No meio do deserto, Irã parece construir mísseis de longo alcance sem chamar atenção

David Schmerler/Center for Nonproliferation Studies via The New York Times

Por Max Fischer do NYT

Quando uma explosão quase arrasou o centro de pesquisa de mísseis de longo alcance do Irã em 2011 e matou o cientista militar que o dirigia, muitos analistas de inteligência ocidentais a consideraram devastadora para as ambições tecnológicas de Teerã.

Desde então, houve poucos sinais de trabalho no país para obter um míssil capaz de alcançar significativamente além do Oriente Médio, e líderes iranianos disseram que não pretendem fabricar um.



Por isso, nesta primavera, quando uma equipe de pesquisadores de armamentos baseada na Califórnia revisou novos programas da TV estatal iraniana glorificando o cientista militar, esperavam uma aula de história com, no máximo, novos detalhes sobre um programa há muito adormecido.

Em vez disso, eles tropeçaram em uma série de pistas que os levaram a uma conclusão surpreendente: pouco antes de morrer, o cientista, general Hassan Tehrani Moghaddam, supervisionou o desenvolvimento de um segundo centro secreto, nas profundezas do deserto iraniano, que, segundo os pesquisadores, funciona até hoje.

Eles examinaram durante semanas fotos de satélite da instalação. Segundo disseram, o trabalho no local hoje parece se concentrar em motores avançados e combustível para foguetes, e muitas vezes é realizado na escuridão da noite.

É possível que a instalação esteja desenvolvendo apenas mísseis de médio alcance, que o Irã já possui, ou talvez um programa espacial extremamente sofisticado.

Mas uma análise das construções e das marcas no solo na instalação sugere fortemente, embora não prove, que está desenvolvendo tecnologia para mísseis de longo alcance, segundo os pesquisadores.

O presidente iraniano, Hassan Rouhani, disse que Teerã manteria o acordo nuclear, mesmo após saída dos EUA – Ebrahim Noroozi/AP

Tal programa não violaria o acordo internacional destinado a impedir que o Irã desenvolva uma arma nuclear, ou qualquer outro acordo formal. Mas, caso seja concluído, poderia ameaçar a Europa e potencialmente os EUA. E se o Irã estiver realizando trabalho com mísseis de longo alcance aumentaria as tensões entre Teerã e Washington.

Cinco especialistas externos que revisaram independentemente as conclusões concordaram que há evidências poderosas de que o Irã está desenvolvendo tecnologia de mísseis de longo alcance.

“A investigação salienta alguns avanços potencialmente perturbadores”, disse Michael Elleman, um especialista em mísseis no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, que examinou o material. A evidência era circunstancial, disse ele, mas pode mostrar passos preliminares “para desenvolver um MBI [míssil balístico intercontinental] dentro de cinco a dez anos, caso Teerã o deseje”.

Perguntado sobre as conclusões tiradas pelos pesquisadores de armas, Alireza Miryousefi, o secretário de imprensa da missão iraniana na ONU, disse em uma mensagem de e-mail: “Não comentamos assuntos militares”.



A instalação em Shahrud

Os pesquisadores, baseados no Instituto de Estudos Internacionais Middlebury, em Monterey, na Califórnia, encontraram a instalação iraniana pouco depois que um jovem pesquisador bolsista, Fabian Hinz, propôs estudar um fluxo recente de material sobre Moghaddam na mídia estatal iraniana. Ele queria ver se continha pistas sobre até onde o programa de mísseis iraniano tinha avançado antes da morte do general.

Mas comentários laterais de colegas e parentes de Moghaddam na mídia iraniana pareciam implicar que seu trabalho havia continuado discretamente, dizem os pesquisadores.

Hinz também encontrou uma grande pista sobre onde ocorria o trabalho. Em uma postagem de 2017 de uma associação de jornalistas iranianos, ele viu uma foto não datada de Moghaddam ao lado de um tenente e uma caixa marcada “Shahrud.

Esse nome chamou a atenção de Hinz. Shahrud, nome de uma cidade a 40 quilômetros de distância, foi o local de um único teste de lançamento de míssil em 2013. Ele era considerado dormente desde então e, visto por satélite, parecia desativado.

Haveria mais do que os olhos viam?

Debruçados sobre anos de imagens de satélite, os pesquisadores notaram algo: o número de prédios, segundo eles, havia lentamente aumentado com o tempo.

Cicatrizes no solo Muitas tecnologias militares podem ser desenvolvidas em espaços fechados, pelo menos em seus estágios iniciais. Laboratórios de balística, túneis de vento e instalações de enriquecimento podem ser escondidos em construções ou no subsolo.

Os mísseis são uma exceção. Seus motores devem ser montados em suportes e acionados, um trabalho perigoso que geralmente é feito ao ar livre. E os testes de motores, quando realizados em paisagens desérticas como as que cercam Shahrud, podem deixar no terreno marcas de queimadura, como cicatrizes em forma de chamas.

Verificando as fotos de satélite da área ao redor de Shahrud, os pesquisadores encontraram em uma cratera a alguns quilômetros de distância o que, na opinião deles, eram duas dessas cicatrizes reveladoras. Eram maiores que as da instalação conhecida de Moghaddam. As cicatrizes eram recentes, uma delas apareceu em 2016, a outra em junho de 2017.

Os pesquisadores examinaram os suportes de testes. Essas estruturas geralmente pesam entre quatro e seis vezes o empuxo do motor que é testado. E são de concreto, permitindo que o peso seja deduzido a partir de suas dimensões.

Os pesquisadores dizem que o teste de 2017 em Shahrud usou um suporte que teria cerca de 370 toneladas, sugerindo que o motor teria entre 62 e 93 toneladas de empuxo, o suficiente para um míssil balístico intercontinental. Dois suportes para testes que não foram utilizados são ainda maiores.

Míssil é lançado durante treinamento militar em um lugar não identificado no Irã – Mehdi Hadifar/AFP

Atividade oculta

Havia outras dicas. Shahrud parece abrigar três poços do tipo usado para moldar ou curar peças de foguetes, segundo os pesquisadores. Um deles, com 5,5 metros de diâmetro, é muito maior que os usados para os mísseis de médio alcance do Irã.

Os pesquisadores confirmaram que a instalação continua ativa usando um novo tipo de imagem de satélite conhecido como radar de abertura sintética. Ao disparar ondas de rádio e medir seu eco, o satélite revela maiores detalhes que uma fotografia. Devido ao modo como armazena seus dados, ele pode rastrear pequenas alterações entre dois conjuntos de imagens, como a terra chutada por alguém que caminhou entre dois edifícios.

“Podemos ver o tráfego humano, atividade humana que não é visível em nosso satélite tradicional”, disse David Schmerler, um dos pesquisadores baseados na Califórnia. “Eles estão dirigindo sobre toda a cratera onde são feitos os testes de motores”.

E parecia haver tráfego de veículos pesados entrando e saindo de um túnel que leva ao subsolo, sugerindo que Shahrud está sobre uma grande estrutura subterrânea, dizem os pesquisadores, embora eles não possam dizer para que ela serve.

Os pesquisadores ficaram especialmente marcados pelo combustível, ou, mais precisamente, pelo fato de que não se via nenhum combustível. Nada de tanques de armazenamento, caminhões de combustível ou postos de abastecimento. Isso salientou suspeitas de que Shahrud está construindo motores que queimam combustível sólido, segundo eles.

O combustível sólido é muito mais difícil e perigoso de desenvolver que o tipo líquido. Embora também seja usado em programas civis como voos espaciais, suas aplicações militares são consideráveis.



Os mísseis movidos a combustível líquido precisam ser abastecidos pouco antes do lançamento, o que exige tempo e acesso a instalações especiais de abastecimento, tornando mais fácil que forças inimigas os encontrem e destruam. Mas os mísseis a combustível sólido podem ser escondidos em locais remotos e disparados em pouco tempo.

Perguntas não respondidas

“Nós tropeçamos neste programa que estava muito mais perto da conclusão do que percebíamos”, disse Jeffrey Lewis, diretor da equipe da Califórnia que descobriu a instalação. Mas mais perto de concluir o quê, exatamente? Talvez apenas uma versão mais avançada dos mísseis de médio alcance que o Irã já possui. Mas isso não explicaria por que as estruturas parecem ser dimensionadas para mísseis maiores ou porque o trabalho é realizado com tal sigilo.

Outra explicação poderia ser a existência de foguetes destinados ao espaço, embora isso não seja necessariamente benigno. Muitos países desenvolvem foguetes de lançamento espacial como uma espécie de modelo de teste para mísseis balísticos intercontinentais. A Coreia do Norte e a Índia iniciaram seus programas de MBI dessa maneira.

Lewis estimou que os poços de moldagem ou cura de Shahrud poderiam produzir três foguetes por ano, insuficientes para um arsenal, mas a quantidade certa para um programa de lançamento espacial. Isso poderia desenvolver o know-how técnico para um MBI sem que um seja de fato construído.

Um oficial da Guarda Revolucionária chamado Majid Musavi, que seria o sucessor de Moghaddam, pareceu sugerir isso em sua única entrevista conhecida. Um programa espacial, disse Musavi em 2014, permitiu que os cientistas continuassem seu trabalho, cumprindo ordens de líderes iranianos de produzir mísseis com alcance superior a 2.000 km.

Míssil balístico Foto: Abedin Taherkenareh/EFE

Protegendo as apostas

O trabalho na instalação provavelmente visa gerar uma “proteção” caso o acordo nuclear desmorone, segundo Dina Esfandiary, um especialista em Irã no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. O país não parece correr na direção de um míssil de longo alcance, mas preparando o terreno caso os líderes iranianos um dia o considerem necessário.

“Isso mantém a opção em aberto”, disse Esfandiary.

Lewis concluiu que o programa é mantido deliberadamente perto de um míssil de longo alcance funcional. Mas se o presidente Donald Trump conseguir rasgar o acordo, ou se Teerã se sentir ameaçada, advertiu Lewis, Shahrud sugere que o Irã poderá adquirir um míssil de longo alcance mais rapidamente do que se pensava.

“Assim como fizemos com a Coreia do Norte, estamos subestimando a capacidade deles”, disse Lewis, referindo-se ao desenvolvimento surpreendentemente rápido de um MBI pela Coreia do Norte.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

FONTE: UOL


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