Por Guillermo Saavedra
A China está pressionando novamente a Argentina para construir uma base naval em Ushuaia, província de Terra do Fogo, o que significaria abrir as portas da Antártica para Pequim. A base militar permitiria que a China controlasse a passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico e monitorasse as comunicações em todo o hemisfério, em uma interferência clara e generalizada do país asiático em assuntos internacionais, informou o site francês Intelligence Online.
“Uma eventual base chinesa em Ushuaia permitiria a Pequim ter um enclave permanente no hemisfério sul, com projeção para o Atlântico Sul que, dependendo das condições negociadas com a Argentina, poderia permitir a construção de instalações, assim como a presença de unidades navais e contingentes militares neste quadrante. A China poderia interceptar todos os tipos de comunicações regionais com um claro impacto econômico e estratégico, além de obter o potencial de manter o monitoramento permanente do trânsito marítimo”, disse à Diálogo Alberto Rojas, diretor do Observatório de Assuntos Internacionais da Universidade Finis Terrae, do Chile, em 28 de novembro.
As negociações estão sendo conduzidas por Shuiping Tu, um funcionário do Partido Comunista Chinês (CCP), com sede na Argentina, e representante da empresa estatal HydroChina Corp na América do Sul, informou Intelligence Online. Shuiping Tu teria conseguido persuadir o governador de Terra do Fogo, Gustavo Melella, a mudar sua posição sobre os investimentos chineses na província, relata Intelligence Online.
No contexto geopolítico, a presença de uma base chinesa na América do Sul poderia ser interpretada como um importante movimento estratégico de Pequim. “O projeto do Cinturão e da Rota (BRI), anunciado pela China em 2013, procura ter uma projeção clara para esta área do continente”, adverte Rojas. “E se essa base em Ushuaia se concretizar, ela poderia se tornar a primeira de muitas outras, tanto na costa do Atlântico, como do Pacífico, ou na costa andina”.
O BRI foi promovido como uma “estratégia de desenvolvimento de infraestrutura global e cooperação internacional”, para permitir o envolvimento da China no financiamento e na construção de infraestrutura, a fim de montar uma ampla comunidade de interesses compartilhados na Ásia, África e América Latina. Na realidade, porém, procura aumentar o domínio e o controle chinês sobre os países em desenvolvimento, acrescentou Rojas.
Um estudo de AidData, um laboratório de pesquisa do Instituto de Pesquisa Global da Faculdade de William and Mary, na Virgínia, que analisou durante 18 anos 13.427 projetos apoiados pela China em 165 países, no valor de US$ 843 bilhões, aclara as intenções de Pequim. O estudo constatou que um número crescente de projetos apoiados pela China foi suspenso ou cancelado desde o lançamento do BRI, com provas de “remorso do comprador”, em países tão distantes quanto Cazaquistão, Costa Rica e Camarões, por preocupações quanto à corrupção, violações trabalhistas, poluição ambiental e protestos públicos, informou Reuters.
“Um número crescente de legisladores em países de baixa e média renda está suspendendo projetos do BRI de alto perfil, devido a preocupações quanto a preços excessivos, corrupção e sustentabilidade da dívida”, disse Brad Parks, um dos autores do estudo AidData, a Reuters. As mudanças importantes no sentimento do público dificultam que os países participantes mantenham relações próximas com Pequim, acrescentou Parks.
A China tem atualmente três enclaves operacionais no exterior, sendo o mais conhecido o de Djibuti, na África Oriental, que nasceu do combate aos piratas somalis que atacavam navios de carga que circulavam no Golfo de Aden. Isto lhe permite uma presença estratégica e permanente na rota que conecta o Mar Vermelho ao Oceano Índico.
“Há também a base naval de Ream, em Camboja, onde a China tem uma importante projeção na área do sudeste asiático, e um alto nível de autonomia dentro e ao redor da base, ao ponto de já ter construído um novo porto”, acrescentou Rojas. “E há a base em Tadjikistan, em construção na região autônoma de Gorno-Badakhshan, que faz fronteira com a China e o Afeganistão, com a qual Pequim está procurando reforçar sua presença na Ásia Central.”
Além disso, a China tem uma base espacial em Neuquén, Argentina. “Eu vejo assim: estas são instalações de um governo autoritário, que não permite o acesso dos argentinos a elas, exceto se eles estiverem de visita”, disse a General de Exército Laura Richardson, Comandante do Comando Sul dos EUA em 27 de abril.
“O que eles estão fazendo? Eles (China) não têm as mesmas preocupações que nós em termos de liberdade e de um hemisfério ocidental livre, seguro e próspero”, concluiu a Gen Ex Richardson. “Isso me preocupa. E é dirigido por uma empresa do Estado e pelo Exército Popular da China. Para que estão usando essas instalações?”.
FONTE: Diálogo