Por Martin Wolf
Apesar de a economia chinesa ter registado um crescimento extraordinário, a sua dimensão continua aquém da economia dos EUA e, claro, do somatório das economias americana e japonesa.
Como poderemos manter uma economia global aberta e, ao mesmo tempo, gerir tensões entre uma autocracia em ascensão e democracias em relativo declínio económico? Eis a questão que se colocou em finais do século XIX com a entrada em cena da Alemanha imperial, potência económica e militar da Europa. Exactamente a mesma pergunta que fazemos actualmente perante a ascensão da China. Hoje, como então, as acções da potência emergente trazem consigo o risco de conflito. Sabemos como essa história terminou em 1914, mas qual será o desfecho desta, um século depois?
A decisão de Pequim de criar uma “zona de identificação de defesa aérea no mar da China Oriental” – que abarca as águas territoriais das ilhas Senkaku/Diaoyu, alvo de disputa entre o Japão e a China – é, sem dúvida, provocadora. O que pode acontecer se houver um confronto entre aviões militares chineses e japoneses? Os sinais são mistos, como é habitual nestas situações. Além disso, os EUA mantêm uma atitude ambígua, o que aumenta o risco de conflito.
Acontecimentos aparentemente menores podem ganhar proporções catastróficas. O actual presidente chinês, Xi Jinping, é um nacionalista assertivo, epíteto que também se aplica a Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês. A isto acresce o facto de os EUA estarem obrigados por tratado a defender o Japão em caso de ataque, o que amplia ainda mais as probabilidades de um conflito.
O que levaria o presidente chinês a desencadear tal acção? Para o observador desinteressado, os ganhos de controlar um punhado de rochedos desabitados são largamente esmagados pelos riscos de conflito que daí adviriam para a China, país que introduziu recentemente complexas reformas econômicas, está profundamente embrenhado na economia global e ainda tem um longo caminho a percorrer até atingir uma das suas principais metas: tornar-se um país de rendimento elevado.
Na opinião de peritos militares, a China perde se entrar em conflito directo. Apesar de a economia chinesa ter registado um crescimento extraordinário, a sua dimensão continua aquém da economia dos EUA e, claro, do somatório das economias americana e japonesa. Acima de tudo, quem controla o mar são os EUA. O que significa que, em caso de conflito, Washington pode suspender o comércio internacional com Pequim. Tal como pode reter boa parte dos activos líquidos que a China detém no estrangeiro. As consequências económicas seriam devastadoras para o mundo inteiro, mas sê-lo-iam mais nefastas para a China do que para os EUA e seus aliados.
Importa não esquecer que a China é uma enorme potência excepcionalmente aberta, com um rácio comércio/PIB superior ao do Japão e dos EUA, mas que, devido à escassez de recursos naturais, é obrigada a importar grande parte das matérias-primas que alimentam o seu crescimento. Embora os progressos tecnológicos sejam assinaláveis, continua mais dependente do ‘know-how’ e do investimento directo estrangeiro do que o resto mundo das suas competências. Um conflito poderia obrigar muitas empresas ocidentais e japonesas a deslocar a sua produção para paragens mais seguras, colocando em risco as suas reservas em moeda estrangeira, equivalentes a 40% do PIB.
A China não está interessada num conflito. Os ganhos, quer ao nível da interdependência comercial e económica quer geoestratégica, seriam marginais. Porém, a História ensinou-nos que as fricções entre statu quo e potências revisionistas pode muito bem levar a um conflito, por mais ruinosas que as consequências possam ser.
FONTE: Económico