Coluna Paulo Fagundes Visentini
O gigante Brasil (8,5 milhões de km²), para o bem ou para o mal, está distante, geograficamente, dos grandes mercados e conflitos. Talvez por isso carece de um pensamento estratégico e deixa para amanhã o que deveria ter sido feito ontem. O país se dá ao luxo de ser inconsequente, porque está longe dos grandes problemas e da dura concorrência que afeta outras nações.
Está ou estava? Sim, porque já não se encontra mais tão distante das disputas globais. O Atlântico Sul, para muitos, é apenas a nossa grande praia de 7,5 mil quilômetros, um “Oceano tranquilo”. Poucos lembram da Guerra das Malvinas, mas, mesmo assim, o planeta se tornou uma “aldeia global” e o Atlântico Sul agora é uma região estratégica na geopolítica mundial.
Do lado brasileiro, nossa Amazônia Azul (expressão cunhada pela Marinha), com uma superfície de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, contém gigantescas reservas de petróleo do pré-sal, e novos lençóis foram descobertos no litoral argentino, próximo às Malvinas. Do lado africano, a faixa de petróleo explorável do Golfo da Guiné se expande sem cessar. Mas também há reservas de gás, minérios raros e pesca abundante. E ambas margens tiveram grande crescimento econômico nas últimas décadas, com mercados consumidores gerando fluxos transatlânticos. E o tráfego marítimo de cargas, que apenas o cruza ligando outros continentes, conheceu notável expansão.
A competição econômico-estratégica global entre Estados Unidos e China encontrou um ponto nevrálgico no Atlântico Sul. Os EUA estão se desengajando do incontrolável e oneroso Oriente Médio e encontram aqui o petróleo de que necessitam, numa região sem ameaças e com custo de transporte muito baixo pela proximidade. As compras americanas criarão reciprocidades econômicas e políticas na região, daí a retomada das relações com a América do Sul e com a África.
Isso pode ser vantajoso para o Brasil, se tiver uma visão estratégica, pois o mapa mostra ilhas britânicas espalhadas pelo centro do Oceano, com vasta zona exclusiva e há projetos de fora da região visando “securitizá-lo” contra supostas ameaças. Se o Brasil não levar a sério a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (criada com nações das duas margens em 1986 e legitimada pela ONU), nem construir uma defesa naval moderna, a riqueza da Amazônia Azul pode mudar de mãos e o Oceano pode deixar de ser tranquilo. Não há mais espaços vazios no mapa.
Paulo Fagundes Visentini é historiador, professor titular de Relações Internacionais da Ufrgs.
FONTE: Zero Hora