Por Nuno Sá Lourenço
O mais antigo submarino no ativo da OTAN fez sua última comissão essa semana. Caso para dizer: “Bravo Zulu.” Código para: “Bom trabalho.”
“A rara oportunidade de atacar um porta-aviões deve ter-vos feito ganhar o dia. Bravo Zulu [código para trabalho bem feito] e boa viagem.” Foi esta a mensagem que o contra-almirante responsável pelo comando regional do Atlântico Norte da NATO (Cinciberlant) fez chegar ao submarino português Barracuda, em Maio de 1983, depois de este ter simulado com sucesso um ataque ao poderoso porta-aviões norte-americano USS Eisenhower.
O episódio do afundamento virtual de um porta-aviões nuclear da Marinha norte-americana faz parte da rica história do último submarino da classe Albacora, que anteontem regressou da sua última viagem ao mar.
A viagem simbólica em águas portuguesas foi apadrinhada pelo chefe de Estado-Maior da Armada, o almirante Fernando José Ribeiro de Melo Gomes, que embarcou em Setúbal. O submarino Barracuda será substituído este ano pelos novos submarinos de fabrico alemão Tridente e Arpão.
Quando, em Outubro de 1968, entrou ao serviço da Armada, a sua vida útil prevista era de 25 anos. Em 2010, fará 42 anos de vida operacional. É o submarino mais antigo de todas as marinhas de guerra da OTAN. Prepara-se agora para iniciar uma nova vida enquanto museu, em Cascais. Mas já muito antes se tornara uma lenda entre os militares.
O encontro com o Eisenhower foi o corolário de um momento que simboliza o alcance e perigo que uma arma submarina representa. E ainda o empenho e profissionalismo dos marinheiros portugueses, capazes de extrair o máximo de resultados de equipamentos obsoletos. A Revista da Armada e o blogue Barco à Vista, um espaço dedicado à Marinha Portuguesa, relatam este e outros momentos marcantes do Barracuda.
Foi um clássico David contra Golias. Um submarino de uma pequena Marinha, que na altura estava já datado, com 57 metros de comprimento, com uma velocidade máxima de 16 nós (30 km/h), conseguia afundar virtualmente um porta-aviões da mais imponente armada do mundo, com mais de 300 metros de comprimento, capaz do dobro da velocidade e incomensurável superioridade de poder de fogo.
Aconteceu nas proximidades do Estreito de Gibraltar, quando o Barracuda participava em mais um exercício da OTAN. A sua missão era fazer uma barreira de oposição a um grupo de navios de superfície que deviam tentar furar o bloqueio e entrar no Mediterrâneo.
Ao mesmo tempo, o Eisenhower seguia para o Mediterrâneo para render um Carrier Battle Group que aí patrulhava. O Barracuda interceptou as comunicações do grupo de batalha de porta-aviões Eisenhower. Com o porta-aviões nuclear seguiam dois cruzadores, dois navios de protecção antiaérea e pelo menos um contra-torpedeiro.
Assim que o então comandante Brites Nunes percebeu que o Battle Group norte-americano ia atravessar a área de patrulha atribuída ao Barracuda decidiu avançar. Aproveitando as zonas de sombra dos sonares dos navios de escolta do Eisenhower, o Barracuda manobrou sem ser detectado para baixo do porta-aviões. Chegou a navegar por baixo do Eisenhower, seguindo o mesmo rumo, o que lhe permitiria, numa situação real, um ataque com os seus torpedos. Foi depois de ter enviado uma missiva à Cinciberlant relatando os seus atos que recebeu a mensagem de parabéns.
Regime de cama quente
Em Dezembro do ano passado, a revista francesa Mer et Maritime visitou o submarino a propósito de uma viagem de despedida a Nantes, onde se localiza o estaleiro onde foi construído. Chamou-lhe “uma máquina de navegar no tempo”.
É propulsionado por dois motores a diesel de 1300 cavalos e outros dois eléctricos de 1600 cavalos. Tem autonomia para 31 dias no mar, pode mergulhar até aos 300 metros e conta com uma guarnição de 56 homens.
Herdeiro dos submarinos da II Guerra Mundial, as condições a bordo são espartanas. Apenas o comandante tem direito a uma cabine. A restante guarnição tem de se contentar com o regime de cama quente. Vão-se revezando por turnos em pequenos beliches. E como as reservas de água são limitadas, a guarnição não pode tomar banho durante uma missão. A solução encontrada pelos submarinistas é limparem-se com toalhitas de bebé… Ou melhor: foi assim até à sua última viagem.
No seu currículo, o Barracuda tem 47 mil horas de navegação, percorreu cerca de 800 mil milhas, o equivalente a 36 voltas ao mundo, e fez mais de 300 missões.
Momentos de susto
O Barracuda fez parte de uma encomenda de quatro submarinos feita pelo Estado português aos estaleiros franceses Dubigeon, de Nantes. O Cachalote foi vendido ao Paquistão em 1975. O Albacora e o Delfim foram desarmados em 2000 e 2005. Todos os três se transformarão em museus, nomeadamente em Cascais, Viana do Castelo e Alfeite.
Dos 25 submarinos da classe Daphné que os estaleiros franceses construíram para as marinhas francesa, espanhola, paquistanesa e sul-africana, apenas o Barracuda ainda navegava.
É também o único submarino português responsável por um afundamento. Em Dezembro de 1982 lançou um torpedo contra o navio-butaneiro Bandim que se encontrava à deriva e semi afundado a 120 milhas do Cabo Espichel.
O feito extraordinário da longevidade do Barracuda ganha outro relevo quando se olha para a história desta classe de submarinos. Dois dos seus irmãos ao serviço da Marinha francesa desapareceram sem deixar rasto, juntamente com as suas guarnições, no Mediterrâneo: o Minerve, em 1968, e o Eurydice, em 1970.
Apesar do empenho e perícia dos submarinistas portugueses, a Marinha também viveu momentos bem próximos do desespero. Em Setembro de 1973, o comando naval português chegou a pensar que tinha perdido o Barracuda. Durante um exercício da OTAN – o “Quick Shave” – o submarino deixou de enviar as habituais mensagens de segurança. Sucessivas avarias nos transmissores e condições adversas de propagação fizeram com que deixasse de dar sinais de vida durante um largo intervalo de tempo.
A Marinha portuguesa viu-se na contingência de accionar os procedimentos de emergência face ao aparente desaparecimento. Portugal arrancou com uma operação de busca e salvamento, tendo mesmo pedido ajuda às restantes marinhas da OTAN para procurar o submarino. O alívio só surgiu quando o Barracuda atracou na Base Naval do Alfeite.
Mas o maior susto ocorreu em 1994. No final de um exercício militar conjunto com a Marinha britânica, e quando subia para usar o periscópio, o submarino português colidiu num navio mercante em pleno Canal da Mancha. Os danos estruturais na torre do submarino foram graves, mas, ainda assim, o Barracuda conseguiu regressar ao Alfeite.
O Tridente representará um salto gigantesco em termos operacionais para a flotilha de submarinos portuguesa. Enquanto com a classe Albacora o raio de ação se limitava ao Mediterrâneo e Atlântico Norte, com a classe Tridente poderá estender-se até ao mar das Caraíbas, Golfo Pérsico e até oceano Índico.
A grande diferença está no apelidado sistema de propulsão independente do ar. Os motores dos novos submarinos não precisam de oxigênio para funcionar. O Barracuda conseguia permanecer submerso apenas algumas dezenas de horas. O Tridente poderá ficar debaixo de água, no limite máximo, 21 dias. Terá capacidade para produção de água potável. Medindo 65 metros, a velocidade máxima está fixada nos 37 Km/h, necessitando apenas de uma guarnição de 27 homens.
FONTE: publico.pt