MOSCOU – Pressionado pelo Ocidente, o presidente russo, Vladimir Putin, rompeu o silêncio que vinha mantendo desde a queda do aliado ucraniano Viktor Yanukovich e saiu em defesa de uma possível intervenção militar na Ucrânia, embora ele negue que, ao contrário de todos os indícios, tropas russas já estejam na península ucraniana da Crimeia.
Ontem, Putin convocou a imprensa em Moscou para uma entrevista coletiva transmitida ao vivo na TV russa na qual garantiu, porém, que, por enquanto, vê uma invasão à Ucrânia como “último recurso”.
“Não vamos entrar em guerra com o povo ucraniano. Se tomarmos uma decisão, será apenas para proteger o povo ucraniano”, disse Putin, que recebeu autorização do Parlamento russo para proteger russos étnicos na Ucrânia.
Enquanto Estados Unidos e países europeus, defensores do novo governo ucraniano, demonstram dificuldades em chegar a um acordo sobre como lidar com a Rússia, aliada do governo deposto em Kiev, Moscou já começou e terminou exercícios militares russos na fronteira com a Ucrânia e, segundo relatos do governo ucraniano e de jornalistas, teria enviado milhares de soldados à península da Crimeia, no Sul da Ucrânia, atual epicentro da crise na ex-república soviética.
Ontem, em Sebastopol, militares supostamente russos atiraram para o alto quando uma unidade ucraniana desarmada tentou chegar à base aérea de Belbek, tomada pelo grupo.
Putin negou que a Rússia tenha enviado homens para a Crimeia. Segundo ele, o que há na península são “forças bem treinadas de autodefesa”. Durante visita a Kiev ontem, o secretário de Estado americano, John Kerry, pareceu incrédulo quando soube do comentário por jornalistas.
“Ele realmente negou que há tropas na Crimeia?”,disse balançando a cabeça.
Segundo Kerry, a Rússia busca “pretexto para uma invasão”. O presidente americano, Barack Obama, disse reconhecer que Moscou tem interesses legítimos na Ucrânia, mas afirmou que isso não dá o direito de intervenção militar.
O presidente Putin parece ter uma equipe diferente de advogados elaborando diferentes interpretações (ao garantir que uma ação militar russa na Ucrânia seria legítima), disse Obama. Mas não acho que ele esteja enganando ninguém.
Kerry levou ao governo ucraniano a proposta de um empréstimo de US$ 1 bilhão ao país, além de ajuda técnica, para um socorro imediato à economia do país. Em novembro, os protestos que levaram à queda do presidente Viktor Yanukovich começaram quando a Ucrânia aceitou o compromisso da Rússia de comprar US$ 15 bilhões em títulos e dar desconto no gás vendido ao vizinho em vez de assinar um acordo comercial com a União Europeia.
KIEV FAZ PRIMEIRO CONTATO COM MOSCOU
Em contraste com o tiroteio verbal e a tensão na Crimeia, (segundo o governo local, mais de 5.500 militares ucranianos juraram lealdade ao governo autônomo da península), o premier da Ucrânia, Arseniy Yatseniuk, informou que já estão sendo feitos contatos em nível ministerial com a Rússia, mas não deu detalhes sobre as conversas. Kiev também solicitou à Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), da qual Ucrânia, Rússia e EUA fazem parte, o envio de uma missão de observadores à Crimeia, numa aparente tentativa de dissipar a pressão russa na região.
O envio da missão da OSCE surge como a primeira medida prática para conter as pretensões russas por parte dos EUA e aliados europeus, até agora adeptos de um misto de propostas de diálogo e ameaças de retaliações.
Hoje, representantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Rússia se reunirão; por outro lado, as potências do G-7 (as sete nações mais industrializadas do mundo) já discutem, segundo o governo do Canadá, a realização de uma reunião, voltando ao que o grupo era antes de 1998 – quando tornou-se G-8 com a adição da Rússia. No domingo, os países do G-7 (EUA, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália, França e Canadá) suspenderam os preparativos para o encontro do G-8 em junho no balneário russo de Sochi.
A imposição de sanções continua sendo um ponto de difícil acordo entre os EUA e seus parceiros europeus, altamente dependentes do gás fornecido pela Rússia. A UE fará amanhã uma reunião de emergência em Bruxelas para decidir sobre o assunto. Um documento secreto do Reino Unido obtido pelo jornal “Guardian” mostra que o país está disposto a defender na UE suspensão de vistos e viagens para funcionários de Moscou, mas não quer fechar o centro financeiro de Londres para os russos e nem aprovar sanções comerciais. Caso este seja o tom da decisão do bloco europeu, a recepção não deverá ser boa do outro lado do Atlântico.
“Sanções unilaterais dos EUA não terão muito efeito se a Europa continuar sendo um paraíso para bancos e oligarcas russos”, reclamou o senador democrata Chris Murphy.
FONTE: O Globo