A decisão da presidente Dilma Rousseff, que na semana passada colocou um ponto final no impasse demais de uma década do governo sobre a compra de caças ao anunciar a escolha do sueco Gripen NG, vai ampliar a estrutura e encurtar os prazos da única empresa nacional envolvida desde praticamente o início do projeto.
Há cinco anos, quando o protótipo nórdico ainda parecia uma distante realidade para o Brasil, a Akaer, de São José dos Campos, já embarcava com seu portfólio de soluções em engenharia Aeronáutica para desenvolver a fuselagem assinada pela Saab. “É difícil precisar o que vai acontecer de agora em diante. Isso vai depender da negociação que será feita ao longo do próximo ano pelo governo brasileiro. Mas certamente o ritmo será mais intenso”, diz Fernando Ferraz, diretor de engenharia da empresa.
O calendário inicialmente estipulado pela Saab para entrega do primeiro avião em 2020 já foi deixado para trás quando a Suíça formalizou em setembro a intenção de aquisição de 22 unidades do caça em desenvolvimento. Com a injeção de recursos por parte do governo brasileiro — que deve gastar cerca de US$ 4,5 bilhões por 36 aeronaves—, o projeto naturalmente ganha fôlego para caminhar com maior velocidade.
Nada que atrapalhe a programação dentro da sigilosa sala que toca os projetos da Saab, onde é preciso vencer três barreiras de segurança, a última com leitor biométrico, dentro da Akaer. “Eu diria que nós nos preparamos durante todo esse tempo. Não tem pressão. Agora é o momento bom, de execução”, acrescenta Ferraz.
O primeiro voo do novo caça deve ser realizado até o fim do próximo ano, com outros dois anos de rigorosos testes. A produção das peças já começou. Esse avião-modelo será feito integralmente na Europa. Do primeiro contato com os atuais parceiros, em 2008, a empresa alocada na região central de São José dos Campos entrou em fase de adaptação para estar certificada com o ISO 27.001 e, assim, entrar no projeto.
Tal título é concedido às empresas que adotarem rígidas normas de segurança, monitoramento e controle de acesso, comum para bancos e instituições financeiras. “É um projeto na área de segurança, com elevado grau de sigilo. Nem mesmo estrangeiros podem entrar na equipe do Gripen. Somente brasileiros”, explica Kenzo Takatori, diretor de relações da empresa.
Com um link direto de comunicação com a Suécia, os atuais 37 engenheiros (equipe que será expandida anualmente) trocam informações e compartilham modelos tridimensionais da fuselagem central, traseira, asas, portas e trem de pouso, as partes que hoje estão sob responsabilidade da Akaer. Tal modo de operação foi estabelecido há quatro anos, depois que todos os engenheiros retornaram de um intercâmbio de três meses na região de Linköping,onde é desenvolvido o caça, no sul da Suécia.
“No fim do primeiro semestre de 2009, eles enviaram um request, um pedido sobre como seria ofertada a fabricação. Não temos fabricação própria, então montamos um consórcio no qual temos a liderança”, detalha Ferraz. Parceiras da Embraer, empresas como Inbra-Aerospace, de Mauá (SP), Magnaghi Friuli e Winnstal, estas duas de São José dos Campos, com expertise em execução de projetos e tecnologia de materiais, fazem parte do grupo.
A decisão sobre onde a produção da fuselagem vai ocorrer ainda está em aberto. É então que a entrada do governo brasileiro pode abrir caminho para a Akaer. “São Bernardo do Campo é uma possibilidade. É onde o governo indica que fará a montagem”. A relação entre brasileiros e suecos ainda pode render boas divisas para a companhia do interior paulista.
Além das cifras contratuais, que são mantidas em sigilo, a Saab fez um empréstimo conversível de até 15% do controle acionário da Akaer. O prazo de carência, para que essa opção seja exercida, é 2015. Um acordo ainda prevê que a participação dos suecos chegue a 40%da companhia. Todo o restante da empresa segue nas mãos de seu fundador, o engenheiro ex-Embraer Cesar Silva, que fundou a Akaer em 1992.
O vai-e-vem acionário, no entanto, pode acontecer de outra maneira, segundo Fernando Ferraz. Dependendo do que for acordado para a futura unidade fabril, a Saab e Akaer poderiam liderar uma joint venture. O executivo, por fim, é taxativo quando questionado se sabia de decisão do governo pelos suecos.
“Se você encontrasse alguém que dissesse que sabia o que estava acontecendo, você podia dizer que conhecia um mentiroso. Nunca vi um programa com tanta gente garantindo que sabia e que era a favor desse ou daquele projeto. Desde 2009, ouvi todas as versões e histórias possíveis. Brinco que só vou acreditar em tudo isso seis meses após a assinatura do contrato”.
Embraer será beneficiada, mas atraso na escolha gerou perdas
A diferença fundamental entre a série Gripen e seus concorrentes está na maneira como os projetos suecos são concebidos. “Eles usam o que chamam de COTS, que são equipamentos de prateleira, soluções já implementadas em outros modelos e melhoradas no atual”, explica Fernando Ferraz.
A proposta, que reduz consideravelmente o custo, é o oposto da maioria das soluções embarcadas nos caças americanos ou franceses, onde são desenvolvidas novas soluções de acordo como atual projeto. “Isso não quer dizer que um é melhor do que o outro. O que é possível concluir é que essa maneira de pensar dos suecos traz uma maior confiabilidade, uma vez que já foi utilizada em maior escala”.
Esses recursos, como radares ou sistemas de comunicação, poderão ser personalizados, transformados, retirados ou substituídos por outras soluções aqui no Brasil, de acordo o modelo de transferência de tecnologia previsto. E quem será a principal beneficiária é a Embraer, responsável pela integração dos sistemas.
“Eu diria que esse é o filé mignon. E ela faz isso com excelência. O maior desafio para esse projeto é a falta de espaço. A quantidade de equipamentos que devem ser embarcados na aeronave e a falta de espaço formam um cenário desafiador para qualquer engenheiro”, considera Ferraz.
O tempo de espera do governo brasileiro para a tomada de decisão, segundo o executivo da Akaer, fez com que o país deixasse de participar de importantes estágios no desenvolvimento do projeto. No entanto, ainda é possível recuperar o tempo perdido. “Se a gente considerar o Brasil de uma maneira geral, tivemos algumas perdas.
Se a decisão tivesse sido tomada há dois anos, a gente teria participado mais. Essa perda acontece porque o projeto já andou. Mas ainda é possível. Estamos muito próximo do linear. Se fosse adiado para mais um ano, a participação do Brasil seria consideravelmente menor. O país entrou em um momento-chave”.
Fonte: Brasil Econômico