Por Stephen Dowling
Quando cruzou os céus pela primeira vez, no começo da década de 50, a enorme aeronave Tupolev Tu-95 era o maior símbolo do poderio militar soviético. Até seu apelido, “Urso”, fazia referência a seu tamanho e sua força. Suas hélices pareciam antiquadas diante dos olhos ocidentais, que já viviam uma era revolucionária no design de aviões, com a tecnologia de motores a jato literalmente decolando.
Poucas pessoas acreditariam que, quase 60 anos depois, a aeronave ainda estaria na linha de frente da frota russa, atuando como um bombardeiro estratégico ou fazendo o patrulhamento de plataformas de petróleo marítimas.
Outra função do Tu-95, curiosamente, é servir como um avião espião, ainda que seja o mais barulhento do mundo nessa categoria. Em fevereiro, o Urso foi destaque no noticiário mundial depois que dois deles foram detectados perto do espaço aéreo da Grã-Bretanha e escoltados por caças da Força Aérea britânica.
A manobra era uma patrulha comum que os Ursos faziam no ápice da Guerra Fria e que recentemente a Rússia retomou. Mas a história de por que o país ainda confia nessa máquina é mais interessante do que parece.
Tecnologia testada e aprovada
O Urso continua funcionando, em parte, por causa de seu visionário criador. Andrei Tupolev era o principal designer de grandes aviões da antiga União Soviética, um engenheiro superdotado que foi preso durante o regime de Stalin por causa de acusações forjadas.
Com o fim da 2ª Guerra Mundial e o início da Guerra Fria com os Estados Unidos, Tupolev ajudou a criar o primeiro bombardeiro nuclear soviético, o Tu-4, ou “Touro”.
Tratava-se de uma cópia do Boeing B-29 Superfortress, o avião que lançou as duas bombas atômicas sobre o Japão. Muitas dessas aeronaves caíram em território soviético durante a campanha americana contra os japoneses, e os soviéticos conseguiram montar sua réplica com base em engenharia reversa.
Apesar disso, o Tu-4 não tinha alcance para chegar aos Estados Unidos a partir das bases soviéticas. Em 1952, Tupolev e outro importante designer aeronáutico da época, Vladimir Myasishchev, receberam a encomenda de projetar um bombardeiro capaz de carregar 11 toneladas de ogivas por 8 mil quilômetros, o suficiente para atingir o coração do território americano.
Enquanto seu concorrente apostou em um projeto ousado, Tupolev decidiu misturar alguma tecnologias já testadas e aprovadas com ideias que surgiram com a primeira geração de jatos. “Foi uma abordagem vista como menos arriscada do que a concepção de Myasishchev”, explica Douglas Barrie, analista de aviação do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, uma think-tank com sede na Grã-Bretanha.
Motores efervescentes
O Tu-95 é uma aeronave gigantesca: tem 46 metros de comprimento e 50 metros de envergadura. Vazio, o avião pesa 90 toneladas e é movido por quatro enormes turboélices. O Urso tem oito conjuntos de hélices. Toda essa força é suficiente para fazê-lo alcançar mais de 800 km/h, velocidade quase semelhante à atingida por jatos comerciais modernos.
Diferentemente da maioria dos aviões a hélice, as asas do Tu-95 apontavam para trás em um ângulo de 35 graus, um pouco com os primeiros caças a serem produzidos. Isso ajudou a aeronave a diminuir o arrasto e alcançar uma alta velocidade.
Os motores de Tupolev propulsionam dois conjuntos de lâminas com 5,5 metros de comprimento que giram em direções opostas. Isso torna as hélices mais eficientes mas também cria um ruído ensurdecedor. Tanto que o Tu-95 é considerado o avião mais barulhento ainda em serviço no mundo ─ dizem que até submarinos americanos conseguem “ouvi-los” com seus sonares debaixo d’água.
A função original do Urso de lançar bombas nucleares sobre território inimigo acabou perdendo seu valor com o amadurecimento da tecnologia de mísseis. Mas seu design inteligente permitiu que a aeronave fosse adaptada várias vezes de acordo com seu uso.
Os Tu-95s de patrulha marítima sobrevoavam navios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) durante a Guerra Fria. Alguns deles até foram deslocados para Cuba, voando ao longo da costa americana a partir de bases no Ártico.
Outros Ursos, que foram adaptados para carregar mísseis de cruzeiro de longo alcance, já tinham capacidade para levar uma carga tão pesada.
Ambições nucleares
Uma versão bastante modificada nasceu tempos depois, o Tu-126, ou “Musgo”, que se tornou a primeira plataforma de vigilância aérea da União Soviética, atuando com um radar voador que alertava defesas sobre a aproximação de aeronaves inimigas.
O Urso ganhou até uma versão para a aviação civil, que até hoje mantém o recorde mundial de velocidade para um avião turboélice: 870 km/h, marcados em 1960.
Foi um Tu-95 modificado que lançou o mais potente explosivo de fabricação humana, a bomba nuclear “Tsar Bomba”, testada pelos soviéticos em 1961.
A tripulação escolhida a dedo disparou a ogiva de 50-megatoneladas sobre a ilha de Nova Zemlia, no Oceano Ártico. A bomba precisou de um paraquedas para dar tempo de a aeronave se afastar para uma área segura.
A força da explosão – dez vezes superior à de todos os explosivos detonados em toda a 2ª Guerra Mundial – fez o avião despencar mais de um quilômetro, apesar de estar a 45 quilômetros de distância.
Os soviéticos também flertaram com a ideia de ter um Urso movido a energia nuclear. O Tu-95LAL foi equipado com um reator pequeno e funcionou como uma aeronave de provas. Acabou sendo aposentado nos anos 60, apesar de ter conseguido provar que a tecnologia era viável.
Dos mais de 500 Ursos construídos desde a década de 50, acredita-se que pelo menos 55 deles ainda estão a serviço da Força Aérea russa, enquanto vários modelos para patrulhamento marítimo fazem parte das frotas das Marinhas da Rússia e da Índia.
Assim como o B-52, da Força Aérea americana, o Urso se tornou praticamente insubstituível. Com atualizações e versões adaptadas, o mastodonte da Guerra Fria deve permanecer nos céus ainda por algumas décadas. Andrei Tupolev ficaria orgulhoso.
FONTE:BBC Brasil