Por Willian J. Broad e David E. Sanger (The New York Times)
O plano emergencial secreto, descrito como “operação Dia do Juízo Final” por Itzhak Yaakov, o general de brigada aposentado que o expôs nas entrevistas, teria sido colocado em ação se Israel tivesse medo de ser derrotado no conflito de 1967. As autoridades israelenses acreditavam que a explosão demonstrativa intimidaria o Egito e os Estados árabes vizinhos, Síria, Iraque e Jordânia, os levaria a recuar.
Israel venceu a guerra em tão pouco tempo que o artefato atômico nunca chegou a ser transferido para o Sinai. Mas o relato de Yaakov, que lança nova luz sobre um choque que moldou os contornos do conflito moderno no Oriente Médio, traz à tona as primeiras considerações de Israel sobre como poderia lançar mão de seu arsenal nuclear para se preservar.
“É o último segredo da guerra de 1967”, disse Avner Cohen, que conduziu as entrevistas e é eminente estudioso da história nuclear de Israel.
Yaakov, que chefiava o desenvolvimento de armas para as forças armadas de Israel, detalhou o plano para Cohen em 1999 e 2000. Ele morreu em 2013, aos 87 anos.
“Como você faz para barrar o inimigo?”, ele perguntou. “Você o assusta. Se você tem algo com o qual pode meter medo nele, você usa.”
Israel nunca reconheceu a existência de seu arsenal nuclear, em um esforço para preservar a “ambiguidade nuclear” e prevenir chamados periódicos por um Oriente Médio sem armas nucleares. Em 2001, quando tinha 75 anos, Yaakov foi preso, acusado de ter posto a segurança nacional em perigo por falar do programa nuclear a um repórter israelense, cujo trabalho foi censurado. Autoridades dos EUA, incluindo o ex presidente Jimmy Carter muito tempo depois de ter deixado o poder, admitiram em diversos momentos a existência do programa israelense, mas nunca divulgaram detalhes a seu respeito.
Um porta voz da embaixada de Israel em Washington disse que o governo israelense não vai comentar o papel exercido por Yaakov. Se a liderança israelense tivesse detonado o artefato atômico, teria sido a primeira explosão nuclear usada para fins militares desde os ataques dos EUA a Hiroshima e Nagasaki, 22 anos antes.
O plano tinha um precedente. Os Estados Unidos estudaram a possibilidade de fazer a mesma coisa durante o Projeto Manhattan, quando os cientistas do programa discutiram intensivamente a possibilidade de detonarem uma explosão atômica perto do Japão, visando assustar o imperador Hirohito e levá-lo a uma rendição rápida. Os militares vetaram a ideia, convencidos de que não seria o bastante para pôr fim à guerra.
De acordo com Yaakov, o plano israelense recebeu o codinome de Shimshon, ou Sansão, devido ao herói bíblico homônimo, dotado de força imensa. A estratégia israelense de dissuasão nuclear é descrita há muito tempo como a “opção de Sansão”, porque o Sansão bíblico derrubou o telhado de um templo filisteu, matando seus inimigos mas morrendo também. Yaakov contou que temia que se Israel levasse adiante a explosão nuclear demonstrativa em território egípcio, ele e os integrantes de sua equipe de comandos também morreriam.
Professor do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais, em Monterey, e autor de “Israel and the Bomb” e “The Worst-Kept Secret”, Cohen disse que a demonstração atômica teria o objetivo de “oferecer ao primeiro ministro uma opção última, se todas as outras fracassassem”. Cohen, que nasceu em Israel e se formou em parte nos Estados Unidos, ampliou as fronteiras da discussão pública sobre um tema mantido sob forte sigilo: como, na década de 1960, Israel se tornou uma potência nuclear não reconhecida como tal.
Na segunda feira o Projeto de História Internacional da Proliferação Nuclear, do Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos, em Washington, do qual Cohen é membro global, vai lançar em um site especial na internet uma série de documentos ligados ao plano atômico.
O projeto mantém um arquivo digital de seu trabalho, conhecido como a Coleção Avner Cohen. (O orçamento proposto pelo presidente Donald Trump prevê o fim de quaisquer verbas federais para o centro, que o Congresso criou como memorial vivo a Woodrow Wilson.)
Cohen disse que formou um relacionamento com Yitzhak Yaakov depois de publicar “Israel and the Bomb”, em 1998. Ele entrevistou o general durante horas no verão e outono de 1999 e no início de 2000. As entrevistas foram feitas em hebraico e na área central de Manhattan, onde Yaakov vivia.
As entrevistas revelam como, no início dos anos 1960, Israel entendeu que precisava de um programa acelerado para construir a bomba atômica. Em 1963, Yaakov, que acabava de ser nomeado coronel e tinha diplomas de engenharia do Massachusetts Institute of Technology e do Technion, o Instituto de Tecnologia de Israel, tornou-se o oficial sênior de contatos entre as Forças de Defesa de Israel e as unidades de defesa civil do país, incluindo o projeto de construção de uma bomba atômica.
Conforme o relato de Yaakov, em maio de 1967, quando a tensão com o Egito cresceu devido à decisão egípcia de fechar o estreito de Tiran, entre o golfo de Ácaba e o mar Vermelho, Yaakov estava a meio mundo de distância, fazendo uma visita à RAND Corporation, na Califórnia. Ele foi convocado de volta a Israel às pressas. Com a visão clara de que a guerra era iminente, disse Yaakov, ele idealizou, redigiu e promoveu um plano de detonar um artefato nuclear no esparsamente povoado deserto oriental do Sinai, para servir como uma demonstração de força.
O local escolhido para a explosão proposta foi um pico de montanha a 20 quilômetros de um complexo militar egípcio em Abu Ageila, uma encruzilhada crítica onde, no dia 5 de junho, Ariel Sharon comandou tropas israelenses em uma batalha contra os egípcios (mais tarde Sharon se tornaria primeiro ministro, morrendo em 2014).
Se fosse ativado por ordem do primeiro ministro e do chefe do Estado Maior militar, o plano seria enviar uma pequena força de paraquedistas para atrair o exército egípcio para a área desértica, para que uma equipe pudesse fazer os preparativos para a explosão atômica. Dois helicópteros grandes pousariam, levariam o artefato nuclear e então criariam um posto de comando em um cânion ou margem de riacho nas montanhas. Se fosse recebida a ordem de detonar o artefato, a explosão ofuscante e a nuvem em formato de cogumelo seriam vistos em todas as partes dos desertos do Sinai e Negev, possivelmente até mesmo no Cairo.
Yaakov descreveu um voo de reconhecimento que fez de helicóptero com Israel Dostrovsky, o primeiro diretor geral da Comissão Israelense de Energia Atômica, o braço civil do programa nuclear. O helicóptero foi obrigado a dar meia volta quando os pilotos souberam que jatos egípcios estavam decolando, possivelmente para interceptá-lo.
“Chegamos muito perto”, Yaakov se recordou. “Vimos a montanha e vimos que haveria lugar para nos escondermos ali, em algum cânion.”
Yaakov contou que na véspera da guerra foi consumido pelas mesmas dúvidas que angustiaram os cientistas americanos durante o Projeto Manhattan. A bomba explodiria? Ele sobreviveria à explosão? Ele nunca chegou a descobrir as respostas. Israel derrotou três exércitos árabes, conquistou território quatro vezes maior que sua área original e tornou-se a maior potência militar da região, usando apenas armas convencionais.
Mesmo assim, Yaakov continuou a fazer lobby por uma demonstração atômica que deixasse claro o novo status de Israel como potência nuclear.
Mas a ideia não deu em nada. “Até hoje ainda acho que deveríamos ter feito a explosão”, ele disse a Avner Cohen.
Tradução de Clara Allain
FONTE: Folha de São Paulo