Interoperabilidade é fundamental para operar em ambiente multinacional

O Vice-Almirante (FN) do Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil Paulo Martino Zuccaro, comandante da Força de Fuzileiros da Esquadra, disse que é um prazer para o Brasil ser sede da Operação UNITAS Amphibious 2019 Foto: MB

Por Marcos Ommati

A Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE) faz parte do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil (MB) e tem sua origem após a Segunda Guerra Mundial, uma vez que a MB viu a necessidade de se estabelecer como uma força moderna com capacidade anfíbia. A FFE participou das atividades que envolveram a segurança da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016, além de outros eventos de porte realizados no Brasil em anos recentes, principalmente utilizando as capacidades do Batalhão Tonelero, a unidade de forças especiais do Corpo de Fuzileiros Navais. Para conversar sobre este e outros temas, Diálogo conversou com o Vice-Almirante (FN) do Corpo de Fuzileiros Navais da MB Paulo Martino Zuccaro, comandante da FFE.

 

Diálogo: Os grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, entre outros, deixaram um legado inegável em termos de material para as Forças Armadas brasileiras, de um modo geral. Há um planejamento de uma continuidade no investimento da capacitação das forças especiais da Marinha do Brasil especificamente?

Vice-Almirante (FN) Paulo Martino Zuccaro: Os grandes eventos ocorridos no Brasil nos últimos anos levaram a um forte investimento em equipamentos e pessoal para contraposição a ameaças de caráter terrorista. Isso acabou beneficiando diretamente todas as tropas brasileiras de operações especiais, assim como também de defesa nuclear, biológica, química e radiológica. Foram muito enfatizadas em todo o sistema de segurança que foi montado no Brasil para esses grandes eventos. Naturalmente, todas as outras aplicações do poder militar brasileiro, todas as outras vertentes, também foram devidamente reforçadas e aquinhoadas com seus meios e em suas devidas prioridades. Mas eu apontaria essas duas como aquelas que foram mais beneficiadas e receberam a maior atenção. Assim sendo, em que pesem as dificuldades orçamentárias que nós temos vivenciado, é certo que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para conservar os ganhos auferidos e mesmo ampliá-los, se possível.

Diálogo: O Brasil foi sede da UNITAS Amphibious 2018. O senhor pode fazer um balanço desse exercício e explicar um pouco do que se trata?

V Alte Zuccaro: Foi uma grande honra para nós. Entretanto, quero recordar que, na verdade, nós, este ano [2018], sediamos o Tabletop Exercise, porque no próximo ano, com ainda mais alegria, com ainda mais orgulho, receberemos a fase do exercício no terreno propriamente dito. Então aí teremos, ainda em data a ser acordada, mas possivelmente em agosto ou no mais tardar setembro de 2019, a realização da operação.

Foi muito prazeroso termos aqui os representantes dos mais diversos níveis e dos países participantes. Eles fizeram o seu planejamento e tiveram a oportunidade de conduzir o chamado exercício de mesa. Essa operação está no contexto do emprego de uma força multinacional, em uma situação de resposta a um desastre de natureza climatológica, no caso uma ocorrência de um furacão de grandes proporções. Todas as consequências nefastas por ele deixadas serão mitigadas com o emprego dessa força multinacional, de forma rápida e emergencial, até que outras organizações e outros meios possam ser mobilizados para a continuação dessa resposta a uma grande crise humanitária.

É um tema de razoável probabilidade de ocorrência. Vale lembrar que a região do Caribe e da América Central efetivamente é alvo constante de furacões, assim como todo o nosso continente pode, eventualmente, sofrer outros tipos de desastres naturais. Certamente, nesses cenários, a velocidade na resposta é decisiva, porque se diminui a letalidade do evento a partir do momento em que se coloquem disponíveis estruturas logísticas, de apoio médico, comando e controle, para que se possa não apenas prover esse apoio imediato, mas também ordenar o espaço a ser atendido. Até porque, na ausência de um controle maior, a área afetada tende a se conformar como um espaço caótico.

Portanto, a presença dessas estruturas de comando e controle, de abastecimento de materiais e itens de primeira necessidade e também de todo o apoio médico que, certamente, será necessário, configura uma adequada primeira resposta ao evento. Nessas situações, também é normal que ocorram episódios de emprego da força em ambiente de desordem, no caso de haver saques ou agressões. Vamos lembrar que se trata de uma população submetida a uma condição de descontrole total, onde faltarão os parâmetros de convivência humana em situação de normalidade. Numa situação como essa, podem surgir grupos armados, podem surgir ameaças à prestação de todo esse apoio. Desta forma, além do apoio a ser proporcionado, há que existir, também, um certo nível de força para se contrapor a essas ameaças. Tudo isso estará sendo treinado na Operação UNITAS Amphibious 2019, onde mais uma vez teremos o prazer de receber as nações irmãs para esse grande exercício.

Diálogo: Pode mencionar outros exercícios conjuntos do Brasil com outros países da região e com os Estados Unidos?

V Alte Zuccaro: A Marinha do Brasil tem uma parceria já muito forte e antiga com os Estados Unidos. Aponto, inclusive, um caso recente, porque recém terminou [na primeira semana de outubro de 2018]: a Operação Formosa. Este é um grande exercício do Corpo de Fuzileiros Navais que a Força de Fuzileiros da Esquadra realiza no Planalto Central, na localidade de mesmo nome, Formosa, bastante próxima à capital do país, Brasília. Naquele local, graças à cessão de um belíssimo campo de instrução do Exército Brasileiro, nós realizamos uma operação de grande porte, simulando o emprego de uma brigada anfíbia com todos os seus elementos de combate, apoio ao combate e apoio de serviços ao combate. Estiveram presentes no exercício alguns fuzileiros navais do United States Marine Corps [Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA], tanto oficiais como praças, que conviveram conosco durante todo o período da manobra, e eles foram colocados nos diversos batalhões e companhias, onde puderam praticar suas próprias atividades profissionais. Ou seja, o pessoal de saúde foi destinado à Unidade Médica Expedicionária da Marinha, o pessoal logístico foi colocado no Batalhão Logístico de Fuzileiros Navais, o pessoal oriundo das unidades de combate do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos foi colocado junto ao Batalhão de Infantaria, e assim sucessivamente.

O Batalhão Tonelero, sob o comando do Capitão de Mar e Guerra (FN) Stewart da Paixão Gomes, que participou do exercício com um grande efetivo de operadores especiais, também recebeu dois militares do Paraguai. Mas esse é apenas um exemplo, dentre muitos outros, onde nós temos militares das nações amigas de todo o continente trabalhando conosco ombro a ombro nas nossas atividades. É sempre uma alegria, é sempre uma honra e uma oportunidade de crescimento para nós e para as nações participantes.

Ressalto que a interoperabilidade é sempre um objetivo maior para quem quer operar em ambiente multinacional, e nada como um exercício no terreno, com representantes de todos os países envolvidos, para que a gente possa praticar e incrementar esse que eu considero um dos principais requisitos para o sucesso de uma operação de caráter multinacional.

Relembro que o Brasil sempre emprega suas Forças Armadas em situação de total legalidade e legitimidade. Isto posto, em qualquer situação diferente de sua aplicação para a preservação da nossa soberania, onde quer que seja necessário, em outros tipos de operações, nós primaremos por seu emprego em ambiente multinacional, sob a égide de organizações internacionais. Por isso, nós valorizamos e damos grande importância a essas oportunidades de treinamento com forças das nações amigas.

Diálogo: O senhor mencionou o Batalhão Tonelero. Qual a importância de se ter uma unidade de operações especiais como é o Batalhão Tonelero, subordinado à Força de Fuzileiros da Esquadra?

V Alte Zuccaro: O Batalhão Tonelero, inicialmente, não era subordinado à Força de Fuzileiros da Esquadra. Eu acho que foi uma mudança que não aconteceu apenas aqui, mas seguiu uma tendência mundial de valorização das operações especiais. Ao longo das últimas décadas, foi verificada a importância, a versatilidade e o enorme potencial que possui uma tropa altamente especializada, capaz de realizar tarefas em condições muito difíceis. Então, esse potencial foi identificado como sendo mais propriamente vinculado ao comando das grandes forças do que a uma espécie de apoio ao combate, como outrora era considerado.

Essa associação mais direta entre os elementos de operações especiais ao comando das forças teve como consequência natural, na Marinha do Brasil, a colocação do Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais em subordinação direta à Força de Fuzileiros da Esquadra. O processo foi esse e, de fato, esse enorme potencial operativo pode ser explorado com mais intensidade em objetivos de maior vulto, efetivamente de comando de força, mais do que em apoio às unidades de manobra.

Essa versatilidade permite o emprego dos elementos de operações especiais em toda a miríade de operações e ações previstas na nossa doutrina. Eu lembro que no caso brasileiro, mais especificamente na Doutrina Militar Naval, estão previstas operações de guerra naval, operações de emprego limitado da força e atividades benignas. O Corpo de Fuzileiros Navais participa da grande maioria dessas operações e atividades e eu diria que, em praticamente todas elas, há espaço para emprego de pessoal e meios de operações especiais.

FONTE: Revista Diálogo

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