Por HUSSEIN KALOUT
O descontentamento saudita e a tensão entre Riad e Teerã ficaram ainda mais evidentes após a inclusão do Irã, por EUA e Rússia, nas negociações de Viena com vistas a solucionar a crise síria. Além disso, o fracasso saudita em sua guerra ao Iêmen golpeou duramente a política externa do reino, sobretudo ante a opinião pública do mundo árabe.
Contudo, o estopim desse embate possui contornos mais sensíveis. Não se pode supor que no cálculo político do reino saudita fosse ignorado que a execução do aiatolá Nimr al-Nimr, principal figura religiosa do xiismo na Arábia Saudita, traria uma espiral de violência e consequências políticas.
O ato foi proposital e tinha duas motivações:
1) alterar a natureza do embate de geopolítico para um conflito de corte sectário;
2) provocar uma escalada que pudesse resultar no isolamento do Irã. O substrato dessa decisão política mostra que a monarquia saudita estava disposta a pagar o preço da escalada, já que seu propósito principal era impelir os países árabes de maioria sunita a se alinharem à sua política.
A segunda aposta saudita é inviabilizar a participação iraniana nas próximas rodadas de negociações sobre o futuro da Síria. A tensão em si já criou barreiras para qualquer avanço concreto.
A maior esperança saudita, porém, é em uma virada política nos EUA (a favor da oposição republicana) para que haja revisão da política externa do país para o Irã. Enquanto isso não ocorre, Riad mantém elevada a pressão sobre o governo Obama na tentativa de lograr quaisquer concessões que estanquem o avanço iraniano dentro e fora do Oriente Médio.
Na verdade, a diplomacia saudita vem colecionando derrotas maciças no campo estratégico e cometendo erros estruturais no processo decisório da política externa, o que mina sua capacidade de sair das próprias amarras. É perceptível um desajuste ao modelo e ao padrão estratégico das regras do jogo de quem aspira atuar na macro geopolítica do Oriente Médio e liderar os mundos árabe e muçulmano.
Decisões em política externa não podem ser, sobretudo, impulsivas e não calculadas. Por sua vez, os iranianos sabem que diplomacia é jogo de paciência e observação. O movimento saudita tende a gerar mais prejuízos ao reino do que à república islâmica. O Iêmen, por exemplo, não seria para Teerã, por ora, a principal cartada de retaliação, já que os sauditas estão derretendo no conflito.
Uma eventual intervenção iraniana no Iêmen seria escalonada e não necessariamente focada em vencer, mas em desgastar os recursos econômicos e militares sauditas. A opção legítima de retaliação à disposição seria, então, o fechamento ou o controle seletivo de passagem de navios pelo estreito de Hormuz.
EUA e Rússia passaram quase meio século em confrontação e chegaram diversas vezes ao fundo do poço na Guerra Fria, mas evitaram acima de tudo a amputação das relações diplomáticas, conseguindo criar na própria luta pelo poder mecanismos e regras mínimas de diálogo.
O conflito entre persas e sauditas, que estava contido no limiar da geopolítica, pode estar adentrando uma fase obscura de contorno sectário. Contudo, enquanto importantes países muçulmanos como Turquia, Egito e Paquistão não se moverem no mesmo sentido que os países periféricos, a Arábia Saudita não terá levado nada.
HUSSEIN KALOUT é cientista político e pesquisador da Universidade Harvard
FONTE: Folha de São Paulo