Por Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira (RM-1)
Para o ex-comandante da Marinha, almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, o emprego da tecnologia dual decorrente do projeto pode beneficiar a geração de energia elétrica, o desenvolvimento de novos materiais, a produção de radioisótopos para a medicina e a irradiação de alimentos para conservação. Ele admite que uma grande parte da sociedade brasileira ainda não foi adequadamente informada e não tomou consciência da relevância da conquista nuclear obtida nessas três décadas. “Mas temos procurado expandir essa consciência a todos os segmentos da sociedade, com mais urgência aos participantes das estruturas de governo”, afirmou em entrevista a Vera Dantas, da Brasil Nuclear.
Quais são os Programas Estratégicos da Marinha brasileira?
A Marinha do Brasil desenvolve os seguintes programas estratégicos, com o objetivo de renovar e fortalecer os meios necessários ao cumprimento de sua missão e, complementarmente, fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico do País e a capacitação da indústria nacional: Programa Nuclear na Marinha (PNM), Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), Corvetas Classe Tamandaré (CCT) e Navios Patrulha (ver abaixo).
Quais são os objetivos do Prosub?
O objetivo principal do Prosub é capacitar o Brasil a projetar e construir submarinos convencionais e, especialmente, com propulsão nuclear. O Prosub faz parte de um amplo programa estratégico do Estado brasileiro, tendo seu início em dezembro de 2008, com a assinatura de um acordo entre o Brasil e a França.
A transferência de tecnologia de projeto de submarinos, exceto das partes nucleares, mas incluindo os sistemas de combate e de controle da plataforma, representa aspecto decisivo e crucial, sobretudo pela dificuldade que existe em se encontrar parceiros internacionais dispostos a concretiza tal transferência de conhecimento, o que nos possibilitará projetarmos os nossos próprios submarinos.
O Prosub proporcionará autonomia tecnológica no desenvolvimento e construção de submarinos convencionais e nucleares?
O Prosub já está proporcionando essa autonomia, no desenvolvimento e construção de submarinos convencionais e nucleares. É um processo desafiador, mas já demos passos importantes. Os quatro submarinos convencionais do Programa já estão sendo construídos, por equipes de engenheiros e técnicos que fizeram cursos no exterior e estão colocando em prática o aprendizado transferido no acordo de cooperação com os parceiros franceses.
A adaptação do projeto original dos submarinos Classe Scorpéne, que é a base dos nossos submarinos da classe Riachuelo, já foi feita por nossos profissionais. O Projeto Básico do Álvaro Alberto já foi aprovado pelos parceiros franceses, em janeiro de 2017 e, no momento, está sendo desenvolvido o projeto detalhado do submarino. No final da próxima década, quando o submarino for lançado ao mar, estaremos consolidando esse aprendizado à tecnologia brasileira.
O Prosub já sofreu contingenciamentos e cortes orçamentários. Quais foram as alterações realizadas no Programa para adequá-lo à redução de recursos?
Para enfrentar os contingenciamentos e cortes orçamentários ocorridos desde 2015 no orçamento do Prosub, a Marinha adaptou os cronogramas das obras em Itaguaí (RJ), mantendo a programação das estruturas de uso mais imediato para o lançamento do primeiro submarino, o Riachuelo, e remanejou obras em instalações que serão utilizadas em uma etapa posterior. Podemos citar como exemplos de obras que foram mantidas as do Estaleiro de Construção e a do ship lift, elevador de navios que coloca e retira o submarino da água. Em compensação, ajustamos os cronogramas do Estaleiro de Manutenção e da Base Naval.
Mas é bom alertar que, embora esses ajustes permitam a continuidade do programa e minimizem os impactos dos atrasos, eles provocam aumentos de custos do Programa.
Qual o investimento previsto e o que foi efetivamente aportado no Programa?
O investimento previsto é da ordem de R$ 35.501 milhões, dos quais R$ 17.404 milhões, aproximadamente, já foram aportados no Programa.
Recentemente, foi anunciado um novo corte no orçamento para 2019. Quais serão os impactos sobre o Programa?
Os programas estratégicos da Marinha, entre os quais o Prosub é o que está em estágio mais avançado, são de longo prazo e envolvem compromissos internacionais, com pagamentos de parcelas que precisam ser cumpridos sob o risco de perdermos a credibilidade junto aos nossos parceiros estratégicos. Restrições orçamentárias, mesmo quando contornadas parcialmente com a reorganização dos cronogramas, provocam ainda atrasos na entrega dos meios, aumento de custos, e prejudicam a otimização de ganhos para as instituições civis, especialmente os parceiros científicos, tecnológicos e industriais.
Como o senhor avalia a continuidade do Prosub no futuro governo? Há risco de descontinuidade?
Não vemos risco de descontinuidade do Programa, a despeito de eventuais ajustes conjunturais que possam ocorrer. O Prosub é um programa de Estado, baseado em um acordo de parceria estratégica entre os governos do Brasil e da França. Os candidatos que disputaram as eleições tinham consciência da importância do Programa, não apenas para a Defesa Nacional, mas também para o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do País. E o Presidente eleito compartilha desse entendimento.
Em sua opinião, quais são os principais ganhos do Prosub para o País?
Além dos benefícios óbvios para a Defesa Nacional, podemos destacar os ganhos relevantes para a sociedade civil, tendo como um dos pilares a participação prioritária da indústria nacional. Essa participação tem dois enfoques: primeiro, a fabricação de itens com tecnologia existente no Brasil, que abrange os equipamentos, os guindastes e as máquinas operatrizes da infraestrutura industrial; e, segundo, a produção de equipamentos e sistemas dos submarinos decorrentes de conhecimento científico sensível, não existente no País, cujo desenvolvimento necessita de transferência ou desenvolvimento próprio de tecnologia. Temos uma estimativa de que, para cada submarino a ser produzido no Brasil, mais de 36 mil itens serão fabricados, por mais de cem empresas brasileiras, incluindo sistemas, equipamentos e componentes, bem como treinamento para o desenvolvimento e integração de softwares específicos e suporte técnico para as respectivas empresas durante a fabricação dos itens.
Por sua vez, a capacitação adquirida no processo de construção do SN-BR, incluindo o Prosub e o Programa Nuclear da Marinha, representará uma vitória da tecnologia nacional, que vai além do setor militar. O emprego da tecnologia dual decorrente pode beneficiar a geração de energia elétrica, o desenvolvimento de novos materiais, a produção de radioisótopos para a medicina e a irradiação de alimentos para conservação, entre outros.
Com o projeto do submarino de propulsão nuclear, a Marinha contribuiu para que o Brasil se tornasse um dos poucos países do mundo a deter o domínio tecnológico do enriquecimento do urânio. Em sua opinião, há um reconhecimento da dimensão e importância estratégica dessa conquista?
Uma grande parte da sociedade brasileira ainda não foi adequadamente informada e não tomou consciência da relevância da conquista nuclear obtida pelos cientistas e técnicos brasileiros, capitaneados pela Marinha, nessas três décadas. Mas temos procurado expandir essa consciência a todos os segmentos da sociedade, com mais urgência aos participantes das estruturas de governo. É fundamental que os gestores conheçam os ganhos que estão sendo levados por esses programas estratégicos a todos os cidadãos, inclusive para os pacientes do Sistema Único de Saúde que dependem de exames sofisticados ou de tratamento contra câncer, por conta do emprego dual dessa tecnologia na produção de radioisótopos para a medicina.
Como o senhor vê a contribuição da energia nuclear para o equilíbrio da matriz energética brasileira?
A expansão do uso da energia nuclear pode auxiliar a política energética brasileira de duas maneiras principais: no fortalecimento da energia de base, aquela fornecida a qualquer momento que o consumidor exija; e na democratização do acesso, levando energia a comunidades isoladas. A energia de base é fornecida, principalmente, por hidrelétricas e termelétricas, e servem de lastro para as fontes intermitentes, como eólica e solar. Em relação a essas duas fontes, a energia nuclear tem a vantagem de não depender de chuvas, como as hidrelétricas, e de não poluir, como as termelétricas.
No caso das comunidades isoladas, o reator desenvolvido para o submarino nuclear, que será testado no Labgene, pode ser uma solução de atendimento com energia de qualidade em regiões onde há limitação técnica ou econômica para conectá-las ao Sistema Interligado Nacional. Além do mais, a energia nuclear, por ser uma energia limpa, pode ajudar o Brasil a atingir as metas de emissão de carbono firmadas no Acordo de Paris, com combustível e tecnologia de enriquecimento nacionais.
– Há uma indissociável ligação entre o Programa Nuclear da Marinha e o Programa de Desenvolvimento de Submarinos
PROGRAMAS ESTRATÉGICOS DA MARINHA
Programa Nuclear na Marinha (PNM)
Iniciado em 1979, o PNM foi desenvolvido em razão da necessidade estratégica do País de possuir submarinos com propulsão nuclear. Concebido para utilizar tecnologia totalmente nacional e independente, o Programa foi dividido em duas vertentes: o domínio do ciclo do combustível nuclear; e o desenvolvimento de uma planta nuclear de propulsão naval. Verifica-se, assim, a indissociável ligação entre o PNM e o Programa de Desenvolvimento de Submarinos, o Prosub, criado em 2008.
O objetivo primeiro do PNM, o domínio do processo de enriquecimento do urânio, foi alcançado em escala laboratorial no ano de 1988. Uma década depois, em 1998, essa tecnologia foi testada com sucesso em escala pré-industrial. O segundo objetivo do PNM é o Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (Labgene), um protótipo, em terra, do sistema de propulsão do submarino, com entrega prevista para 2022.
Destacam-se os seguintes benefícios, advindos do PNM: tecnologia para a produção de combustível nuclear destinado à geração de energia elétrica e à propulsão naval; desenvolvimento de um reator do tipo Pressurized Water Reactor (PWR), com potência térmica de 48MW, com capacidade de gerar energia elétrica suficiente para iluminar uma cidade de 20 mil habitantes; e desenvolvimento e manutenção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que proporcionará autonomia nacional na produção de radioisótopos e radiofármacos, além de aumentar a capacidade em pesquisa de técnicas nucleares.
Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub)
Concebido em 2008, em parceria estratégica com a França, é um dos programas mais audaciosos e inovadores da Marinha. Ele apresenta os seguintes eixos estruturantes: a transferência de tecnologia (exceto na área nuclear); a nacionalização de equipamentos e sistemas; e a capacitação de pessoal.
Em perfeita sintonia com os preceitos estabelecidos na Estratégia Nacional de Defesa, o Prosub compreende três empreendimentos modulares: a edificação de uma infraestrutura industrial e de apoio para a construção, operação e manutenção de meios navais; a construção de quatro submarinos convencionais; e o projeto e a construção do submarino com propulsão nuclear.
A relevância do Prosub para o País não reside apenas no fato de se dotar o Poder Naval brasileiro com um Submarino com Propulsão Nuclear (SN-BR), o objeto precípuo deste Programa, mas também conferirá nova dimensão às tarefas de “Negação do Uso do Mar” e de “Contribuir para a Dissuasão”, com inegável arrasto tecnológico, geração de conhecimento, emprego e renda.
A condução do Prosub demonstra a capacidade do Brasil em gerenciar empreendimentos de grande envergadura e elevada complexidade e aproxima o País do nível tecnológico alcançado por outras nações, notadamente aquelas que compõem, permanentemente, o Conselho de Segurança da ONU, todas operando Submarinos Nucleares em suas respectivas Marinhas.
O Município de Itaguaí, no RJ, entra para o mapa de infraestruturas industriais nacionais como um dos mais modernos centros de construção naval militar do hemisfério sul, com a implantação do Complexo Naval de Itaguaí (CNI).
O primeiro submarino convencional a ser entregue será o Riachuelo (S-40), em dezembro de 2018; seguido do Humaitá (S-41), em 2020; Tonelero (S-42), em 2021; e Angostura (S-43), em 2022. O submarino com propulsão nuclear, Álvaro Alberto, tem lançamento previsto para 2029.
O Prosub e o PNM estão estreitamente relacionados, na medida em que o submarino de propulsão nuclear brasileiro (SN-BR), principal objetivo do Prosub, terá seu reator nuclear produzido no escopo do PNM, demonstrando a necessidade dos dois programas caminharem em perfeita sintonia ao longo da sua execução.
Corvetas Classe Tamandaré (CCT)
O Projeto das CCT prevê a construção no País de quatro navios-escolta do tipo Corveta, da Classe Tamandaré, por meio da associação de um parceiro tecnológico estrangeiro (main contractor) com um estaleiro nacional. O projeto contribuirá para o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, por meio da formação de uma capacidade autônoma; do desenvolvimento de uma cadeia logística de reparos e suprimentos independente; da absorção de novas tecnologias, que serão assimiladas pelas demais vertentes da indústria nacional; e da geração de empregos em um espectro grande da atividade humana. O modelo inovador vislumbrado para viabilizar o projeto foi a capitalização da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), empresa pública não dependente, vinculada ao Ministério da Defesa, por meio do Comando da Marinha.
A Marinha necessita de, pelo menos, 18 navios-escolta para cumprir eficazmente suas tarefas. Mas a Força conta com apenas 11 navios desse tipo, dos quais apenas um estará em operação nos próximos dez anos, dada a idade avançada dos meios. Os escoltas, categoria na qual se incluem as corvetas, distinguem-se dos demais navios por sua versatilidade, capacidade de detecção, mobilidade e autonomia para a patrulha de extensas áreas marítimas, na defesa dos interesses econômicos nacionais. Por suas características e capacidades, são propícios para atuarem na proteção dos navios de grande porte, que são, normalmente, mais lentos e dispõem de menos recursos para autodefesa.
– O reator desenvolvido para o submarino nuclear pode ser uma solução de atendimento com energia de qualidade em regiões onde há limitação técnica ou econômica para conectá-las ao Sistema Interligado Nacional
Navios Patrulha
A Marinha planeja construir 15 navios-patrulha em estaleiros nacionais, com recursos oriundos do Fundo da Marinha Mercante, fomentando a construção naval brasileira e a Base Industrial de Defesa, gerando empregos e contribuindo para o desenvolvimento do País. Os Patrulhas são navios de pequeno e médio portes, menores que os escoltas, versáteis e propícios para a fiscalização da Amazônia Azul, que contribuem para a segurança do tráfego marítimo nacional e para o combate a ilícitos, como pirataria, contrabando, crime organizado, tráfico de drogas e pessoas e descaminho. Colaboram, ainda, na fiscalização contra a pesca predatória e na prevenção da poluição ambiental (hídrica e marinha). A Marinha dispõe de 31 navios-patrulha, distribuídos pelo litoral e águas interiores, em nove núcleos regionais (Distritos Navais). Em 2025, serão retirados de serviço 15 desses navios, por terem ultrapassado sua vida útil.
FONTE: Aben