Por Carlos Eduardo De Franciscis Ramos, Hélio Caetano Farias e Carlos Frederico Coelho
A ação militar ordenada pelo presidente dos EUA que levou à morte do general iraniano Qassim Suleimani foi o último e mais grave ato de uma série de ações entre os países que remonta, no seu estágio de conflito mais recente, à intervenção militar levada a cabo pelos EUA no Iraque após 11 de setembro de 2001.
Suleimani, desde 1998 comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária do Irã, obteve sucesso na construção de redes de apoio ao Irã no Oriente Médio, especialmente na Síria e Iraque. Quase sempre, este sucesso se opunha aos interesses dos EUA na região.
Com a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, a política de contenção conduzida por Barack Obama, que gerou o Plano de Ação Conjunto em 2015, deu lugar ao que foi chamado de Política de Pressão Máxima, que por sua vez, encontrou no Irã uma Política de Máxima Resistência. O ponto nevrálgico da política de Trump: sanções econômicas duríssimas, que incluíram, a partir de abril de 2019, a proibição de exportação do petróleo iraniano para o exterior.
Desde então, o governo iraniano vem, estrategicamente, tomando ações em prol do desenvolvimento do seu programa nuclear, que contradizem os compromissos no Plano de Ação Conjunto. O Irã recebeu especial atenção da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, publicada em dezembro de 2017, documento no qual é mencionado 17 vezes, atrás apenas de China (33) e Rússia (25). No mesmo documento, o governo americano denota que irá trabalhar com seus aliados para negar ao regime iraniano qualquer caminho para uma arma nuclear assim como trabalhará para neutralizar o que chama de influência maligna iraniana.
Ainda em abril de 2019, Trump designou a Guarda Revolucionária Iraniana e, por consequência, sua Força Quds, como uma organização terrorista estrangeira, importante ação que parecia já preparar o terreno para o que aconteceria meses depois. Um dos critérios para receber a referida designação é que as ações da organização em questão devem ameaçar a segurança de nacionais dos EUA ou a segurança nacional do país. Portanto, importante ressaltar, desde já, que a morte de Suleimani é, inequivocamente, uma gravíssima escalada das tensões já existentes, mas dentro destas deve estar contextualizado.
Nos parece absolutamente precipitada a noção de que uma 3ª Guerra está à espreita. A história e o conhecimento do desenvolvimento dos conflitos armados nos permitem prever alguns cenários com razoável objetividade. Primeiramente, é importante ressaltar que a vingança prometida pelo governo iraniano em função da morte de um dos seus mais importantes componentes muito dificilmente tomará a forma de uma guerra convencional entre os dois países, em razão da profunda assimetria militar entre eles. Em suma, a capacidade bélica dos EUA é um poderoso instrumento dissuasório deste caminho.
O recrudescimento das ações dos grupos apoiados pelo Irã no Iraque é não só possível, como provável. Nesse caso, é importante a lembrança de que o atual presidente dos EUA foi um crítico contumaz da intervenção americana em território iraquiano. Portanto, temos o envio maciço de tropas ao país como improvável. Tanto a política americana para o Iraque quanto para a Síria apontam como as maiores vulnerabilidades do país após a ação contra Suleimani.
O futuro do programa nuclear iraniano pode servir como o melhor termômetro da instabilidade que se avizinha, pois tem o condão de atrair outros países para a questão, em especial Israel, que, assim como os EUA, já deu diversas demonstrações públicas de que não aceitará um Irã com capacidade militar nuclear. Parece razoável inferir que o governo iraniano irá testar seus adversários com sucessivos movimentos, públicos e clandestinos, em prol do seu programa nuclear.
O Estreito de Ormuz, por onde passa aproximadamente um sexto da produção mundial de petróleo e um terço da produção de gás natural liquefeito, é outro candidato natural à maior instabilidade e aumento de ataques do passado, em razão de sua profunda importância para a economia mundial.
Finalmente, o posicionamento de outros atores definirá a probabilidade – que desde já julgamos como remota – da mundialização do conflito. Aqui cabe a lembrança que, desde 1945 e o consequente “equilíbrio do terror”, tornou-se improvável um conflito em escala mundial. Não há nenhuma modificação nessa condição estrutural. Não se pode afastar, todavia, a possibilidade de alianças isoladas e não-declaradas em ações de cunho híbrido, como por exemplo, em ações cibernéticas.
A assimetria entre as partes envolvidas, combinada ao mais frequente uso de ações tidas como híbridas, nos leva a crer que o agravamento do conflito gerado pela morte de Suleimani deve ganhar, no pior cenário, contornos regionais, com aumento da instabilidade econômica mundial relativa aos preços do petróleo. Em muitos aspectos, podemos estar a ver como se combatem conflitos armados no século XXI.
Sobre os autores:
Carlos Eduardo de Franciscis Ramos é Coronel de Infantaria, coordenador Geral do Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV), Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)
Hélio Caetano Farias é professor doutor, coordenador da área de Geopolítica do Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV), Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Militares (PPGCM) da ECEME
Carlos Frederico Coelho é professor doutor, coordenador da área Segurança Pública e Crime Organizado Internacional do Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV), Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Militares (PPGCM) da ECEME
FONTE: O Estado de S.Paulo