Navio-Aeródromo
1 – Introdução
Atualmente, apenas onze marinhas de todo o mundo possuem Navios-Aeródromos (NAe), ou Porta-Aviões (PA), como comumente conhecidos.
São elas as marinhas do Brasil, dos EUA, da Grã-Bretanha, da França, da Espanha, da Itália, da Rússia, da Índia, da China, da Tailândia e, se considerarmos os Hyuga-class destroyers capazes de operarem aeronaves de pouso e decolagem vertical, a marinha do Japão.
Se observarmos bem, são marinhas que possuem grandes interesses, ou grandes problemas, no mar, problemas estes que ocupam seus planejadores diuturnamente.
Mas qual o motivo da importância deste tipo de navio?
O que o faz tão especial para uns, tão imprescindível para outros?
E para a Marinha do Brasil (MB), que opera este meio desde 1956, quando adquiriu o saudoso “Minas Gerais”, por qual motivo devemos dispor de NAe?
No presente artigo nos propomos a estudar tais questões, focando na necessidade e no emprego do meio e não no “hardware” em si.
Ressalta-se que o mesmo materializa uma visão do autor e não a posição oficial da Marinha do Brasil.
2 – Sobre o navio
O que diferencia um NAe de outros navios?
A primeira vista esta é uma pergunta simples de ser respondida.
Um NAe é uma base aérea flutuante e móvel.
É um tipo de navio que permite operar com aeronaves de asas fixas e rotativas com relativa segurança, possui todas as facilidades para a manutenção das mesmas, com paióis dedicados exclusivamente ao material de aviação, possui tanques adaptados especialmente para transportar combustível de aviação, possui outros tipos de paióis adaptados para o armazenamento do armamento específico dos meios aéreos, possui hangares e elevadores de aeronaves projetados para a operação no mar, dota como parte da tripulação pessoal especializado em aviação, altamente treinado, com conhecimento específico e que será utilizado somente em proveito destes meios a bordo e possui um convés de voo e uma superestrutura lateral denominada ilha.
Mas é só isso que podemos responder?
O que mais este meio provê para as marinhas que o utilizam?
A grande capacidade que o mesmo traz, o diferencial para os outros tipos de navios, é o alcance que seu armamento – os aviões e helicópteros – provê, tornando-o o Corpo Principal (CP), a Unidade de Maior Valor (UMV) de uma Força Naval. Uma marinha que possua um NAe possui a capacidade de utilizar seus meios aéreos a grande distância, atacando sem poder ser atacada, de proteger sua Força sem permitir que um suposto inimigo se aproxime, de controlar o ar, a superfície do mar e o ambiente submarino. Também a presença de um NAe abre uma segunda frente para as FA inimigas, pois a possibilidade do uso de seus meios aéreos em qualquer parte, vindos do mar, não pode ser negligenciada, como vimos na guerra das Malvinas com a força aérea argentina alocando meios para proteger Buenos Aires de um possível ataque da Força Tarefa inglesa.
Isto não se consegue com nenhum outro tipo de navio.
A obtenção do Controle do Ar é fator capital à garantia do sucesso das operações navais em área marítima restrita, móvel ou fixa, e das operações anfíbias, principalmente no caso de ocorrerem em teatros distantes, que impeçam o emprego das aeronaves de asa fixa da Força Aérea. No conceito estratégico da obtenção do Controle do Ar, o NAe, em virtude de sua capacidade de embarcar uma ala aérea mais ampla e diversificada que qualquer outro meio naval, é o único meio capaz de obter tal controle.
Este navio também pode participar de Operações de Manutenção da Paz, de transporte de pessoal e de material em apoio às ações de Defesa Civil, na redução ou minimização dos efeitos de desastres naturais, como no caso do tsunami que atingiu a Ásia ou do terremoto no Haiti, ou de desastres causados pelo homem, além de poder exercer as tarefas de Navio de Comando e Controle e Navio de Recolhimento e Tratamento de Baixas.
Finalmente, também contribui com o esforço das Forças Navais em ações de presença, ou para “Mostrar a Bandeira”, em tempo de paz, em proveito da política externa do país, como importante e eficaz instrumento de dissuasão.
3 – O caso brasileiro
Para estudarmos o caso brasileiro vamos utilizar os conceitos contidos nos documentos que balizam o tema Defesa em nosso país. Estes conceitos já foram citados pelo autor em alguns dos artigos anteriores a este, mas a importância de nos fixarmos nos mesmos reside em não nos afastarmos da realidade imposta por estes documentos às Forças Armadas (FA), notadamente para a MB.
Ao fazermos isto evitamos a tentação de imaginarmos cenários ou situações não condizentes com o que foi aprovado pelo poder político da nação e que não justificariam a existência do meio em nossa Marinha.
O principal documento que utilizaremos é a Estratégia Nacional de Defesa (END).
Na página 21 desta publicação, no item “A Marinha do Brasil: a hierarquia dos objetivos estratégicos e táticos”, pode-se ler:
“A força naval de superfície contará tanto com navios de grande porte, capazes de operar e de permanecer por longo tempo em alto mar, como de navios de porte menor, dedicados a patrulhar o litoral e os principais rios navegáveis brasileiros.”
E também:
“Entre os navios de alto mar, a Marinha dedicará especial atenção ao projeto e à fabricação de navios de propósitos múltiplos que possam, também, servir como navios-aeródromos. Serão preferidos os navios-aeródromos convencionais e de dedicação exclusiva.”
Acima podemos ler que o principal documento brasileiro que trata da defesa nacional deixa clara a necessidade da posse de NAe para a MB. Trataremos de justificar esta necessidade com mais profundidade adiante.
Este meio, o NAe, cumpre com as principais diretrizes estratégicas contidas na página 11 da END, quais sejam:
Diretriz nº. 1: Dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres, nos limites das águas jurisdicionais brasileiras, e impedir-lhes o uso do espaço aéreo nacional. Para dissuadir, é preciso estar preparado para combater. A tecnologia, por mais avançada que seja, jamais será alternativa ao combate. Será sempre instrumento do combate;
Diretriz nº. 2: Organizar as Forças Armadas sob a égide do trinômio Monitoramento/controle, mobilidade e presença;
Diretriz nº. 3: Desenvolver as capacidades de monitorar e controlar o espaço Aéreo, o território e as águas jurisdicionais brasileiras; e
Diretriz nº.4: Desenvolver, lastreado na capacidade de monitorar/controlar, a capacidade de responder prontamente a qualquer ameaça ou agressão: a mobilidade estratégica.
Estes navios também atendem aos focos determinados pela END, em sua página 20:
– defesa pró-ativa das plataformas petrolíferas;
– defesa pró-ativa das instalações navais e portuárias, dos arquipélagos e das ilhas oceânicas nas águas jurisdicionais brasileiras;
– prontidão para responder a qualquer ameaça, por Estado ou por forças não convencionais ou criminosas, às vias marítimas de comércio; e
– capacidade de participar de operações internacionais de paz, fora do território e das águas jurisdicionais brasileiras, sob a égide das Nações Unidas ou de organismos multilaterais da região.
Agora que mencionamos o conteúdo do principal documento de Defesa brasileiro, o qual justifica a existência de NAe na MB, vamos nos concentrar em aprofundar estas justificativas.
Para o leitor com conhecimento em temas estratégico-militares, o contido no resumo da END transcrito acima apresenta uma quantidade de informações que não são óbvias para todos os entusiastas.
E a primeira informação, o primeiro tema a ser aprofundado, diz respeito à palavra “Controle”.
4 – O NAe e o Controle de Área Marítima
Os leitores desta coluna já tomaram conhecimento das 4 Tarefas Básicas do Poder Naval, quais sejam: Controlar Área Marítima, Negar o Uso do Mar ao Inimigo, Projetar Poder Sobre Terra e Contribuir para a Dissuasão.
Tem consciência que para o cumprimento destas Tarefas, como em qualquer organização, existem meios que são especialmente capacitados para cumpri-las, sejam navios, submarinos, aeronaves, forças anfíbias, etc.
Entendem que os navios de superfície são os meios primordiais para o cumprimento das tarefas de Controle de Área Marítima e para a Projeção de Poder Sobre Terra, dentre os quais o NAe é o principal meio.
O conceito que tratamos neste item é definido da seguinte maneira pela MB:
“Controle de Área Marítima: consiste em garantir certo grau de liberdade de utilização, ainda que temporário, sobre certas áreas marítimas, fixas ou móveis, incluindo, como necessário, o controle do espaço aéreo sobrejacente, da superfície e da massa líquida subjacente, exercido na intensidade adequada à realização de tarefas específicas.”
Este conceito é vital, principalmente quando nos diz que o Controle é exercido para a “realização de tarefas específicas”.
O Controle de Área Marítima é a meta da estratégia naval. As operações das forças navais são planejadas e executadas visando a sua obtenção e exercício. Todavia, para a guerra, o mar não representa nenhum valor senão como via de comunicações. Por conseguinte, o fim da obtenção deste controle reside em seu exercício e exploração, do modo mais amplo e irrestrito, para propósitos políticos, econômicos e militares. Em outras palavras, é um meio para o atingimento de uma finalidade ulterior.
O Controle de Área Marítima, fixa ou móvel é, entre outros, o principal motivo para a posse de um NAe pela MB.
Voltemos à END, quando a mesma define em suas páginas 20/21:
“A construção de meios para exercer o controle de áreas marítimas terá como foco as áreas estratégicas de acesso marítimo ao Brasil. Duas áreas do litoral continuarão a merecer atenção especial, do ponto de vista da necessidade de controlar o acesso marítimo ao Brasil: a faixa que vai de Santos a Vitória e a área em torno da foz do rio Amazonas.”
Vemos a definição clara de quais áreas deverão ser controladas pela MB: a faixa do pré-sal, que vai de Santos a Vitória, podendo hoje ser expandida até o Estado de Santa Catarina; e a área marítima em torno da foz do rio Amazonas, que, se não controlada, permitiria o acesso ao interior do Brasil, e à Amazônia brasileira, de uma Força Naval inimiga. E os meios a serem construídos, para controlarem e exercerem o controle de tais áreas, são os meios de superfície da Esquadra brasileira, primordialmente os NAe e seus Escoltas.
Mas vamos continuar a interpretar a END e suas determinações à MB.
Em sua página 11 lemos a Diretriz n.º 1, citada acima, que estabelece:
“Dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres, nos limites das águas jurisdicionais brasileiras, e impedir-lhes o uso do espaço aéreo nacional. Para dissuadir, é preciso estar preparado para combater.”
Para isso, a MB deverá interditar o trânsito para o Brasil de qualquer Força naval inimiga, o mais distante possível de nossas águas.
Esta interdição terá como objetivo permitir a continuidade da exploração/explotação de petróleo em nossas águas jurisdicionais (imprescindíveis para o abastecimento do país), a incolumidade de nossas Linhas de Comunicação Marítimas (vitais para a economia nacional) e, principalmente, que nossa população, 80% concentrada em uma faixa de cerca de 200 km do litoral, permaneça protegida e afastada do alcance das modernas armas navais. Nesta faixa também se concentra a produção industrial brasileira, que seria voltada para o esforço de guerra.
E a maneira de efetuar esta interdição é engajar a Força inimiga com todos os meios da Esquadra brasileira, com os de superfície nucleados em NAe, que utilizará, como vimos, seus meios aéreos a maior distância possível.
Desta maneira, podemos interpretar da seguinte maneira a finalidade do Controle de Área Marítima imposto à MB pelo poder político da nação:
– Propósito Político: manter a soberania nacional e a incolumidade da população brasileira;
– Propósito Econômico: a manutenção das Linhas de Comunicação Marítimas e a exploração/explotação de petróleo no mar; e
– Propósito Militar: impedir que a produção industrial brasileira seja interrompida por ataques provenientes do mar; e que o acesso ao interior do Brasil e à Amazônia brasileira, proporcionado pelo rio Amazonas, não seja utilizado por forças inimigas.
Então, vemos que o controle destas duas áreas marítimas, tarefa imposta à MB, áreas estas claramente especificadas pela END, deverá ser exercido para a realização dos propósitos políticos, econômicos e militares acima citados.
Este controle só pode ser obtido pelos meios de superfície da Esquadra brasileira, nucleada em NAe.
5 – O NAe e a Projeção de Poder Sobre Terra
A segunda Tarefa Básica do Poder Naval cumprida pelos meios de superfície é, como vimos, a Projeção de Poder Sobre Terra.
Esta Tarefa é definida pela MB da seguinte maneira:
“Projeção de Poder Sobre Terra: consiste em realizar ações militares a partir do mar sobre objetivos em terra, como as operações anfíbias e o bombardeio naval ou aeronaval, aí incluindo ataques com mísseis por meios navais ou aeronavais.”
Pela definição já podemos compreender o vital papel do NAe para o cumprimento desta Tarefa.
Mas quando escrevemos sobre Projeção de Poder Sobre Terra o leitor não acostumado com o tema pode questionar sua necessidade para o Brasil.
Voltemos à END.
Em sua página 21 lemos:
“Para assegurar sua capacidade de projeção de poder, a Marinha possuirá, ainda, meios de Fuzileiros Navais, em permanente condição de pronto emprego.”
E mais:
“O Corpo de Fuzileiros Navais consolidar-se-á como a força de caráter expedicionário por excelência.”
Podemos ver que o poder político da nação entendeu a importância desta tropa única, profissional, altamente motivada, possuidora de doutrina diferenciada, que executa a operação militar mais complexa de todas, o Assalto Anfíbio.
Mas voltemos ao NAe e sua necessidade para a Projeção de Poder Sobre Terra.
Como verificamos no item dois deste artigo, o Controle do Ar é fator capital à garantia do sucesso das operações navais em área marítima restrita, móvel ou fixa, e das operações anfíbias, principalmente no caso de ocorrerem em teatros distantes, que impeçam o emprego das aeronaves de asa fixa da Força Aérea. Este controle só pode ser obtido com a presença de um NAe na área do desembarque anfíbio.
Quanto ao ataque com meios aeronavais, é dispensável escrevermos sobre a importância única do meio
É possível pensarmos em exemplos onde o Brasil necessitaria realizar uma operação de projeção?
Vejamos:
– Em 1995 uma companhia das tropas brasileiras que integravam a missão de paz em Angola foi cercada por guerrilheiros da UNITA na região de Andulo, no centro-norte do país. A tropa brasileira aferrou-se ao terreno, em uma posição defensiva, enquanto os meios diplomáticos eram acionados. Caso a diplomacia houvesse falhado, a retirada dos brasileiros para uma posição segura seria sob fogo e o apoio aéreo poderia ser efetuado a partir de NAe;
– No caso de retirada de brasileiros do exterior, de uma região conflagrada, poderá haver a necessidade do estabelecimento de uma superioridade aérea local, que permita o embarque dos mesmos com segurança em navios de transporte, ou no próprio NAe. Esta superioridade seria garantida pelos meios aéreos embarcados no PA;
– Este terceiro exemplo trata de imaginarmos uma improvável, mas não impossível, crise entre o Brasil e uma potência ocidental. Caso esta crise se materializasse e evoluísse para um conflito, ocorreria a necessidade da neutralização das posições estratégicas localizadas no Atlântico Sul que pudessem apoiar o esforço inimigo. Uma destas posições é a Ilha de Ascensão, onde se localiza uma grande base aérea. A única maneira de atingirmos este objetivo seria por meio de uma operação de projeção.
Deixo aos caros leitores imaginarem outras possibilidades.
6 – O Navio Aeródromo e a DISSUASÃO
Os leitores habituais desta coluna já tomaram conhecimento da 4ª Tarefa Básica do Poder Naval, que seria Contribuir Para a Dissuasão.
Esta tarefa é consequência natural da capacitação e da credibilidade em realizar, com efetividade, as demais. Vale lembrar que a tarefa relacionada à Dissuasão exige, entre outras coisas, a aquisição e manutenção de equipamentos no estado da arte, bem como realização de exercícios militares, conjuntos e combinados, e intensivo treinamento do material humano.
O NAe é um dos meios navais mais complexos de ser operado (podemos ver esta dificuldade com os esforços efetuados pela marinha chinesa para operar seu recentemente incorporado NAe). O convoo deste tipo de navio é considerado o lugar mais perigoso do mundo para se trabalhar. Uma marinha capacitada a operar um PA demonstra cabalmente profissionalismo, recursos humanos qualificados, treinamento de primeira grandeza, capacidade logística e, principalmente, possibilidade de realizar ataques a grande distância, contribuindo de maneira decisiva para a dissuasão.
7 – Conclusão
Neste breve artigo nos propusemos a discutir a necessidade da posse e o emprego de NAe, focando o caso nacional;
Definimos, no item dois do artigo, as principais características do meio e estudamos as demais capacidades que o mesmo proporciona a quem o possui;
No item três relembramos os conceitos contidos na END, conceitos estes que impedem que nos afastemos da realidade e nos forçam permanecer nos cenários e situações impostas pelo poder político da nação;
Estudamos, no item quatro, a importância do NAe para o Controle de Área Marítima, notadamente para as áreas definidas na END e que a MB deve controlar;
No item cinco vimos que este tipo de navio é imprescindível na tarefa de Projetar Poder Sobre Terra; e
Entendemos, no item seis, como a posse do meio contribui para a Dissuasão.
Creio que agora está claro o esforço da MB em manter o meio no qual empenhou gerações de marinheiros na tarefa de desenvolver uma doutrina de operação e, mais ainda, o conhecimento de utilização do mesmo, conhecimento este que, se perdido, nenhum país do mundo transferirá.
Esta é uma história de sucesso em nossa Marinha, que começou com o saudoso “Minas Gerais”, que permanece sendo escrita com o atual “São Paulo” e que, com certeza, continuará com o próximo meio a ser construído no Brasil, por brasileiros, que atenderá nossas necessidades, nossas especificações, em proveito da nação brasileira.
NOTA DO EDITOR: Clique aqui e veja a posição da Marinha do Brasil sobre Porta Aviões.