Investigadores das Nações Unidas encontraram armamento não letal de fabricação brasileira na Costa do Marfim, em violação ao embargo imposto pelo Conselho de Segurança. A informação está em um relatório apresentado em outubro ao órgão máximo da ONU, com documentos confidenciais da empresa Condor, a fabricante das armas, e fotos do arsenal “made in Brazil” descoberto.
O governo brasileiro alegou aos investigadores internacionais que as armas foram vendidas a Burkina Faso, e não à Costa do Marfim. O Itamaraty enviou à ONU o contrato de venda entre o governo burquinense e a Condor – assinado pelo diretor comercial da companhia, Ricardo Bester, o qual proibia a reexportação das armas. O relatório das Nações Unidas não chega a uma conclusão sobre como elas foram parar no território marfinense.
O pacote vendido pela empresa incluiu 700 lançadores de granadas não letais e milhares de projéteis, ao custo de cerca de R$ 2,7 milhões. As armas foram destinadas diretamente ao “Estado-maior particular da presidência” do país do oeste africano, segundo os documentos obtidos pela ONU. O embaixador de Burkina em Brasília, Alain Ilboudo, disse que não estava “informado” sobre o caso e deixou sem resposta as perguntas do Estado.
O Conselho de Segurança da ONU impôs o embargo de armas à Costa do Marfim em 2004, tentando frear uma guerra civil que se estendia por quase cinco anos. A situação marfinense, porém, continua altamente volátil: em 2011, o presidente Laurent Gbagbo recusou-se a reconhecer a vitória nas urnas do rival Alassane Ouattara, e o país voltou a ser palco de batalhas de rua e massacres. Em abril daquele ano, tropas francesas intervieram e prenderam Gbagbo.
Em uma aparente coincidência, cinco dias após a publicação do relatório da ONU informando sobre as armas brasileiras, a Casa Civil em Brasília publicou o decreto, assinado pela presidente Dilma Rousseff, que renovava o compromisso com o embargo internacional à Costa do Marfim.
Riscos. Para Daniel Mack, da ONG Sou da Paz, o governo brasileiro também deve ser responsabilizado. “A existência de uma rota de tráfico entre Burkina Faso e a Costa do Marfim é notória”, afirma Mack, que diz ser “impossível ignorar os riscos” de uma operação desse tipo. Além da Costa do Marfim, o território burquinense faz fronteira com o Mali, país que foi palco de uma guerra civil e uma intervenção militar europeia este ano.
Alegando obrigações contratuais, a Condor se recusou a comentar a venda sob investigação da ONU. A empresa, que exporta armas não letais para 40 países (mais informações nesta página), disse ainda que “jamais foi notificada” por autoridades nacionais ou internacionais sobre o caso. No entanto, o Ministério da Defesa afirmou que, após os funcionários das Nações Unidas encontrarem o arsenal na Costa do Marfim, a Condor foi consultada e “ratificou ter exportado” o armamento a Burkina Faso.
Dentro do governo brasileiro, as explicações sobre quem deve responder pelo caso são contraditórias. A pasta da Defesa, que supervisiona exportação de qualquer tipo de armamento, disse que sua “responsabilidade é compartilhada” com o Itamaraty.
O Ministério das Relações Exteriores confirmou ter enviado as informações à ONU, mas disse que não participou diretamente da decisão de exportar o material a Burkina Faso. A chancelaria alega que o fato de se tratar de armas não letais a isenta de participar da decisão final sobre a venda.
A ONG Sou da Paz rejeita a ideia de que a exportação desse tipo de armamento merece tratamento mais brando. “Não existe ‘armamento não letal’: as armas em questão podem ser ‘menos letais’, mas, em mãos despreparadas, criminosas ou irresponsáveis, podem causar ferimentos sérios e até a morte, como se viu diversas vezes”, afirma Mack, citando como exemplo o uso de armamento da Condor em países do Oriente Médio durante a Primavera Árabe e nos protestos de junho no Brasil.
FONTE: O Estado de S.Paulo