Por Kim Sengupta
À medida que o Kremlin mostra as suas capacidades militares na Síria, os líderes da OTAN estão tendo que fazer uma reavaliação.
Os equipamentos e estratégias de seu exército estavam “fora de moda”; As bombas e mísseis da sua força aérea eram “mais burras do que inteligentes”; sua marinha era “mais ferrugem do que metal”. Durante décadas, esta foi a opinião dos líderes militares ocidentais, mergulhados na condescendência, de seus homólogos russos. O que eles viram na Síria e na Ucrânia veio como um choque.
Jatos militares russos, a todo o momento, vem realizando mais surtidas em um dia na Síria do que a coalizão liderada pelos EUA fez em um mês. A marinha russa lançou mísseis balísticos do Mar Cáspio, há 900 milhas de distância de seus alvos, e manteve linhas de abastecimento até a Síria. As defesas antiaéreas instaladas pelos russos na Síria e no leste da Ucrânia tornaram extremamente perigoso para o Ocidente realizar ataques contra o regime de Assad ou aos separatistas ucranianos.
O tenente-general Ben Hodges, comandante do exército dos EUA na Europa, descreveu os avanços russos em guerra eletrônica na Síria e na Ucrânia – um campo em que supostamente os russos estariam ultrapassados – como “de trazer lágrimas aos olhos”.
O chefe de operações da Força Aérea dos EUA na Europa e na África, o tenente-general Frank Gorenc, revelou que Moscou está agora implantando sistemas antiaéreos na Crimeia, que o Kremlin anexou da Ucrânia no ano passado, e em Kaliningrado, um enclave entre a Lituânia e a Polônia . Ele está fazendo isso, diz ele, de uma maneira que faz com que fique “muito, muito difícil” para os aviões da Otan obterem acesso com segurança para algumas áreas, incluindo partes da Polônia.
Mas não são apenas os países membros da OTAN que assistem os russos com preocupação. Israel, também, vê o acúmulo de armamento russo em sua fronteira norte na Síria e se pergunta onde tudo isso vai acabar. Sua apreensão é que o equipamento avançado, já in situ no Oriente Médio vai acabar com o Irã, visto como uma ameaça existencial para o Estado judeu, ou com outros países árabes, minando, assim, a superioridade aérea que é principal vantagem de Israel sobre seus vizinhos.
É esta força militar que está a impulsionar os triunfos estratégicos do presidente Vladimir Putin. Sua intervenção na Síria foi uma virada de jogo e o que acontece lá agora reside, em grande medida, nas suas mãos. O conflito com a Ucrânia está semi-congelado, em seus termos. Os russos estão aliando-se com os curdos, não se incomodando com a raiva turca que isso provoque. E, fundamentalmente, eles agora estão voltando para o Egito de uma forma que não se via há 44 anos, desde que foram expulsos pelo presidente Anwar Sadat.
Um dos analistas mais experientes na inteligência militar israelense disse ao The Independent em Tel Aviv na semana passada: “Qualquer um que queira algo feito nesta região está indo a caminho de Moscou.”
Putin aprecia isso, salientando a importância do Ocidente em ver “pela primeira vez que essas armas existem, que são de alta qualidade, e que temos pessoas bem treinadas e que podem colocá-las em uso efetivo. Eles já viram, também, que a Rússia está pronta para usá-las se isso for do interesse do país e de nosso povo”.
Na Síria, os russos estão realizando muito mais ataques aéreos por dia, até 96, do que a coalizão liderada pelos EUA tem realizado em um mês. Esse é um contraste marcante, os planejadores militares ocidentais têm observado, para a rapidez com que a Otan começou a sentir a pressão quando começou a bombardear a Líbia e Kosovo.
Uma das razões para a escassez de missões da coalizão é que os membros de Estados sunitas estão realizando quase nenhuma missão, concentrando-se sobre os rebeldes Houthi apoiados pelo Irã no Iêmen. Operações por parte da Turquia, entretanto, têm sido esmagadoramente contra os curdos em vez do ISIS.
Autoridades de defesa ocidentais também alegam que os russos estão atacando outros grupos rebeldes sob o pretexto de atacar o ISIS e que eles são mais indiscriminados em sua segmentação, porque eles são menos sensíveis a qualquer evidência de mortes de civis e por causa da falta de armas guiadas com precisão.
Mas a Rússia nunca prometeu que ia atacar somente o ISIS. Em vez disso, ela declarou que “todos os terroristas” seriam visados. Isso, convenientemente para Putin e Bashar al-Assad, incluiu grupos rebeldes mais moderados. A experiência das guerras chechenas mostraram que o Kremlin está, de fato, mais preparado para livrar-se de “danos colaterais” do que o Ocidente. Também é verdade que não haviam bastante bombas guiadas e mísseis russos na primeira etapa da missão na Síria: a reivindicação de Moscou que utilizou armas de precisão por si só não resiste a uma análise.
Os aviões, mísseis e bombas utilizados na primeira parte foram uma mistura de antigos, que datam da era soviética, e relativamente novos. Há 34 aeronaves de asa fixa com base em Latakia: 12 Su-25 e 4 Su-30SM; 12 envelhecidos Su-24M2 e seis Su-34. Há também helicópteros e um número indeterminado de drones.
No entanto, o mais avançado deles, o Su-34, codinome Fullback pela Otan, foi substituindo aeronaves mais antigas. Uma razão para isso é que as aeronaves, como o Su-25, um veterano das guerras na Chechênia e Geórgia, são vulneráveis a MANPADS – mísseis superfície-ar disparados do ombro – que Moscou suspeita que os turcos e os sauditas estejam fornecendo aos rebeldes sunitas.
A introdução pelo Kremlin de sistemas de defesa aérea avançados ganhou impulso desde a derrubada de um avião russo pelos turcos. O sistema S-400 Triumf é fonte de grande preocupação israelense, se cair em “mãos erradas”. Ele tem um antena de radar que monitora continuamente os céus, e uma bateria de mísseis que podem abater alvos a até 250 milhas de distância. E na disposição em que está posicionado na base russa, na Latakia, ele cobre a metade do espaço aéreo israelense.
A utilização dos equipamentos de guerra eletrônica russa na Ucrânia e na Síria, como o Krasuha-4 que pode até mesmo interferir em sistemas de radar AWACS e em comunicações por satélite, foi outra experiência decepcionante para a OTAN. Ronald Pontius, chefe-adjunto do comando cibernético do exército dos EUA, declarou: “Você não pode deixar de chegar à conclusão de que não estamos fazendo progressos no ritmo em que as ameaças demandam”.
Gen Gorenc, enquanto lamenta a proliferação da Rússia e se preocupa com as capacidades da OTAN, reconheceu que a Rússia não estava quebrando nenhum acordo internacional e que “tem todo o direito” para implementar esses sistemas. Na Síria, ele disse, os russos estavam usando “mísseis de cruzeiro, bombardeiros. É claro que eles estão querendo mostrar a capacidade que eles têm de afetar não apenas os eventos regionais, mas os eventos em escala mundial”.
Esse, de fato, é o ponto. A questão para o Ocidente é se ele vai reagir e começar um novo capítulo de confronto com Moscou, ou uma maior acomodação.
TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO:Junker
FONTE: The Independent