Ao invés do Brasil construir um submarino de propulsão nuclear, ele poderia alugá-lo? Seria ou não mais barato? Mas o Brasil teria ou não acesso às estruturas navais?
O Leasing de submarinos nucleares de ataque (SSNs) feito pela Índia, inicialmente da antiga União Soviética (URSS) e, posteriormente, da Federação Russa, é um capítulo significativo na história da cooperação militar entre esses dois países. Esse arranjo não apenas fortaleceu as capacidades submarinas da Índia, mas também teve implicações estratégicas no equilíbrio de poder no Oceano Índico.
Recentemente, o programa AUKUS (Australia, United Kingdom, United States) emergiu como um novo paradigma na transferência de tecnologia de submarinos nucleares, suscitando comparações com a experiência indiana. A cooperação naval entre a Índia e a URSS começou a ganhar força na década de 1960, em um contexto de Guerra Fria, quando a Índia buscava modernizar suas forças armadas e a URSS via uma oportunidade de fortalecer sua influência no Sul da Ásia. Em 1988, esse relacionamento atingiu um novo patamar com a assinatura de um acordo de leasing de um submarino nuclear de ataque do Projeto 670 Skat (classe Charlie I) para a Índia. Este submarino, renomeado pela Índia como INS Chakra, foi um marco, mas isso abre um precedente militar mundial.
O Brasil e a França, fizeram um acordo de construção de quatro submarinos da classe Scorpène, de propulsão Diesel-Elétrica e de um submarino de propulsão nuclear. Para responder a essas e a outras perguntas, nós convidamos o Diretor Técnico da ABDAN – Associação Brasileira de Desenvolvimento das Atividades Nucleares, Leonam Guimarães, que também traz colado em seu peito os selos de ser um submarinista, Capitão de Mar e Guerra da reserva da Marinha do Brasil, ex-presidente da Eletronuclear, Coordenador Técnico da Amazul e representante do Brasil na AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica, órgão da ONU.
PetroNotícias – O senhor acha que o Brasil poderia alugar um submarino nuclear de algum país aliado?
Leonam – O Brasil é um Estado não nuclear pelo Tratado de Não Proliferação (TNP), com acordo de salvaguardas abrangentes firmado com a AIEA. Um submarino nuclear de outro país que hipoteticamente fosse objeto de leasing teria que ser submetido a “Procedimentos Especiais” previstos pelo acordo de salvaguardas em vigor, similares aos que vem sendo negociado com a Agência tanto para o SN-BR como para o AUKUS.
É importante destacar que o leasing de submarinos nucleares, como demonstrado pelos casos da Índia com a Rússia e da Austrália com o AUKUS, pode servir como uma solução temporária ou complementar enquanto um país desenvolve sua própria capacidade de construção e operação de submarinos nucleares.
A possibilidade de o Brasil alugar um submarino nuclear de um país aliado é, em teoria, viável, mas envolve uma série de considerações estratégicas, políticas e tecnológicas que precisam ser cuidadosamente avaliadas. No caso do Brasil, que já está avançado em seu programa de desenvolvimento do submarino nuclear, o leasing poderia oferecer uma plataforma de treinamento e de aquisição de experiência prática para as tripulações brasileiras, além de permitir ao Brasil uma inserção mais rápida na operação de submarinos nucleares.
Em resumo, embora o leasing de um submarino nuclear seja uma possibilidade, ele não deve ser considerado como uma solução imediata ou simples. É uma decisão que requer um exame cuidadoso das implicações estratégicas, tecnológicas, políticas e diplomáticas, sempre em alinhamento com os interesses nacionais de longo prazo do Brasil.
PetroNotícias – Então a Índia passou por estes procedimentos especiais, não?
Leonam – O caso da Índia é diferente pois ela é um estado nuclear “de fato,” possui armas nucleares e não é estado parte do TNP, não tendo, portanto, acordo de salvaguardas abrangentes firmado com a Agência.
PetroNotícias – O caso do Irã, outro país que esta monitorado pela AIEA para que não chegue a ter armamentos nucleares, é diferente desse?
Leonam – O caso do Irã teria também uma peculiaridade na medida em que o país há alguns anos descumpriu termos do seu acordo de salvaguardas por não ter declarado a existência de instalações de enriquecimento de urânio em seu território. De lá para cá essa situação vem sendo regida por acordos específicos envolvendo outros países além da Agência.
PetroNotícias – Os submarinos alugados podem ser considerados como de ataque?
Leonam – Veja bem, após o colapso da União Soviética em 1991, a Rússia herdou a maior parte da frota naval soviética e manteve o relacionamento de defesa com a Índia. Em 2004, foi firmado um novo acordo de leasing, desta vez envolvendo um submarino nuclear de ataque do Projeto 971 Shchuka-B (classe Akula II). Este submarino, após ser renomeado e modificado para atender às especificações indianas, foi entregue à Marinha da Índia em 2012 como INS Chakra II.
O INS Chakra II representou um avanço significativo em termos de capacidades em comparação ao submarino da classe Charlie I. Ele oferecia maior velocidade, maior profundidade de operação e um sistema de armas mais avançado. O leasing deste submarino também incluiu um contrato de dez anos, o que permitiu à Índia continuar desenvolvendo suas habilidades operacionais em submarinos nucleares, um componente crítico para a sua doutrina de dissuasão marítima.
PetroNotícias – Qual é a situação atual da cooperação entre a Índia e a Rússia?
Leonam – O leasing do INS Chakra II foi concluído em 2022, e a Índia optou por não estender o contrato, devolvendo o submarino à Rússia. No entanto, antes do término desse contrato, a Índia e a Rússia já haviam iniciado discussões para um novo leasing de um submarino nuclear de ataque da classe Akula II, com previsão de entrega até 2025. Este novo submarino, ainda a ser nomeado, será mais uma vez modificado para atender aos requisitos da Marinha da Índia e deve incluir atualizações tecnológicas significativas.
A contínua cooperação entre a Índia e a Rússia no leasing de SSNs reflete as necessidades estratégicas da Índia em manter uma força submarina nuclear competente até que seu próprio programa de submarinos nucleares de ataque esteja plenamente operacional.
PetroNotícias – Como é o Programa SSBN Arihant?
Leonam – Enquanto a Índia estava focada no leasing de SSNs da Rússia, ela também estava desenvolvendo seu próprio programa de submarinos nucleares lançadores de mísseis balísticos (SSBNs), com o objetivo de completar sua tríade nuclear. O projeto mais proeminente nesse contexto é o INS Arihant, o primeiro SSBN indiano, que foi comissionado em 2016.
O INS Arihant foi desenvolvido como parte do Advanced Technology Vessel (ATV) Project, um esforço ambicioso que contou com assistência técnica russa, mas foi amplamente conduzido por cientistas e engenheiros indianos. Este SSBN é capaz de transportar mísseis balísticos nucleares, dando à Índia uma capacidade de segundo ataque, essencial para a dissuasão nuclear.
Além do INS Arihant, a Índia está construindo uma segunda unidade, o INS Arighat, que está em estágio avançado e deve ser comissionado em breve. Existem planos para mais três SSBNs, que serão maiores e mais avançados do que o Arihant, cada um com capacidade de transportar um número maior de mísseis balísticos e com maior autonomia.
O desenvolvimento desses SSBNs demonstra a capacidade crescente da Índia em construir submarinos nucleares complexos e se tornar autossuficiente em uma das áreas mais críticas de defesa. Entretanto, até que toda a frota de SSBNs esteja operacional, o leasing de SSNs da Rússia continua a ser um pilar fundamental da estratégia de defesa da Índia.
PetroNotícias – É possível se fazer uma comparação com o Programa AUKUS?
Leonam – O programa AUKUS, anunciado em setembro de 2021, é uma parceria trilateral entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, com o objetivo de fortalecer a presença estratégica no Indo-Pacífico. Um dos elementos mais destacados desse acordo é o compromisso de ajudar a Austrália a adquirir submarinos nucleares de ataque, seja por meio de construção local com transferência de tecnologia, seja por leasing de SSNs dos Estados Unidos ou do Reino Unido até que esses submarinos estejam prontos.
PetroNotícias – Há semelhanças com o Leasing Indo-Russo?
Leonam – Tanto o leasing indiano de submarinos russos quanto o AUKUS envolvem o compartilhamento de tecnologias sensíveis e visam aumentar as capacidades submarinas nucleares de países aliados. Em ambos os casos, o leasing de SSNs serve como uma solução temporária para permitir que as nações beneficiárias desenvolvam e operem submarinos nucleares enquanto constroem ou aperfeiçoam suas próprias capacidades industriais e tecnológicas.
Assim como a Índia utilizou o INS Chakra e o INS Chakra II para treinar suas tripulações e desenvolver doutrinas de operação nuclear, a Austrália poderá usar submarinos americanos ou britânicos para acelerar seu programa de SSNs, ganhando experiência operacional antes de construir seus próprios submarinos nucleares.
PetroNotícias – Quais são as Diferenças e Implicações Estratégicas?
Leonam – No entanto, há diferenças cruciais entre as duas situações. O leasing russo para a Índia foi, desde o início, parte de uma relação bilateral de longa data, com a Rússia desempenhando o papel de principal fornecedora militar da Índia. Por outro lado, o AUKUS é um pacto trilateral que também possui uma dimensão estratégica mais ampla, visando especificamente conter a influência da China no Indo-Pacífico. Isso confere ao AUKUS uma relevância geopolítica mais imediata e explícita do que o arranjo Indo-Russo, que estava mais focado no fortalecimento gradual das capacidades indianas.
Além disso, o envolvimento dos Estados Unidos e do Reino Unido no AUKUS, ambos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU com fortes tradições de não proliferação nuclear, sugere uma abordagem mais rigorosa em termos de controle de transferência de tecnologia, comparado ao que foi visto nas transações russo-indianas. A supervisão e os controles impostos por Washington e Londres sobre o uso e operação dos SSNs poderão ser mais rigorosos, o que pode influenciar a forma como a Austrália emprega esses ativos em comparação com a Índia.
PetroNotícias – Há implicações estratégicas globais?
Leonam – O leasing de submarinos nucleares de ataque tem proporcionado à Índia uma vantagem estratégica significativa no Oceano Índico, onde enfrenta desafios de segurança, particularmente da China, que também está expandindo sua presença naval na região. De forma semelhante, a Austrália, por meio do AUKUS, visa contrabalançar o crescente poderio naval chinês no Indo-Pacífico, utilizando submarinos nucleares como parte central dessa estratégia.
Enquanto a Índia utiliza seus SSNs principalmente como parte de uma estratégia de dissuasão marítima voltada para a proteção de suas linhas de comunicação e como uma resposta a ameaças regionais, a Austrália, sob o AUKUS, está mais claramente alinhada com os esforços dos Estados Unidos para conter a influência chinesa em uma região muito mais vasta.
PetroNotícias – O senhor acredita que seja um exemplo a ser seguido?
Leonam – O leasing de submarinos nucleares de ataque da URSS e da Rússia para a Índia é um exemplo importante de como parcerias estratégicas podem ajudar uma nação a desenvolver capacidades militares críticas. Comparado ao recente programa AUKUS, que visa fornecer submarinos nucleares à Austrália, é evidente que tanto a Índia quanto a Austrália veem o leasing de SSNs como uma maneira eficaz de acelerar o desenvolvimento de suas capacidades de dissuasão. No entanto, as diferenças nas motivações geopolíticas, controles de transferência de tecnologia e impacto estratégico mais amplo destacam a singularidade de cada arranjo.
FONTE: PetroNotícias
Nota do Editor: Caso haja interesse do Brasil em acelerar o processo para ter a expertise na operação/manutenção de um submarino nuclear e, a opção “alugar” venha a ser cogitada, seria interessante observar que, face a proximidade com a França dentro do PROSUB, como os submarinos nucleares da classe Rubis estão dando lugar aos novíssimos submarinos Barracuda, classe Suffren, talvez fosse interessante analisar essa possibilidade, evidentemente desde que haja interesse da França em alugar para o Brasil um de seus submarinos nucleares.