O Itamaraty já tem planos de contingência para proteger os 3.500 brasileiros residentes em Moçambique. Nesta segunda-feira, o principal grupo opositor anunciou a ruptura do tratado de paz que há 20 anos pôs fim à guerra civil no país africano.
O Ministério das Relações Exteriores diz que o procedimento inicial seria mover cerca de 300 brasileiros (a maioria missionários) da província de Sofala, onde houve confrontos, para a capital, Maputo, mais ao sul do país.
“O plano não é necessariamente retirá-los de Moçambique. A preocupação é garantir a segurança, e estamos em contato direto com líderes da comunidade brasileira no país, para monitorar de perto a situação”, disse um diplomata à BBC Brasil.
A Embaixada do Brasil em Maputo publicou um comunicado em seu site e nas redes sociais pedindo que os brasileiros mantenham seus cadastros atualizados junto à representação diplomática e pediram que os deslocamentos sejam evitados, sobretudo na região de Sofala.
“A Embaixada vem acompanhando de perto a evolução securitária em Moçambique para o caso de se fazer necessária a prestação de assistência consular aos brasileiros residentes ou em trânsito pelo país”, diz o texto.
Tensão e negociações
Moçambique amargou uma guerra civil por 16 anos – entre a guerra pela independência de Portugal, em 1975, e 1992, quando forças da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) e da Frelimo (Frente da Libertação de Moçambique) assinaram uma trégua.
O acordo consolidou a Frelimo no governo do país, onde está até hoje, e a Renamo deixou de ser um grupo rebelde para virar um partido político, com mais de 50 membros no Parlamento – embora as armas nunca tenham sido totalmente abandonadas pelo movimento.
Além do saldo de mais de um milhão de mortos, a instabilidade deixou marcas profundas na sociedade moçambicana, que teme a retomada da violência.
Após dias de trocas de acusações, e a um mês de eleições locais e um ano de eleições nacionais, as forças do governo disseram ter reagido a provocações ao ocuparem, na segunda-feira, a principal base da Renamo, na província de Sofala, onde estava o líder do grupo, Afonso Dhlakama, que fugiu do local.
Em reação, membros da Renamo atacaram uma delegacia de polícia nesta terça-feira, e declararam o fim do acordo de paz com o governo – embora seus representantes aindam se mantenham no Parlamento.
Horas mais tarde, no entanto, um mediador independente, Lourenço do Rosário, disse ter ouvido da Renamo que o grupo “reafirma que não quer o retorno da guerra”.
O movimento exige que o governo deixe a base tomada e em troca oferece não dar continuidade aos ataques. Rosário disse que o presidente moçambicano, por outro lado, afirmou que o “diálogo é a melhor maneira de prosseguir, apesar das diferenças”.
Ameaças
Fernando Mazanga, porta-voz da Renamo, disse mais cedo que a ocupação da base “encerra o fim de uma democracia multipartidária” e que o presidente do grupo perdeu o controle sobre o movimento e que “não pode ser culpado pelo que acontecer daqui em diante. As guerrilhas estão espalhadas e vão atacar sem precisar de ordem”. Segundo ele, o objetivo do ataque era matar Dhlakama.
Escolas foram fechadas e moradores relataram clima de medo. Horas depois, a Embaixada dos Estados Unidos em Maputo pediu contenção, exigindo “medidas decisivas para acalmar as tensões”.
Na segunda-feira, o Ministério da Defesa moçambicano disse que o governo continuará a reagir às provocações contra suas forças. Em visita à província de Sofala em meio à ocupação contra a base da Renamo, o presidente moçambicano, Armando Guebuza, disse que a Constituição do país “não permite dois Exércitos e duas ordens em Moçambique”.
Analistas internacionais consideram pouco provável o retorno do país à guerra civil, mesmo em meio à escalada da retórica entre os dois lados. Em abril, pelo menos cinco pessoas morreram depois de um ataque da Renamo a um posto policial.
Brasil
O Brasil mantém intensas relações comerciais com Moçambique e empresas como a Vale do Rio Doce, Odebrecht e Camargo Corrêa têm mantido grandes investimentos no país nos últimos anos.
Até o momento nenhuma das corporações informou sobre impactos da instabilidade sobre suas operações ou planos de repatriação de funcionários brasileiros, embora estejam monitorando a situação.
“Acreditamos que os dois lados possam atigir um acordo que evite a escalada da violência. As notícias de que a ocupação da base da Renamo ocorreu sem feridos ou mortes mostra que a situação pode estar se normalizando”, diz o Itamaraty, acrescentando que até agora nenhuma empresa relatou planos de retirar funcionários e nenhum brasileiro pediu ajuda consular.
Em nota, o Itamaraty disse que “acompanha com preocupação os incidentes”.
“O Brasil acredita que a busca de soluções para as divergências entre as partes deve perseverar no caminho do diálogo e da negociação, em quadro de fortalecimento do estado de direito, das instituições democráticas e da estabilidade”, diz o comunicado.
Fonte: BBC Brasil