Por Michael Schwirtz, The New York Times
Autoridades ocidentais há muito se preocupam com a chamada frota clandestina de Moscou, um conjunto de petroleiros antigos criados para transportar secretamente petróleo bruto russo ao redor do mundo. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a preocupação dizia respeito principalmente ao uso de tais navios não oficiais para contornar sanções ocidentais e gerar receita para abastecer a máquina de guerra do Kremlin. Mas talvez a frota clandestina da Rússia represente agora um perigo mais urgente para o Ocidente.
Na semana passada, forças de elite finlandesas abordaram um petroleiro que as autoridades suspeitaram ter rompi dos cabos submarinos problemáticos no Mar Báltico, incluindo um de eletricidade entre a Finlândia e a Estónia. O navio, Eagle S, tem todas as características de embarques pertencentes à frota clandestina da Rússia e embarcou em um porto russo pouco antes de os cabos serem cortados.
Se confirmado, seria o primeiro caso conhecido de uma embarcação da frota clandestina sendo usada para sabotar intencionalmente a infraestrutura essencial da Europa e, de acordo com autoridades e especialistas, uma clara escalada da Rússia em seu conflito com o Ocidente.
“Sabemos da frota clandestina da Rússia operando em nossa área, e sabemos que Moscou está sistematicamente conduzindo uma guerra híbrida contra seus países vizinhos da Otan/UE”, disse Lauri Läänemets, ministro do Interior da Estônia. “É hora de abandonar as ilusões e encarar a realidade.”
No dia 27, vários países da região anunciaram a mobilização de recursos adicionais da Marinha e da Guarda Costeira para reforçar a segurança. O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, respondendo a solicitações dos líderes da Finlândia e da Estônia, ambos países membros, disse que a Aliança Atlântica “aumentaria” sua presença militar no Mar Báltico.
Solução
Para o Kremlin, a criação de uma frota clandestina ofereceu uma solução para o problema de financiamento de sua guerra na Ucrânia. Depois que o presidente Vladimir Putin ordenou a invasão, em fevereiro de 2022, os países ocidentais começaram a impor sanções destinadas a estrangular a economia russa e cortar seu acesso aos fundos necessários para manter o Exército do país em movimento.
O petróleo é um pilar da economia da Rússia, e um alvo importante das sanções do setor de energia do país. Mas, em vez de um embargo total, que as autoridades temiam causar um aumento global nos preços, os EUA e seus aliados ocidentais impuseram limites de preço de US$ 60 por barril em todo o petróleo e derivados originários da Rússia e transportados por mar, um desconto significativo em relação ao preço de mercado.
Recurso
A ideia de criar uma frota paralela para contornar as sanções não é nova. O esquema tem sido usado há muito tempo por párias globais como Irã e Coreia do Norte, bem como cartéis de drogas, disse Elisabeth Braw, pesquisadora sênior do Atlantic Council que investigou e escreveu sobre frotas paralelas. A inovação da Rússia, disse Braw, em uma entrevista, foi de escala. Desde que a Rússia começou a montar sua frota, o número de navios clandestinos cruzando os oceanos cresceu e agora representa 17% da frota global total de petroleiros.
“Isso parece um tumor. Quando era uma pequena parcela, podia ser administrado, mas agora que está se aproximando de 20%, é muito menos administrável e, obviamente, está crescendo”, disse ela.
Quase 70% do petróleo da Rússia está sendo transportado por navios clandestinos, de acordo com uma análise publicada em outubro pelo Instituto da Escola de Economia de Kiev, uma organização, de pesquisa com sede na Ucrânia. Alguns especialistas estimam o número total de navios clandestinos da Rússia em mais de mil, embora significativamente menos sejam usados pela Rússia para contornar regularmente as sanções, descobriu a análise do instituto.
As autoridades na Finlândia ainda estão investigando se o Eagle S se envolveu em um ato criminoso. Mas o tamanho da frota clandestina pode ter tornado o uso de alguns desses navios para sabotagem irresistível para a Rússia, disse Braw. “Em algum momento, a Rússia percebeu: “Temos todos esses navios que estamos usando; podemos muito bem usar alguns deles para causar um pouco mais de dano.”
Embora ainda não haja certeza de que o corte de cabos da semana passada seja um feito intencional, o Mar Báltico, por uma série de razões, é uma arena ideal para realizar operações de sabotagem. É relativamente raso e é atravessado por cabos e oleodutos submarinos essenciais que fornecem energia, bem como por serviços de internet e telefone, para vários países europeus membros da OTAN. A Rússia tem acesso relativamente irrestrito ao mar a partir de vários portos, e seus navios comerciais, protegidos pela lei marítima internacional, podem se mover em águas internacionais em grande parte sem serem incomodados.
Arena
Mesmo antes de os cabos serem cortados, estava claro que o Mar Báltico estava se tornando uma arena importante em uma competição cada vez mais intensa entre o Ocidente e a Rússia. Desde o início da guerra na Ucrânia, a Otan, que o Kremlin considera seu principal inimigo, foi ampliada com dois novos membros, Suécia e Finlândia, ambas potências bálticas significativas.
Os jatos da Otan na região são frequentemente acionados para responder a aeronaves militares russas e, a cada outono, os países da aliança ocidental realizam grandes exercícios navais chamados Freezing Winds, direcionados principalmente contra uma ameaça russa. Meses após o início da guerra na Ucrânia, explosões destruíram várias seções do gasoduto Nord Stream abaixo do Báltico, cortando a Europa Ocidental das entregas de gás natural russo. Os serviços de inteligència dos EUA avaliaram que um grupo pró-Ucrânia realizou o ataque, mas escassos e detalhes estão disponíveis ao público.
Resposta
No ano passado, um navio registrado em Hong Kong, Newnew Polar Bear, lançou sua âncora e cortou um gasoduto entre a Finlândia e a Estônia. Esse navio foi autorizado a navegar em águas internacionais antes que as autoridades pudessem investigar o episódio. As autoridades responderam de forma mais agressiva no mês passado, parando um navio de bandeira chinesa chamado Yi Peng 3, mantendo-o ancorado por quase um mês e, finalmente, abordando-o após dois cabos de fibra ótica no Mar Báltico terem sido cortados.
Com o Eagle S, a resposta foi ainda mais agressiva. Horas depois do operador da rede elétrica da Finlândia ter alertado a polícia de que um cabo de energia submarino tinha sido danificado na quarta-feira, oficiais finlandeses desceram de helicóptero até o convés do navio e tomaram a ponte, impedindo que o navio navegasse adiante. Na sexta-feira, ele permaneceu ancorado no Golfo da Finlândia, protegido por um navio de guerra das Forças de Defesa Finlandesas e um navio de patrulha da Guarda de Fronteira.
Uma razão para a intensidade da resposta pode ser o fato de o navio se encaixar muito bem nas características de um navio clandestino russo. O petroleiro de 70 mil toneladas mudou de proprietário e administradora nos dois anos mais recentes e não tem os tipos de seguro que os petroleiros geralmente têm, todos os principais indicadores de um navio clandestino, disse Yuliia Pavytska, gerente do programa de sanções do Instituto de Economia da Escola de Kiev, que trabalha com autoridades ocidentais para identificar e impor sanções a navios clandestinos russos.
O navio também tem bandeira das Ilhas Cook, que são bem conhecidas por sua supervisão frouxa. Uma inspeção do Eagle S em Gana, em setembro de 2023, descobriu 24 defeitos, incluindo problemas com sistemas de segurança contra incêndio e navegação, um número surpreendente, disse Pavytska.
“É uma espécie de recorde”, disse ela. “Não consigo lembrar se vimos mais problemas identificados do que isso”.
FONTE: Estado de São Paulo
TRADUÇÃO: Augusto Calil