Por Geórgia Cristhine
Na semana de celebração dos 70 anos da vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista em 1945, um dos destaques da Segunda Guerra Mundial para o Brasil foi a criação de um Corpo de Enfermeiras para o Serviço de Saúde do Exército, incorporado à FEB – Força Expedicionária Brasileira.
O órgão foi criado pelo então Presidente Getúlio Vargas, após ser declarada guerra aos países do Eixo formado por Alemanha, Itália e Japão. As enfermeiras deveriam prestar apoio de saúde aos soldados brasileiros que estavam atuando nos campos de batalha na Itália.
Para os historiadores, o grupamento de enfermagem serviu de sustentação ao discurso oficial do Governo de que não faltaria socorro aos cidadãos que tinham se prontificado a defender a nação através do voluntariado à FEB.
Em entrevista exclusiva à Sputnik, a especialista em Administração em Serviço de Saúde, bióloga e professora de Enfermagem da UNISUAM – RJ, Margarida Bernardes, contou a experiência que teve durante pesquisa para sua tese de mestrado, que teve como tema justamente a memória do grupo social composto por 67 enfermeiras do Exército e 6 da Aeronáutica, que atuaram no campo de batalha da Segunda Guerra Mundial, na Itália, no período de 1942 a 1945.
Durante o processo de pesquisa, a Professora Margarida Bernardes entrevistou 9 enfermeiras que estiveram na Guerra e contaram suas experiências no front. “Elas deram depoimentos em cima de fotografias que o Exército Brasileiro disponibiliza, e a partir das imagens a gente foi reconstruindo a memória delas sobre o evento em que elas estiveram atuando.”
Filha de militar, Margarida Bernardes diz que a escolha do tema da tese veio primeiro pelos laços de família, quando teve o primeiro encontro com a força de trabalho feminina das enfermeiras ao vê-las atuando nos hospitais militares. “Após me tornar enfermeira é que eu decidi estudar essa história que de fato pertence à enfermagem, e que tem um acervo belíssimo do Exército, constituído de 5 mil fotos e mais de 2 mil slides contando toda a trajetória das enfermeiras na Guerra. Aí eu vi que tinha descoberto um tesouro.”
Segundo a especialista, as enfermeiras brasileiras foram de forma voluntária para o front. “Elas eram civis e se voluntariaram para ir para a Guerra, sem ter qualquer diploma de enfermagem. Inicialmente, passaram por um treinamento intensivo, e depois foram para a frente ainda sem um posto definido. Lá na Itália, o Marechal Mascarenhas de Moraes deu a elas a patente de tenente, porque as enfermeiras norte-americanas eram enfermeiras militares. Já as enfermeiras da Aeronáutica, que só ficaram na retaguarda, é que já saíram daqui com o posto de tenente.”
Margarida Bernardes explica que na sua pesquisa tinha uma pergunta-padrão feita às enfermeiras, que era sobre se elas se consideravam heroínas por terem participado do episódio histórico. “Todas elas disseram que em nenhum momento se sentiram heroínas, mas sim que cuidavam dos heróis.”
Entre as entrevistadas pela Professora Margarida Bernardes que ainda estão vivas, destacam-se a capitão carioca Virgínia Maria Niemeyer Portocarrero, de 97 anos, que mora na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, e a enfermeira Carlota Melo, de 100 anos, que vive em Belo Horizonte.
A professora de Enfermagem conta ainda que estava presente no encontro com as enfermeiras um soldado que teve as pernas amputadas, e ele fez questão de prestar o depoimento de que tinha recuperado a vida depois da Guerra graças à ajuda da enfermeira Carlota Melo, que preparou a noiva dele no Brasil para receber o soldado sem os membros inferiores.
Ao falar da rotina no front de batalha, Margarida Bernardes disse que as enfermeiras trabalhavam em hospitais de campanha, dormiam em barracas enfrentando neve e frio, e que os uniformes brasileiros não eram confortáveis e bonitos como os das enfermeiras norte-americanas.
A professora contou ainda outra curiosidade apontada pelas enfermeiras sobre a diferença de comportamento entre os soldados alemães e brasileiros. “A Capitão Virgínia contou que era muito mais fácil cuidar dos soldados alemães, porque no horário da medicação eles iam para as camas e esperavam a gente passar; já os soldados brasileiros eram muito “levados”. Era preciso sempre buscar os soldados brasileiros, porque, mesmo feridos, estavam assistindo a filmes ou se alimentando. Era sempre preciso ficar atrás do soldado brasileiro para medicar.”
As enfermeiras brasileiras ficaram em torno de 2 anos atuando na Segunda Guerra Mundial, e ao terminar o conflito retornaram ao Brasil em navio, junto com os Pracinhas.
Uma vez terminada a Guerra, a FEB foi desmobilizada, inclusive o Corpo de Enfermeiras. As profissionais ficaram fora do Exército por 12 anos, e somente após entrarem com uma ação na Justiça conseguiram voltar à vida militar.
FONTE: SputnikNews