Por Breno Salvador
Além disso, escanteia os Estados Unidos, seu aliado na Otan, em favor de um alinhamento com a Rússia e com o próprio regime de Bashar al-Assad – a quem se opõe, mas cuja consolidação territorial na guerra civil será beneficiada com o enfraquecimento das forças paramilitares curdas essenciais para os americanos na guerra ao Estado Islâmico (EI).
Com a intensa campanha militar na região curda – batizada de “Ramo de Oliveira” e anunciada por Erdogan como necessária para proteger a fronteira – a Turquia já dominou três cidades em Afrin. A área é bastião das Unidades de Proteção do Povo (YPG), milícia curda inimiga de Ancara e apoiada por Washington no combate ao EI.
Ontem, o Exército turco lançou nova ofensiva a partir de Azaz, a leste, com centenas de tanques e apoio de milhares de rebeldes sírios aliados.
– Graças a Deus, sairemos vitoriosos desta operação – disse Erdogan no funeral de um soldado morto na ofensiva.
Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), a luta já deixou ao menos 84 mortos, entre civis e combatentes. Já a Turquia anunciou ter matado cerca de 260 soldados curdos e jihadistas do EI. Em resposta, as YPG convocaram “todos os filhos do povo para defender Afrin”.
MILÍCIA RETOMOU BASTIÕES JIHADISTAS
O Conselho de Segurança da ONU se reuniu para debater o tema, sem chegar a decisões concretas. A União Europeia apressou-se em demonstrar temor pela ofensiva turca. Os EUA, tradicionais aliados dos turcos, evitaram um choque frontal com Ancara. Ontem, o presidente Donald Trump agendou uma conversa telefônica com Erdogan para “expressar preocupação com a escalada militar e retórica”, mas não deixou de apontar o “direito turco de defender as fronteiras”.
– A violência em Afrin abala o que era uma zona relativamente estável da Síria – assinalou o secretário de Defesa, Jim Mattis. – Isto nos distrai dos esforços internacionais para garantir que derrotemos o EI.
Os ataques diretos às YPG, principal ator da coalizão antijihadista árabe-curda Forças Democráticas Sírias, confrontam abertamente Washington, que financiou os Fonte: al-Jazeera curdos na longa luta ao Estado Islâmico. De quebra, acontecem numa zona cujo espaço aéreo é controlado pela Rússia, maior antagonista dos EUA.
Apesar de Moscou negar ter dado anuência aos bombardeios, analistas dizem que os ataques jamais teriam ocorrido sem seu aval.
– A Rússia está controlando o ritmo da operação – afirmou o analista de segurança Metin Gurcan ao “New York Times”, destacando que altos funcionários da Defesa turca visitaram Moscou um dia antes do início da campanha militar.
Sob a liderança das YPG, as Forças Democráticas Sírias retomaram a capital do autoproclamado califado do Estado Islâmico, Raqqa. Ontem, a aliança antijihadista apelou a Washington para que “assuma suas responsabilidades”.
A Presidência turca afirmou que a operação “só acabará quando os 3,5 milhões de refugiados sírios que moram na Turquia possam voltar para casa em segurança”. Para especialistas, isto já parece alcançável, uma vez que Assad está em posição muito favorável na guerra após retomar bastiões opositores, derrotar várias frentes antirregime e ver o Estado Islâmico decair.
– Considerando o tácito aval da Rússia, Erdogan está claramente ajudando o regime de Assad a retomar a integridade territorial da Síria – disse ao GLOBO o cientista político Huseyin Sentürk.
‘DESAFIO PODE AJUDAR ERDOGAN’
Enquanto isso, o presidente turco proibiu protestos contra a ofensiva (alegando razões de segurança) e aumentou a repressão a internautas considerados pelo regime suspeitos de “propaganda terrorista”: mais de cem pessoas foram detidas desde segunda-feira. A Turquia acusa as YPG de serem o braço sírio do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), a quem combate há décadas para frear o separatismo curdo. Desde 2015, novos confrontos entre governo e curdos deixaram mais de 3.300 mortos no Sudeste turco.
Recentemente, Trump cedeu a Erdogan ao parar a entrega de armas aos curdos.
– Se Erdogan conseguirá alcançar a meta de suprimir os curdos sírios ou não, dependerá do quão agressiva será a operação na fronteira e do quão abertamente o PKK se unirá às YPG – avalia Sentürk.
A Turquia tem pressionado os EUA por mais recursos pelo uso da estratégica base aérea de Incirlik e tenta obter a extradição do clérigo Fethullah Gülen, acusado de comandar a tentativa de golpe em 2016.
– Erdogan tem eleições presidenciais em 2019, e por outro lado tem dificuldades com os EUA por apoiar um banqueiro acusado de quebra do embargo ao Irã – afirmou ao GLOBO o jornalista Kamil Ergin, editor do site “Voz da Turquia”. – Este desafio aos EUA pode ajudá-lo a negociar. Infelizmente, ele quer acender mais incêndios, em vez de apagar os existentes.
FONTE: O GLOBO