Forças do JSOC (Comando Conjunto de Operações Especiais), o Comando de Operações Especiais dos EUA, realizaram em Barisha, província de Idlib, Síria, na noite de 26 a 27 de outubro de 2019, uma operação visando capturar ou matar Abu Bakr al-Baghdadi, então líder do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL).
A operação foi chamada oficialmente de “Kayla Mueller”, que era o nome de uma jovem humanitária norte-americana de 26 anos sequestrada em 2013 pelo Estado Islâmico, detida e estuprada pelo próprio Abu Bakr al-Baghdadi, segundo várias fontes, antes de ser morta em 2015.
Oito helicópteros no total, alguns MH-47 Chinooks pertencentes ao 160º Regimento de Aviação de Operações Especiais – 160 SOAR, apoiados por helicópteros de ataque AH-64 Apache, decolaram de uma base militar em Erbil, capital do Curdistão iraquiano, para o cumprimento desta missão.
Fontes militares falam de um vôo de setenta minutos, mas isso é improvável: Erbil fica a 650 km da pequena cidade de Barisha, no nordeste da Síria, e um Chinook leva mais de duas horas para para atravessar essa distância.
Eles voaram – pelo menos na fase final – por um trecho de espaço aéreo sírio controlado de fato pela Força Aérea Russa, que foi previamente advertida como parte das medidas defensivas. Na verdade os EUA movimentaram helicópteros, aviões e drones através de espaços aéreos controlados pelos russos e turcos, com as devidas autorizações.
A bordo dos grandes helicópteros bimotores com dois rotores em tandem, estavam os homens encarregados da missão. Mas, diferentemente da operação contra Bin Laden em Maio de 2011, não eram Seals da Marinha dos EUA, mas homens do Exército dos EUA pertencentes ao Esquadrão “A” da Delta Force e homens da Regimental Reconnaissance Company, do 75th Ranger Regiment. Existem informações de que operadores do 22 SAS britânico também estavam presentes.
É importante destacar que o ataque foi lançado com base no esforço de inteligência da Divisão de Atividades Especiais da CIA (o braço paramilitar desta agência) que localizou com exatidão o líder do ISIL através de várias e intrigadas conexões de inteligência, usando espiões, informantes, agentes duplos, etc.
Os operadores da Delta Force estavam armados com fuzis de assalto HK416 calibre 5.56 × 45mm OTAN e pistolas Glock 9mm. Além de granadas e uma parafernalha de equipamentos.
A operação foi planejada e comandada pelo Tenente-General Scott Howell (USAF) comandante do Comando de Operações Especiais dos EUA.
A força de ataque tinha entre 70-100 homens no total. Com eles, como aconteceu durante a ação contra Bin Laden no Paquistão em 2011, estavam intérpretes e adestradores de cães de combate.
Antes de atingir seu alvo, uma casa isolada perto de outras duas, as aeronaves foram alvo de disparos vindos do chão e os helicópteros de ataque Apache foram acionados.
No solo os Rangers estabeleceram perímetros defensivos e os Deltas explodiram uma das paredes da casa alvo dentro do complexo. Segundo os especialistas esse é um “arrombamento quente” e tem por objetivo evitar as armadilhas explosivas, que poderiam ter sido instaladas nas portas e janelas.
Houve um tiroteio, os operadores da Delta Force procuravam al-Baghdadi pela casa: ele fugiu de casa por um túnel com três dos seus filhos pequenos. Um dos cães dos JSOC o perseguiu pelo túnel a dentro e, vendo-se encurralado, o “califa” do Estado Islâmico detonou seu cinto de explosivos, matando também as três crianças que o seguiam e ferindo o cachorro do JSOC. O cachorro é um pastor belga malinois, raça de cães ágeis e inteligentes, comum entre os animais adestrados pelas forças especiais dos EUA. Seu nome é Conan, e já se recuperou dos ferimentos leves. Cairo, o cão que participou do ataque que matou Osama bin Laden em 2011, era da mesma raça. O preço de um cão deste totalmente adestrado pode chegar, de acordo com a Bloomberg, aos 283.000 dólares (1,13 milhão de reais).
O Malinois belga é a raça de escolha para muitas unidades das forças especiais. Esses cães atarracados são essencialmente uma versão menor de um pastor alemão, tornando-os ideais para saltar de paraquedas e descer de rapel rapidamente de um helicóptero. A pelagem mais curta também é adequada para ambientes quentes como o Iraque ou o Afeganistão. A raça tem sido tão proeminente nas guerras recentes que o Memorial do Cão da Força de Operações Especiais em Fayetteville, Carolina do Norte, EUA, apresenta uma estátua de bronze de um Malinois belga.
No combate foram mortos vários guarda-costas, o proprietário da casa e duas mulheres do líder do ISIL quando tentavam usar seus cintos explosivos, que felizmente não explodiram.
Para entender a cena, deve-se ter em mente que esse combate aconteceu no escuro, graças aos óculos de visão noturna, e que as armas dos Deltas estavam equipadas com silenciadores.
O filme A Hora Mais Escura (2012), que mostra a operação que matou Bin Laden, dá uma idéia bastante precisa da realidade de tal ação.
As forças do JSOC permaneceram cerca de duas horas no local, coletando informações e colhendo amostras dos restos mortais de al-Baghdadi. Os serviços americanos de inteligência conheciam o seu DNA, provavelmente desde sua detenção no Iraque, antes do criação do Daesh.
O Washington Post informou que, de acordo com uma autoridade americana anônima, um militante do ISIL se tornou informante para os curdos e havia fornecido informações críticas sobre a localização do alvo. O informante estava dentro do círculo interno de Baghda como consultor de segurança, e havia fornecido um layout detalhado do complexo e esteve no local durante a operação, após a qual ele partiu com as forças americanas. Dias antes ele havia roubado as roupas íntimas de Baghdadi e uma amostra do sangue de Baghdadi, que foi fornecido à inteligência dos EUA para análise de DNA e resultou em uma identificação positiva.
Não sabemos o que as forças especiais americanas fizeram com o corpo. O corpo de Bin Laden tinha sido levado de volta ao Afeganistão antes de ser transferido para uma embarcação da US Navy no Oceano Índico para ser “enterrado” entre os tubarões. Baghdadi foi enterrado no mar e recebeu ritos islâmicos, disseram três autoridades anônimas dos EUA à Reuters e uma fonte do Pentágono à AFP.
Nenhum militar americano foi morto, mas dois deles foram feridos sem maiores gravidades.
Com toda certeza, a missão da Delta Force não era capturar Abu Bakr al-Baghdadi para julgá-lo, mas “neutralizá-lo”, ou seja, matá-lo, caso contrário um ataque aéreo poderia ter sido ordenado, mas, além do fato de civis (incluindo pelo menos uma dúzia de crianças) terem sido mortos, a identificação do corpo de al-Baghdadi seria quase impossível. Além disso, capturar um homem como al-Baghdadi vivo provavelmente não era algo realista.
De acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR), a Delta Force matou nove pessoas, incluindo uma criança, duas mulheres e alguns líderes de alto escalão do ISIL. Os Estados Unidos capturaram dois militantes e onze crianças. Os atacantes mataram também um comandante local do grupo jihadista Tanzim Hurras al-Din (Guardiões da Religião).
Após a partida dos operadores do JSOC, a Força Aérea americana realizou um ataque no local (provavelmente com drones) destruindo completamente a casa em que o antigo califa se refugiara temporariamente.
Muitas incógnitas permanecem – e sem dúvida por muito tempo ainda – sobre quem deu a localização de al-Baghdadi. Atores regionais como os curdos do Iraque, o governo iraquiano, como também a Turquia tinham interesses em destacar a ajuda que deram à CIA na localização exata de al-Baghdadi.
Antes dessa operação tinham sido feitas pelo menos outras três tentativas de apanhar al-Baghdadi, todas acabaram por ser canceladas em cima da hora. Segundo o presidente dos EUA, Donald Trump, essas tentativas foram canceladas porque Baghdadi, que estava sob vigilância há vários anos, mudava de esconderijo constantemente.
Quando a poeira baixar, veremos (talvez) mais claramente quem fez o quê e como. Mas, por enquanto, uma coisa é certa: Donald Trump mantém sua vitória simbólica na Síria, joga bem para o público interno nos EUA e o Estado Islâmico – que ainda não reconheceu a morte de seu líder – sofreu um duro golpe.