Por Cézar Feitoza
Autoridades da Marinha do Brasil pretendem aproveitar a visita de uma comitiva de alto nível da Força Naval da China a partir desta quinta-feira (15) para fazer apelos contra a pesca ilegal na costa brasileira e discutir o avanço da potência sobre o Atlântico Sul.
Chineses são acusados de impulsionar pesca ilegal no oceano que separa a América do Sul e a África, utilizando embarcações que saem especialmente da costa africana sem rastreio.
Segundo almirantes ouvidos pela Folha, o comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, pretende demonstrar a preocupação que o Brasil tem com os crimes cometidos no Atlântico Sul e deverá pedir apoio das autoridades chinesas para combater os ilícitos.
Além da pauta sobre a pesca ilegal, a Marinha brasileira irá apresentar à chinesa um plano de estudo sobre a presença de países na região marítima. O objetivo, segundo relatos, é avaliar os impactos das potências navais no Atlântico Sul e discutir estratégias de segurança marítima e cooperação regional.
O principal receio das autoridades brasileiras é que o crescente interesse de potências globais no Atlântico Sul possa trazer riscos à segurança marítima, como um possível aumento de crimes no oceano e o vazamento de dados repassados por cabos submarinos.
Integrantes da cúpula da Marinha avaliam que, considerando conversas prévias às reuniões, Pequim está disposta a dialogar sobre a região marítima e atuar em parceria com os países da América do Sul. Essa aproximação tem se intensificado desde a última década, quando a Marinha chinesa passou a considerar o Atlântico Sul uma área de exploração prioritária.
Pequim tem estreitado laços com países da costa ocidental da África por meio de visitas e exercícios militares. Mais recentemente, autoridades chinesas demonstraram interesse em construir uma base naval em Ushuaia, na Argentina, para consolidar sua atuação tanto no Atlântico Sul quanto no Ártico.
No início do mês, representantes das três Forças Armadas brasileiras participaram de um simpósio na China com altos oficiais regionais. O evento tinha como objetivo “aumentar os intercâmbios e a cooperação militar bilateral e multilateral e o conhecimento mútuo entre a China e os países da América Latina e Caribe, com a finalidade de construir uma comunidade com destino comum entre esses países”, segundo o comunicado interno do Ministério da Defesa ao qual a Folha teve acesso.
A comitiva chinesa será comandada pelo secretário da Marinha, Yuan Huazhi. Integram ainda o grupo o vice-chefe do Estado-Maior da Marinha chinesa, contra-almirante Li Pengcheng, e o adido de Defesa da China no Brasil, general de brigada Zhang Linhong, além de outros cinco oficiais. Os chineses serão recebidos em Brasília pelo comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e pelo chefe do Estado-Maior da Força, almirante José Augusto Cunha. O grupo ainda visitará a Escola de Guerra Naval, no Rio de Janeiro, e encerrará o périplo em Manaus (AM), onde conhecerá o Comando do 9º Distrito Naval.
Segundo a Marinha, trata-se de uma “visita de cortesia” das autoridades da Força chinesa, sem expectativa sobre o fechamento de acordos bilaterais. “A vinda da comitiva é resultado de iniciativa para a retomada de visitas a nível da Defesa, iniciada em 2019. Ocorre somente agora por ter sido adiada durante a pandemia”, diz a nota.
A Folha apurou, no entanto, que o encontro foi viabilizado após pedidos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A confirmação da agenda foi feita em data próxima à visita, e a organização foi mais rápida que o usual, o que denota uma aproximação com Pequim em abril, Lula visitou o líder chinês, Xi Jinping.
O encontro das Marinhas também ocorre em meio à insatisfação de alas do Palácio do Planalto e do Itamaraty contra a participação dos militares na diplomacia brasileira. Em audiência no Senado em maio, Olsen também fez alertas para a presença da China e de outros países no Atlântico Sul e disse que “algumas instâncias decisórias” do Brasil “parecem ignorar essas questões, que são muito atuais”.
A suposta pesca ilegal cometida por chineses também tem sido alvo de denúncias dos Estados Unidos, em mais um capítulo da disputa entre as duas superpotências.
A comitiva chinesa chega ao Brasil três semanas após a general americana Laura Richardson, do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA, participar de uma série de reuniões com autoridades brasileiras entre elas, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e os comandantes Olsen, Tomás Paiva (Exército) e Marcelo Damasceno (Aeronáutica).
Richardson fez uma rodada de visitas aos países da América Latina meses após discursar sobre o que considera a “ameaça chinesa” sobre a região, com o aumento da cooperação e comércio entre os países.
FONTE: Folha de São Paulo