especialista em geociências do CPRM, Eugênio Frazão, e o chefe da Divisão de Geologia Marinha da instituição, Ivo Pessanha.
A missão começou a montar o que os pesquisadores chamam de “linha de base ambiental” dos 150 blocos designados à exploração, que somam uma área total de 3 mil km quadrados. Frazão considerou um sucesso a expedição, que somou 45 dias no mar.
“Por meio do ROV, o robô submarino empregado para coletas, em 13 mergulhos foi possível obter dados importantes para o que culminaria em amostras biológicas e geológicas e, novamente, rochas de origem continental que fortalecem toda a teoria e os conceitos elaborados pelo Serviço Geológico do Brasil”, afirmou para A República.
“TERRAS RARAS”
Com o avanço da tecnologia, acredita-se hoje que sob os oceanos está a maior concentração de minérios essenciais para a economia contemporânea mundial – não somente o petróleo como aqueles utilizados na indústria digital.
Nessa lista, estão os cobiçados “terras raras” – uma tradução convencionada da nomenclatura REE (Rare Earth Elements). São dezessete elementos químicos que habitam a linha inferior da tabela periódica. Não levam esse nome por conta de sua escassez na Terra, e sim pela dificuldade de extração e separação.
Na superfície terrestre, esses elementos são amplamente explorados, especialmente pela China. Contudo, a proporção de área devastada por quantidade extraída é grande. Isso faz da exploração dos “terras raras” uma atividade de alto custo e impacto, tanto no ambiente como na mão de obra, submetida a condições adversas de trabalho.
Nesse grupo estão o neodímio, metal utilizado em alto falantes, dispositivos de armazenagem de dados e na construção de pás para energia eólica; o lantânio, usado para fazer telas e lentes; o cério, usado para diminuir a toxicidade do escapamento em motores de combustão interna; e o gadolínio, essencial para máquinas de Raio X e ressonância magnética. Ítens sem os quais a vida contemporânea já parece impensável.
FONTES DE ENERGIA
Segundo os pesquisadores, não se trata de devastar o fundo do mar para suprir a demanda por mais smartphones, e sim de um caminho inevitável para a extração e aplicação de novas fontes de energia.
“Para conseguirmos um futuro com menos gasto de carbono, vamos precisar desses metais para criar tecnologias de produção de energia”, afirmou Bramley Murton, geólogo especialista na crosta oceânica da Universidade de Southampton, no Reino Unido, em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
A exploração do assoalho oceânico é regulamentada pela International Seabed Authority (ISA), entidade subordinada à ONU, cujas regras ainda estão sendo escritas em seminários anuais. Falta definir com mais exatidão a viabilidade econômica dos processos de mineração, apurar as falhas já detectadas por operadores em prospecção e estudar com mais eficiência e consequências do vasto descarte de resíduos, o que é apenas uma das preocupações ambientais de remexer um ecossistema pouco conhecido e de sedimentação lenta.
Na última reunião da ISA, em julho deste ano, na Jamaica, cientistas, empresários e representantes de governos e entidades civis de vários países discutiram os aspectos econômicos, geográficos e ambientais da exploração de minérios do fundo do mar.
As temáticas abordaram as normas que regem mecanismos de pagamento à ISA e aos países que detêm jurisdição sobre as águas exploradas, compensações ao impacto ambiental, rentabilidade das áreas de exploração e formas de parceria com países em desenvolvimento para a obtenção de tecnologia.
MAR BRASILEIRO
No caso da Elevação do Rio Grande, além do contrato com a ISA, o Brasil também está reivindicando junto à ONU uma extensão de sua plataforma continental jurídica, na expectativa de abranger o trecho oceânico na Zona Econômica Exclusiva, hoje estabelecida em cerca de 370 quilômetros da costa, segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982.
Como a Elevação do Rio Grande fica três vezes mais longe que o limite do mar considerado brasileiro, o pleito baseia-se em estudos conduzidos por universidades em parceria com cientistas internacionais, a Marinha e o próprio CPRM, que mapeiam a região desde 2009.
Segundo descobertas desta última década, a Elevação possui rochas de característica continental, o que derruba a teoria de que a região seria um platô oceânico de origem vulcânica. Isso o incluiria no critério que determina a extensão do mar considerado brasileiro. Estima-se que esse trecho de terra “soltou-se” do continente sul-americano na separação do supercontinente Gondwana, cerca de 130 milhões de anos atrás.
Trata-se de uma área semicircular com alta concentração e montes submarinos, vales encaixados e escarpas elevadas onde há crostas ferromanganesíferas ricas em cobalto, mas que depositam também outros minérios de grande interesse comercial – em quantidade ainda desconhecida.
MINERAIS CRÍTICOS
Além dos trabalhos de pesquisa do CPRM, exigidos pelo acordo com a ISA, a Universidade de São Paulo também tem desenvolvido estudos de sustentabilidade na Elevação do Rio Grande em parceria com cientistas britânicos. Em fevereiro, um grupo do Instituto Oceanográfico da USP rumou à área submersa a bordo do navio Alpha Crucis da Fapesp para coleta de amostras e dados.
O projeto, chamado de SoS Minerals (Security of Supply of Mineral Resources), visa mapear o ecossistema e avaliar a sustentabilidade da região no caso da exploração de minérios. Apóia a pesquisa de minerais críticos do realizada pelo do Instituto de Oceanografia da USP desde 2014, em parceria com o Conselho Nacional de Pesquisa Ambiental do Reino Unido.
Segundo Luigi Jovane, professor doutor do Departamento de Oceanografia Física do IOUSP e especialista em geofísica e magnetismo nas alterações climáticas, ainda são necessários muitos estudos antes de dar início à extração de fato, especialmente no caso da Elevação do Rio Grande. “A primeira concessão é para estudar as crostas, para fins de exploração”, explica. “A mineração efetiva ainda depende desses estudos, vai demorar.”
DESAFIOS
Apesar da grande importância dos terras raras para a tecnologia, a extração desses minérios permanece um enorme desafio que a ciência e a indústria ainda não resolveram. Mesmo as fontes de energia alternativa, que buscam reduzir a emissão de carbono, são ainda mais poluidoras.
“No momento, elas causam um impacto ainda maior do que o próprio petróleo”, afirma Jovane. “Para fazer uma hélice de energia eólica, por exemplo, é necessária uma quantidade enorme de materiais terras raras, que, para se conseguir, gera um impacto terrível. Outro exemplo é o carro elétrico; é maravilhoso, mas, hoje, a emissão de CO2 para produzir um carro é bem maior do que qualquer economia que ele vai representar em toda a sua vida útil.”
Os trabalhos da USP, correm em paralelo com os do CPRM, uma vez que os órgãos públicos mantêm áreas exclusivas e não aceitam o método acadêmico de compartilhamento com outros países de descobertas consideradas estratégicas.
TRÊS TESOUROS
Atualmente, são conhecidos três tipos de extração no fundo do mar. O primeiro, já realizado pela empresa canadense Nautilus na Papua-Nova-Guiné, é a busca por depósitos de sulfeto em áreas amplas, similares a estádios esportivos, ricas em metais depositados em cumes de rochas por correntes quentes onde atividades vulcânicas formam novas camadas oceânicas.
Outro item cobiçado é a “colheita” de pequenos nódulos polimetálicos ricos em minério, do tamanho de bolas de tênis, formados durante milhões de anos e presentes em quase toda a extensão do solo oceânico mundial. Essas “bolas” podem ser extraídas, e não mineradas, mas é necessário prospectar uma área bem mais extensa. A terceira riqueza seria a crosta rica em cobalto, que se forma lentamente em algumas regiões oceânicas – o que seria o caso da Elevação do Rio Grande.
A China já garantiu a exploração três tipos de mineração oceânica. Na região leste do Oceano Pacífico, a Minmetals, maior empresa chinesa de mineração, obteve junto à ISA uma licença de exploração de 72 mil metros quadrados em maio deste ano para a exploração de nódulos. Na região oeste do Pacífico, o país extrai minérios das crostas e, no sudoeste do Oceano Índico, explora rochas de sulfeto.
SEGURANÇA NO MAR
Há aí uma questão geopolítica envolvida, como a monopolização dos recursos disponíveis por parte de determinadas nações. O mar oferece uma quantidade significativa de minérios, porém ainda é necessário discutir não apenas os impactos ambientais, como as jurisdições nacionais e a segurança no mar do suprimento mundial.
O fundo do mar é um ecossistema de vermes enormes, camarões e caranguejos, animais sem olhos, corais e esponjas, além de espécies desconhecidas, recentemente encontradas em novas galerias. São animais e vegetais de metabolismo lento, cuja recuperação depois de episódios que alteram o seu ambiente é difícil – para não dizer duvidosa.
Assim, não é preciso ser um cientista para deduzir que a ideia de explodir, dragar e arrastar do fundo do mar camadas de minerais, sedimentos e seres vivos pode causar um impacto ambiental sem precedentes no equilíbrio natural e climático do planeta.
Entretanto, a atividade já está em andamento e cada país, em uma fase diferente de estudo, exploração ou extração. O rumo tomado pela economia mundial tem levado muitos interesses literalmente abaixo d’água. Com o direito exclusivo de pesquisar o potencial mineral das crostas da Elevação do Rio Grande, o Brasil está à frente nessa corrida. Mas, para garantir que isso reverta em benefícios para o País, precisa cumprir com as exigências da autoridade internacional, a começar pelos estudos e prospecção.
Segundo dados do CPRM, nos últimos cinco anos, foram investidos cerca de R$ 60 milhões em pesquisas no Atlântico Sul, recursos destinados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para desenvolver o plano de trabalho previsto no contrato serão necessários mais de US$11 milhões.
“INESTIMÁVEL”
Na Papua-Nova Guiné, a canadense Nautilus já explora o fundo do mar há dois anos e cava até 3000 toneladas de terra por dia, milhares de metros abaixo da superfície. O diretor da empresa, Mike Johnston, disse não conseguir estimar ainda o valor das riquezas minerais, mas defende que, caso a mesma atividade fosse realizada em áreas terrestres sobre a terra, o impacto seria bem maior.
Segundo Johnston, é uma questão de atender a demanda da humanidade, ao menor custo possível. “Faz sentido explorar esse potencial ainda desconhecido, de forma sustentável, em vez de continuar prospectando e deteriorando recursos terrestres do planeta, na busca por suprir as necessidades crescentes da sociedade”, diz o executivo.
Ainda há pesquisas em robótica em andamento, no sentido de desenvolver maquinários menores e mais precisos para diminuir o custo e o impacto das prospecções. Embora novas tecnologias possam contribuir para o monitoramento e redução do impacto da mineração, há algumas pendências, a começar pelas regras da atividade, cujos parâmetros ainda estão sendo escritos.
As perspectivas ambientais, no entanto, não são otimistas. “A mineração com impacto zero é impossível, infelizmente”, avisa Simon Wenkel, PhD Instituto de Mineração da Universidade de Tecnologia Clausthal na Alemanha.
Enquanto isso, a indústria da tecnologia no mundo todo está atenta à experiência dos desbravadores do fundo do mar. “Estão todos acompanhando ansiosamente a Nautilus”, disse Henk van Muijen, da holandesa Royal IHC ao jornal The Guardian. “Se eles falharem, vão causar um recuo significativo na mineração oceânica”. Mas se a canadense conseguir trazer do solo oceânico as riquezas que a indústria tecnológica tanto anseia, a ISA pode esperar uma fila de países, não apenas requerendo suas licenças para operar, como também para opinar e monitorar as regras da atividade.
FONTE: A República