Embaixador da Rússia no Brasil desde 2010, Serguêi Akopov, 61, fala com exclusividade à Gazeta Russa sobre a ameaça do EI (Estado Islâmico), parcerias bilaterais no setor espacial e crescimento do turismo entre os países, apesar das dificuldades econômicas atuais.
Gazeta Russa: Moscou anunciou o envio de forças aéreas à Síria para impedir o avanço do EI ao país, após mais de mil cidadãos russos terem sido aliciados pela organização. O quanto isso representa um perigo realmente à Rússia e a outros Brics?
Serguêi Akopov: Na minha opinião, os representantes do movimento terrorista internacional – do qual faz parte não apenas o EI, mas também uma série de outros grupos – sem dúvida representam à Rússia um grande perigo. Milhares de cidadãos russos estão lutando ali e, claro, acredita-se que eles possam retornar à pátria.
Mas é preciso entender que o movimento terrorista representa uma ameaça não apenas à Rússia, mas à humanidade. No caso do Brics, Índia e China, que estão localizadas geograficamente mais próximas à zona de conflito, também estão expostas a um perigo crescente.
A ameaça do terrorismo é a principal razão para o auxílio ao Exército do governo sírio. Na minha opinião, hoje esse é o único meio de resolução do problema. É melhor aniquilar o mal por lá, que esperar que ele bata a sua porta.
O senhor poderia comentar as críticas realizadas quanto à operação militar russa na Síria por parte da presidente brasileira Dilma Roussef, durante visita à Suécia? O ministério dos Negócios Estrangeiros dará resposta oficial ao Brasil? A declaração influirá nas relações bilaterais?
Infelizmente, a imprensa brasileira usa as informações das principais agências de notícias e tira as coisas do contexto. A declaração da presidente foi transmitida de maneira que faz parecer que ela critica a Rússia.
Mas, analisando a entrevista da presidente com atenção, pode-se ver que, na realidade, ela não critica a Rússia. Pelo contrário, de maneira muito diplomática, quem ela critica são os países ocidentais e os EUA por suas ações no Oriente Médio, apesar de não citar concretamente nenhum país.
Em primeiro lugar, as declarações da presidente de que o problema não pode ser resolvido apenas por meios bélicos foi tirada do contexto. Em segundo, essa posição coincide com a russa. Sempre dissemos que a força, sozinha, não resolve nada.
A Rússia realizou alguma consulta ou acordo com outros membros do Brics até o início das operações militares na Síria?
Sim, a Federação da Rússia informou com antecedência os membros do Brics sobre o início das operações militares.
Como anda a intensificação da parceria aeroespacial Brasil-Rússia anunciada já há alguns meses?
O setor espacial é uma das áreas prioritárias de parceria entre Rússia e Brasil, e buscamos um modo de ampliar cooperação. Digo “buscamos” porque é um setor muito caro, que exige fortes investimentos financeiros. Na atualidade, ambos nossos países sofrem uma série de dificuldades econômicas e hoje faltam meios para avançar com esses programas. Apesar de tudo, isso não significa que a cooperação tenha sido colocada no freezer.
É um trabalho complicado, que exige muito tempo e é conduzido entre as agências espaciais. Ambos os lados estão interessados nisso.
Dentre as iniciativas que já existem, está a cooperação com o Brasil no âmbito do sistema de navegação Glonass. O Brasil é o primeiro país da região a instalar uma estação concorrente e terá ainda outras.
O que o Brasil ganha com a instalação dessas estações em seu território?
O sistema será usado não apenas com interesses bélicos, mas civis, e o Brasil está interessado em ter acesso a essa tecnologia. Além disso, o uso concomitante de dois sistemas de navegação permite que o país seja mais independente.
Durante a visita do vice-presidente Michel Temer a Moscou em setembro, o premiê russo Dmítri Medvedev falou novamente sobre as trocas comerciais entre os países usando as moedas nacionais. Temer se esquivou um pouco, devido à legislação nacional, apesar de dizer apoiar a ideia. O senhor acredita ser possível que ela se concretize?
O assunto da mudança nas transações para as moedas nacionais é discutido já há alguns anos e hoje os acordos estão sendo conduzidos entre os bancos centrais de ambos os países. Apesar disso, há uma série de dificuldades técnicas determinadas pela legislação financeira e monetária dos dois países que impede, por enquanto, a realização dessa ideia.
As perspectivas para essa transição são boas, na minha opinião. Esperar que isso aconteça amanhã é irreal, mas os trabalhos continuam sendo conduzidos, e acreditamos que podemos encontrar os mecanismos que permitirão que nos esquivemos do dólar e do euro nas trocas bilaterais. Os governos dos dois países apoiam essa iniciativa.
Apesar de turistas russos não precisarem mais tirar visto para visitar o Brasil, o país não entrou para os 50 destinos mais populares desses. Há até agências falando na queda do volume de turistas russos ao Brasil em 2015. Em 2014, por sua vez, apenas 31 mil turistas brasileiros visitaram a Rússia. O que atrapalha o crescimento do fluxo de turismo entre os países?
O volume de 31 mil turistas brasileiros pode não ser tão grande, mas tudo é relativo, levando em conta o ponto do qual partimos. Se compararmos os indicadores com os de cinco anos atrás, houve um salto no fluxo turístico, tanto do Brasil à Rússia, quanto a Rússia ao Brasil.
Nos últimos anos, o fluxo de turistas brasileiros aumentou muito. Como os brasileiros nem sempre partem direto à Rússia, muitas vezes a visita a nosso país integra um tour por diversos países.
Claro que as dificuldades econômicas tiveram um impacto negativo no turismo, que diminuiu. Isso ocorre, sobretudo, devido ao alto custo das passagens de avião. Por esse mesmo motivo, não conseguimos estabelecer a ligação aérea direta entre nossos países.
No que diz respeito aos turistas russos, por enquanto o Brasil não está na lista de destinos tradicionais entre os russos, mas é visível que os turistas russos vêm mais e mais para o Brasil, tanto para resorts como para as cidades. Há uma evolução sim, e ela está na cara.
Em entrevista à agência Tass ao final da cúpula do Brics em Ufá, Dilma falou que o país estava pronto a trocar experiências com a Rússia quanto à organização da Copa e das Olimpíadas. Como tem se dado essa troca?
A troca de experiências se dá tanto no âmbito ministerial, como no dos órgãos das forças de segurança, das organizações esportivas e dos comitês olímpicos. Existe um documento intergovernamental que regula a troca de experiências ainda no âmbito legislativo.
Serguêi Akopov
O embaixador russo Serguêi Akopov, 61, formou-se no Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO, na sigla em russo) em 1976. A partir de então, ocupou cargos em diversos setores diplomáticos russos. Trabalhou no consulado russo na Costa Rica de 1976 a 1980, e no Chile, de 1990 a 1996. Desde 2010 é embaixador no Brasil, onde já havia servido de 1983 a 1988. De Brasília, responde também pelo Suriname.