Por Rafael Kato
Em outro vídeo, divulgado pela empresa, o SpotMini realiza com êxito a mesma tarefa, apesar de um humano tentar detê-lo com um taco usado nas partidas de hóquei sobre gelo. Não demorou muito para que as imagens fossem consideradas nas redes sociais, é claro um prenúncio de um futuro dominado pelas máquinas, como no filme O Exterminador do Futuro, estrelado por Arnold Schwarzenegger nos anos 80. Mas, antes de ser sinal de um cenário apocalíptico, o autômato da Boston Dynamics é o símbolo do desenvolvimento de uma nova era de máquinas de guerra. Com o apoio de governos ao redor do mundo, cada vez mais empresas estão aplicando conhecimentos de computação na criação de armas inteligentes e robôs que acompanham soldados.
O mercado de robótica militar deverá crescer de 16,8 bilhões de dólares, em 2017, para mais de 30 bilhões, em 2022, segundo a consultoria MNM. Isso representará um crescimento anualizado de quase 13%, o que será especialmente positivo para startups e pequenos fabricantes. O mercado de defesa, dominado no mundo por grandes fabricantes, como as americanas Lockheed Martin e Northrop Grumman, deverá ver o surgimento de novos concorrentes relevantes. Até o início da próxima década, empresas com faturamento abaixo de 100 milhões de dólares vão representar 25% desse mercado.
Um bom exemplo aqui é a própria Boston Dynamics. Anteriormente uma subsidiária da Alphabet, dona do Google, a empresa é agora propriedade do conglomerado japonês SoftBank. O protótipo SpotMini chamado no mundo da tecnologia de robot dog é mais um de uma lista de projetos associados aos militares americanos. Seu antecessor, o Spot, recebeu para seu desenvolvimento 42 milhões de dólares da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, a mãe da internet nos anos 60. O objetivo era criar um companheiro robótico para soldados em campo que pudesse se deslocar em diferentes terrenos e levar carga. Em 2016, os Marines, quarta força armada americana, testaram o Spot e concluíram que ele não poderia ser usado em campo por ser “barulhento demais, algo que revelaria a posição dos soldados”. De lá para cá, o robô ficou mais inteligente e silencioso. Sua autonomia de bateria é de 90 minutos e pesa apenas 30 quilos, 45 quilos a menos do que a versão anterior.
Nas imagens que causaram maior grita, quando o robô da Boston Dynamics continua a abrir uma porta apesar de um humano tentar barrá-lo, é preciso lembrar que seu comportamento é apenas resultado da programação. Robôs, segundo Stuart Russell, professor de ciência da computação e inteligência artificial na Universidade da Califórnia, em Berkeley, são muito bons em cumprir uma missão, mesmo que para isso passem por barreiras éticas e físicas. A questão central no desenvolvimento da tecnologia é como fazer com que as máquinas aprendam valores humanos na tomada de decisões, como ele costuma exemplificar em suas palestras. “Imagine um robô doméstico que precisa alimentar crianças. Elas estão com fome e não tem nada na geladeira. E o robô vê o gato. Ele não compreende que o valor sentimental pelo gato pesa mais do que seu valor nutritivo”, afirma Russell.
É por isso que outras empresas da área de robótica, sobretudo as voltadas para o mercado de defesa e segurança, estão apostando num uso misto: dar autonomia para o robô decidir as tarefas mais simples, mas ainda exigir um humano por trás para casos de vida ou morte — seja a vida de um gato, seja a de outro ser humano. Uma dessas empresas é a Roboteam, com origem em Israel e hoje com sede nos Estados Unidos.
O principal comprador de seus robôs são as Forças Armadas americanas, que utilizam, por exemplo, o Iris, um robozinho com quatro rodas, câmera, lanterna e sensores para investigar túneis cavados por terroristas. Um soldado controla o robô a distância, mas a máquina também consegue se virar sozinha caso fique presa entre rochas, por exemplo. A proposta da empresa é oferecer uma interface de controle fácil. “Queremos reduzir a necessidade de um operador e deixar que o robô entenda quais são as posições e os ângulos de rota corretos”, diz Shahar Abuhazira, presidente da Roboteam. As máquinas da empresa também podem servir de multiplicadoras de força no campo de batalha. Um uso comum é para certificar que uma casa está livre de inimigos: em vez de oito soldados vasculharem todos os cômodos, um soldado controla quatro robôs ou mais ligados em rede e que se certificam de que o lugar está “limpo”. “Esse tipo de solução oferece um ambiente muito mais seguro para os soldados. O robô, ao ir na frente, cria uma nova camada de proteção”, diz Abuhazira, que foi soldado do Exército israelense antes de virar executivo.
Na visão da empresa, homem e máquina podem trabalhar lado a lado, como atesta o Probot, um robô que serve de veículo de carga ou transporte de feridos. Com um sensor de luz, ele consegue mapear todo o ambiente, enviando os dados ao centro de comando, e também seguir automaticamente um soldado ou outro veículo militar, como um tanque. A empresa estuda equipar o Probot com armamentos, que ainda seriam controlados remotamente. “Ainda é muito cedo para instalar armamento 100% autônomo. Nosso foco está na inteligência artificial para controlar a máquina, com o uso de comando de voz, por exemplo, e não para deixar a máquina controlar a si própria”, afirma Abuhazira.
Uma abordagem mais radical é da israelense Elbit Systems, conglomerado militar que fabrica sistemas de defesa. Em 2017, ela apresentou o Seagull, lancha semiautônoma equipada com sonares e capaz de reconhecer e eliminar minas, lançar torpedos e perseguir inimigos em alto-mar — isso sem contar a metralhadora instalada em sua proa. Também no final do ano passado, o governo russo anunciou soluções similares, mas dessa vez para a atuação em terra. O presidente Vladimir Putin trabalha na criação de uma divisão de tanques autônomos. A ideia é misturar um pequeno blindado robótico, chamado de Nerekhta e equipado com uma lança-granada, com uma nova linha do tanque T-14 Armata, o mais moderno em operações hoje no mundo.
São armamentos como esses que suscitaram a preocupação da comunidade internacional. No momento, há uma discussão nas Nações Unidas sobre a limitação do uso de armas autônomas. Noel Sharkey, professor de robótica na Universidade de Sheffield e presidente da ONG Comitê Internacional para o Controle de Armas Robóticas, escreve com frequência sobre os perigos de uma nova corrida armamentista com foco nos robôs. Para ele, há a necessidade de uma atualização dos tratados internacionais. Na visão de Sharkey, seria preciso criar uma Convenção de Genebra — que hoje versa sobre soldados em batalha — apenas para os robôs. Opinião similar tem Paul Scharre, diretor do programa de segurança nacional do think-tank CNA. “Além de um tratado, a comunidade internacional pode rejeitar armas autônomas por completo, como aconteceu com as armas químicas”, diz.
Apesar de levantar preocupações justificadas, é preciso lembrar que tecnologias de guerra podem ser muito úteis em tempos de paz. “A Boston Dynamics, embora tenha surgido de aplicações militares, tem potencial para gerar benefícios para a sociedade em geral”, afirma Simon Watson, professor de robótica na Universidade de Manchester. “Os robôs podem ser usados para busca e resgate em áreas de desastre ou para inspeção de ambientes inacessíveis ou desafiadores.” De fato, um robô como o SpotMini, com seu braço mecânico, conseguiria, em tese, mover escombros ou fechar registros de usinas nucleares. Essa, por sinal, foi a motivação da Darpa para realizar um desafio de robótica em 2015. Após o acidente nuclear na usina japonesa de Fukushima, a agência percebeu que era preciso contar com autômatos que conseguissem abrir uma porta, fechar uma grande válvula e ainda subir uma escada. O que se viu foram robôs tombando ao deparar com uma porta ou lentos para processar todas as informações necessárias para alcançar a maçaneta. Ao que tudo indica, continuaremos a nos surpreender com tarefas banais feitas por robôs nos próximos anos.
FONTE: Revista Exame