Navios de guerra russos navegando pelo Estreito de Bósforo assustam a Turquia

Uma bandeira turca tremula em um navio mercante turco, enquanto um navio de guerra russo cruza o Bósfor em rota ao Mediterrâneo AFP/Getty
Uma bandeira turca tremula em um navio mercante turco, enquanto um navio de guerra russo cruza o Bósfor em rota ao Mediterrâneo
AFP/Getty

Por Laura Pitel

Ele vislumbra barcos cruzando o Estreito de Bósforo por duas décadas; mas, até recentemente, faziam anos desde que Serhat Guvenc tinha vislumbrado um navio de guerra russo. Comuns na era da Guerra Fria e de novo durante o conflito dos Balcãs, eles se tornaram uma visão rara sobre o poderoso canal que secciona a antiga cidade de Istambul e separa a Europa da Ásia.

Agora, mal passa um dia em que o acadêmico e observador de navios amador não consiga avistar um cruzador de mísseis russo, um navio de desembarque ou submarino nuclear. Eles incitam a Turquia, navegando através do coração de sua maior cidade para abastecer o conflito sírio. “É como esfregar sal em uma ferida aberta”, diz Guvenc.

A Turquia e a Rússia apoiam lados opostos no conflito sírio desde que o levante contra o presidente Bashar al-Assad começou em 2011. Desde novembro, quando a Turquia abateu um jato russo Sukhoi Su-24, o relacionamento estava à beira de uma guerra. Mas, graças a um tratado de 1930, em tempo de paz, Estados estrangeiros “apreciam a liberdade” para enviar militares e navios comerciais do Mar Negro até o Mediterrâneo.

Para o Sr. Guvenc, 51 anos, e um grupo de quatro amigos, o desfile de equipamento militar através de sua cidade é irresistível. Tomando café a partir de uma varanda deslumbrante, e com uma vista panorâmica do canal, eles explicam que as fotografias que eles compartilham on-line estão sendo usadas por estrategistas militares e analistas de todo o mundo.

“Normalmente, esses navios estão fora da vista. Nós não sabemos o que eles estão fazendo”, explica Devrim Yaylali, 45, um economista que foi observa navios por quase 30 anos. “O Bósforo é ou no porto são os únicos lugares que você pode vê-los.”

Seu amigo Yoruk Isik, 45, um consultor de assuntos internacional, acrescenta em: “Aqui, você pode estar no Starbucks tomando um café expresso e ter um navio, literalmente, a 250 metros de distância.” As curvas acentuadas e fortes correntes no canal significam que os barcos devem diminuir bastante sua velocidade para manobrar, tornando-os fáceis de fotografar. “Não há outro lugar no mundo onde você possa capturá-los tão bem.”

Vladimir Putin cumprimenta Bashar al-Assad antes de uma reunião no Kremlin em outubro do ano passado. Turquia e Rússia apoiam lados opostos no conflito sírio desde o início do levante em 2011 (Rex)

A cidade oferece um cenário deslumbrante. Os barcos deslizam sob três pontes imponentes antes de percorrer os palácios otomanos de Dolmabahce e Topkapi e os pináculos da Hagia Sophia.

Não são apenas embarcações russas que vêm e vão. Navios de guerra e submarinos turcos são uma visão comum para os viajantes que tomam as balsas para pular de um lado da cidade para o outro. Navios da OTAN chegam em visitas a portos e missões de treinamento. Vastos navios de carga transportam contêiners multi-coloridos, e no verão cruzeiros turísticos atracam no centro da cidade. Mas são os navios russos que chamam a atenção internacional, como o presidente Vladimir Putin deixou claro que ele estava reafirmando a força de Moscou, na Síria e na região. O Bósforo é um elo vital entre portos do Mar Negro da Rússia e as suas bases navais nas cidades costeiras de Latakia e Tartous.

Já este ano, navios de guerra russos fizeram quase quatro dúzias de viagens de cima a baixo do estreito. Eles incluem o Moskva, um cruzador de mísseis guiados que é o carro-chefe da Frota do Mar Negro da Rússia e fornece cobertura aérea para a missão de Moscou, na Síria. Possui uma estrela vermelha em cada lado, e enormes mísseis prateados no deck, perfazendo um brilho sob o sol.

Mas um dos visitantes mais frequentes de 2016 tem sido o Yamal 156, um grande navio de desembarque da classe Ropucha, enferrujado, da era soviética, que descarrega veículos, cargas e tropas nas praias. Ele já fez três viagens para a Síria e de volta.

A Convenção de Montreux de 1936 dá o controle do Bósforo e dos Dardanelos à Turquia, os estreitos que levam para o Mediterrâneo; mas também requer que a Turquia a conceda a liberdade de passagem para os navios comerciais e navais de outros países. Como todas as potências estrangeiras, no entanto, a Rússia deve informar a Turquia antes de enviar um navio militar. Isto levou a co-operação surpreendente entre os dois estados, apesar do desgaste das relações. Semanas após a derrubada do jato russo, a guarda costeira turca escoltou o Rostov-na-Donu, um submarino preto imponente, armado com mísseis de cruzeiro Kalibr, enquanto ele fazia o seu caminho através da cidade. Segundo observadores, ele foi seguido por um barco anti-submarino turco para fins de inteligência.

A escalada de tensão entre os dois países tem empurrado o grupo de entusiastas amadores ao centro das atenções. Semanas antes de o presidente Putin anunciar oficialmente a intervenção militar da Rússia na Síria, eles notaram dezenas de veículos blindados e caminhões militares mal escondidos sob lonas no convés. Todos estavam convencidos de que a indiferença (na camuflagem dos equipamentos) era deliberada. “Isto é como uma passarela”, diz Alper Boler, 41 anos, um designer de produtos. “Nós vemos exatamente o que eles querem nos mostrar.”

O sr. Isik lançou a história do marinheiro do russo na plataforma com um lançador de mísseis em seu ombro enquanto seu navio passava por uma cidade de 14 milhões de pessoas. Depois de publicá-la on-line, ele foi bombardeado por telefonemas de canais de notícias. O Ministério das Relações Exteriores da Turquia convocou o embaixador russo, e o Vice-Primeiro Ministro lamentou o episódio como um “show de infantilidade”.

O grupo se sente desconfortável, sendo atraído para este tipo de disputa política. Eles se irritaram ao ver as suas fotografias utilizadas como munição por várias facções, na Turquia e na Rússia, cada um com suas próprias agendas.

Os navios podem ser impressionantes de se olhar e divertidos de catalogar, mas o grupo tem está consciente de que estes navios estão alimentando um terrível conflito que já matou cerca de 470.000 pessoas até agora. “Você fica animado quando [você] detectar um navio”, diz Isik. “Mas então você pensa: você está assistindo a uma máquina mortal passando para a guerra.”

Embora haja grande interesse internacional nos navios russos que passam, o grupo registra tudo, desde pequenas lanchas que vão e voltam até os pesados navios de carga. “A guerra está acontecendo e [os estreitos têm] ganharam proeminência”, diz Kerim Bozkurt, 36, um arquiteto, membro do grupo. “E quando ela terminar, vamos continuar observando.”

Mas, mesmo com o cessar-fogo, que começou na Síria na semana passada, navios russos continuaram passando pela cidade.

Entre os vasos de guerra marcados pelo grupo nos últimos dias estão dois transportadores lotados de veículos militares. Os observadores do Kremlin dizem que, a Turquia gostando ou não, a Rússia está de volta ao Oriente Médio. E sua rota atravessa Istambul.

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO: Junker

FONTE: Independent.co.uk

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