Tensão com regime norte-coreano iria além dos exercícios militares e da demonstração pública de hostilidade: relatório indica que americanos fizeram ciberataques bem-sucedidos contra mísseis norte-coreanos.
Uma queda de braço está ocorrendo no nordeste da Ásia. No dia 7 de março, pela segunda vez em um mês, a Coreia do Norte disparou mísseis sobre o mar do Japão, o que provocou nervosismo entre seus vizinhos e seus aliados ocidentais. Pyongyang aumentou a tensão ainda mais ao comentar que o lançamento recente foi parte de um exercício de ataque contra bases militares americanas no Japão.
O lançamento ocorreu apenas um dia depois de os EUA moverem um sistema de mísseis de defesa conhecido pela sigla THAAD para novas posições na Coreia do Sul. Na semana passada, militares dos EUA e da Coreia do Sul deram início ao que está sendo descrito como “o maior” exercício militar já efetuado em conjunto.
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse na quarta-feira (08/03) que ambos os lados estão caminhando para uma “colisão frontal”.
Mas por trás dessa demonstração pública de hostilidade encontra-se um sistema complexo de tecnologia da informação – um elemento estratégico menos visível, porém crucial, que os departamentos de defesa e os especialistas encaram cada vez mais como o futuro da guerra.
Um relatório publicado em 4 de março no jornal New York Times indica que o governo do ex-presidente Barack Obama fez uso efetivo de ataques cibernéticos em uma tentativa de interromper os testes norte-coreanos de mísseis.
O relatório surgiu após oito meses de investigação em arquivos do Departamento de Defesa dos EUA e documentos sobre defesa contra mísseis. A curiosidade dos jornalistas David Sanger e William Broad foi provocada depois que eles notaram que os mísseis de médio alcance da Coreia do Norte – chamados Musudan – que foram testados entre 2015 e 2016 estavam explodindo ou se desviando da trajetória. A taxa de insucesso das armas chegou a 88%.
Se os ciberataques americanos contribuíram para ou foram a razão por trás desses lançamentos fracassados, isso representaria um sucesso estratégico para os EUA na execução de um novo tipo de guerra. No entanto, é muito difícil confirmar independentemente a ligação entre os ataques cibernéticos dos EUA e os mísseis problemáticos.
“Nós nunca saberemos com certeza porque os mísseis norte-coreanos falham sozinhos sem qualquer ajuda externa”, diz James Lewis, especialista em segurança cibernética do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) e colaborador do think-tank 38 Norte. “Por outro lado, alguns dizem que os oficiais militares recentemente executados por Kim Jong-un foram mortos porque não conseguiram bloquear os ataques aos mísseis.”
Guerra cibernética na agenda
Independentemente de os EUA terem sabotado os mísseis norte-coreanos, a guerra cibernética parece claramente estar na agenda estratégica dos militares dos EUA. Washington tem, de fato, capacidade tecnológica de executar ataques cibernéticos.
O Relatório de Dissuasão Defensiva, divulgado pelo Departamento de Defesa dos EUA em fevereiro, fez recomendações que “aumentariam a confiança dos EUA e a incerteza do adversário” em áreas de defesa cibernética.
Entre as recomendações específicas do relatório, “selecionar ofensiva cibernética” e “selecionar ataques convencionais de longo alcance” foram identificados como prioridades na elaboração de uma política estratégica de cibersegurança.
Ainda é preciso esperar para ver se essas capacidades podem realmente ser expandidas para interromper continuamente o programa de mísseis da Coreia do Norte. Essa incerteza expõe a sensibilidade e vulnerabilidade das armas cibernéticas.
“Uma vez que você usar é tarde demais”, diz Lewis. “Se ainda fossem um segredo, essas armas seriam mais eficazes. Agora precisamos de outra coisa. A capacidade cibernética vai continuar a crescer já que é importante para qualquer força militar avançada ter uma capacidade cibernética. Só que o coelho já está fora da cartola.”
Riki Ellison, presidente da MDAA, uma consultoria sem fins lucrativos da área de defesa com sede nos EUA, diz que o novo governo dos EUA deve usar armas cibernéticas para perturbar a cadeias de produção de mísseis, mas que essa capacidade só vai ser explicitada quando as armas forem ativadas.
“Uma vez que você exponha sua capacidade cibernética na rede, você não consegue mais ser eficaz”, afirma Ellison.
E os mais prováveis adversários cibernéticos dos EUA – China e Rússia – certamente vão ficar atentos à eficácia do uso de armas cibernéticas dos EUA. Se ficar claro que os EUA estão usando com sucesso armas cibernéticas para perturbar sistemas de defesa convencionais, isso poderia desencadear uma corrida por esse tipo de arma.
“Ambos [China e da Rússia] estão muito preocupados com a possibilidade de os EUA sabotarem seus sistemas de armas”, afirma Lewis. “A resposta deles será fazer com que as redes sejam mais seguras. Eles não estão interessados em controle de armas. É uma nova frente de batalha em uma guerra invisível.”
O nível de sofisticação técnica necessária para causar a explosão ou a alteração de rota dos mísseis norte-coreanos seria uma clara indicação de que os EUA poderiam ter de alguma forma introduzido malwares no design dos mísseis Musudan. Ou ainda que o país tenha sido capaz de interromper remotamente o sistema de lançamento. Qualquer uma das opções representaria um grande avanço no uso da guerra cibernética.
Retaliação de Pyongyang?
Para a Coreia do Norte retaliar contra os hackers, seria necessário primeiro que eles confirmassem a invasão. De acordo com Ellison, da MDAA, mesmo com o apoio tecnológico dos chineses, a Coreia do Norte teria dificuldade em identificar um ataque cibernético em seus sistemas de mísseis. “Os sistemas da Coreia do Norte são antiquados e muitos não são interligados”, diz.
No entanto, a Coreia do Norte mostrou a capacidade no passado de realizar ataques cibernéticos e é considerada pelos EUA como uma ameaça cibernética internacional primária. A Coreia do Sul permanece digital e fisicamente o principal alvo do Norte.
“Os norte-coreanos rotineiramente atacam a Coreia do Sul”, explica Lewis, do CSIS. “E todo mundo sabe sobre o caso envolvendo a Sony. Eles poderiam realizar outro ataque do mesmo estilo, mas Kim terá que decidir se vale o risco.”
Outros potenciais alvos poderiam incluir a sabotagem dos sistemas de mísseis dos EUA na Ásia-Pacífico ou a invasão dos sistemas de empresas americanas como a Sony Pictures em 2014. Uma resposta militar direta, no entanto, transformaria um conflito invisível em um físico.
FONTE: DW