Tente não piscar

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Com a China se afirmando como potência naval e aérea e os Estados Unidos reagindo, crescem os riscos de confronto

As autoridades americanas estão perdendo a paciência com a China. Em 22 de maio, o vice-presidente Joe Biden foi bastante franco ao falar a formandos do colégio naval dos Estados Unidos sobre novos pontos de divergência entre as duas superpotências. Os chineses, afirmou ele, ameaçam a liberdade de navegação no Mar do Sul da China com as obras que vêm realizando em “grande escala” em recifes sobre os quais outros países também reivindicam soberania.

Dois dias antes, os EUA haviam dado sinais de sua irritação ao usar uma aeronave espiã para sobrevoar uma área próxima a um dos recifes em que os chineses estão construindo uma pista de pouso. Voos secretos são comuns, mas esse foi diferente. No avião estava também uma equipe da CNN, que transmitiu a seus espectadores a mensagem enviada por rádio, em inglês e em tom irado, pela Marinha chinesa: “Afaste-se imediatamente, a fim de evitar mal-entendidos”.

Autoridades e órgãos estatais de imprensa chineses reagiram com exasperação à ofensiva retórica dos EUA (reforçada pelas cenas dramáticas, filmadas pela CNN, mostrando dragas chinesas aspirando areia do fundo do mar para lançá-la sobre o Fiery Cross Reef, a fim de transformar essa formação rochosa numa ilha artificial). Em 25 de maio, uma porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China exigiu aos EUA que parassem com seus “atos de provocação”. O jornal estatal Global Times, conhecido por veicular os pontos de vista da linha-dura chinesa, disse que se os EUA não parassem de reclamar das obras, a guerra seria “inevitável”. Um dia antes, o Diário do Povo, principal órgão de imprensa do Partido Comunista, advertira os americanos de que quem “fere os outros” corre o risco de “ferir a si próprio”.

Felizmente, até o momento, a animosidade verbal não foi seguida de ações militares precipitadas. Os dois lados se mostram preocupados em evitar um confronto. Mas, a fim de marcar posição, os americanos têm cogitado movimentos que a China pode considerar hostis. Os voos de espionagem, assim como missões similares conduzidas por navios americanos, até agora se mantiveram a 12 milhas náuticas (22 quilômetros) de distância dos recifes monitorados. Essa seria a extensão máxima da área de soberania da China, se os recifes fossem ilhas (isto é, se permanecessem fora da água de forma permanente) e se fossem de fato chineses. Agora o Pentágono considera “cutucar” esse limite. Faz tempo que os chineses reivindicam a posse da maioria dos recifes e ilhas do Mar do Sul da China, além de sustentar, em termos vagos, seu direito à maior parte desse mar. Outros países da região questionam tais pretensões (tanto o Vietnã, quanto as Filipinas reclamam para si a posse do Fiery Cross Reef).

Os americanos não pretendem se posicionar em relação às questões de soberania, mas dizem que as divergências devem ser resolvidas de forma pacífica e sem afetar a liberdade de navegação. As advertências da China aos aviões espiões dos EUA indicam que o país já tenta impor restrições ao tráfego militar. Apesar de os americanos darem cada vez mais publicidade a seus protestos, não se observam mudanças no ritmo frenético das obras que os chineses vêm conduzindo em diversos recifes. No dia 26, o Ministério de Defesa da China divulgou um documento sobre estratégias militares. O material diz que o país precisa constituir uma “força naval moderna” a fim de proteger os “direitos e interesses da China”, inclusive no que se refere ao Mar do Sul da China. No dia seguinte, Ash Carter, secretário de Defesa dos EUA, disse que as ações da China na região mostram que o país está em descompasso com as “normas internacionais subjacentes à arquitetura de segurança do Pacífico asiático”. Os EUA e os vizinhos da China receiam que os chineses acabem declarando uma Zona de Identificação de Defesa Aérea (Adiz, na sigla em inglês) sobre o Mar do Sul da China – exigindo que todas as aeronaves que queiram ingressar na área se identifiquem junto a suas autoridades. Em novembro de 2013, os chineses deixaram a região em estado de alerta ao estabelecer sobre o Mar do Leste da China uma Adiz que abrangia ilhas reivindicadas pelo Japão.

A declaração afirmava que as Forças Armadas chinesas tinham o direito de adotar “ações defensivas de emergência” contra os que violassem a medida. Mais do que depressa, os EUA despacharam para a região dois bombardeiros B-52 desarmados, que atravessaram a Adiz sem notificar a China. Alguns especialistas chineses acreditam ser improvável que a China declare uma Adiz sobre o Mar do Sul da China tão cedo, pois seria ainda mais difícil garantir sua observância numa área tão extensa. Mas, no dia 26, um integrante do Ministério das Relações Exteriores da China disse que a decisão de estabelecer a Adiz dependerá, em parte, de uma avaliação que estabeleça “se e em que medida, a segurança do espaço aéreo está sendo ameaçada” – uma clara advertência aos americanos. Acadêmicos chineses dizem que pode ser perigoso pôr a determinação da China à prova. A aproximação de um navio da Marinha americana dos recifes “pode muito bem forçar Pequim a reagir de forma mais enérgica”, diz Zhu Feng, do Centro Chinês de Estudos Colaborativos sobre o Mar do Sul da China, da Universidade de Nanquim. Nenhum líder chinês, diz ele, quer ser visto como “frouxo”.

O problema é que os americanos também não querem ser vistos assim. Para eles é um alívio que os vizinhos da China estejam começando a adotar um tom mais duro ao tratar do problema. Em abril, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês), cujos dez membros normalmente se preocupam em não melindrar os chineses, declarou que a construção de ilhas artificiais era uma ameaça à “paz, segurança e estabilidade” da região. Os países da Asean veem com bons olhos a presença militar dos EUA. Mas, a portas fechadas, pedem aos americanos que evitem uma escalada nas tensões. Nenhum país asiático quer ser obrigado a fazer uma escolha clara entre apoiar os EUA ou apoiar a China. Para os EUA, vai ser difícil ficar de fora dessa discussão.

FONTE: Estadão

TRADUÇÃO: Alexandre Hubner – Original em inglês no The Economist

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