Por Isabel Fleck
Uma corrida nuclear na América do Sul foi evitada na década de 80 pelo que o então presidente José Sarney e sua equipe apelidaram de “diplomacia da foto” –a relação de confiança desenvolvida por ele e o presidente argentino Raúl Alfonsín (1927-2009).
O termo, segundo o próprio Sarney, se refere às imagens feitas dos dois presidentes durante visitas às usinas nucleares de Pilcaniyeu, na Argentina, e Aramar, no Brasil, em 1987 e 1988, respectivamente. Os eventos teriam evidenciado que os países “não tinham mais nada a esconder”.
“Estabeleceu-se uma relação de confiança entre nós. O que está sendo visto hoje com o Irã [o acordo nuclear deste mês, com seis potências], com dificuldade imensa, fizemos na região sem a participação de organismos internacionais”, disse Sarney à Folha.
O freio na corrida nuclear promovido pela proximidade entre os dois mandatários é um dos temas do livro digital “Origens da Cooperação Nuclear –uma História Oral Cyyrítica entre Argentina e Brasil”, que será lançado nesta segunda (20) pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) no site http://cpdoc.fgv.br/.
Organizada pelo professor da FGV e colunista da Folha Matias Spektor, pelo diplomata argentino Rodrigo Mallea e pelo professor da Universidade de Birmingham Nicholas Wheeler, a publicação traz a transcrição de conferência sobre o tema realizada no Rio em 2012 e que reuniu ex-chanceleres, diplomatas e funcionários ligados ao tema nuclear.
Nos anos 80, nenhum dos dois países tinha interesse no Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que só seria ratificado pela Argentina em 1995 e pelo Brasil em 1998.
Como alternativa, Sarney e Alfonsín iniciaram conversas que levariam, em 1991, à criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, que serviria de “garantia” do caráter pacífico de seus programas nucleares.
Sarney diz ter confiado em Alfonsín desde o primeiro encontro, em 1985. “Expus que nossa divergência era baseada numa tese do século 19 de que quem tivesse o domínio do [rio da] Prata tinha o domínio da América do Sul, que era obsoleta. Ele concordou.”
“Ele achava que aquilo mudaria a história do continente, como mudou. A partir daí acabou qualquer corrida nuclear no continente.”
FONTE: Folha de São Paulo