Por Igor Gielow
“O Japão pode virar nuclear do dia para a noite”, disse o então vice-presidente americano Joe Biden ao líder chinês Xi Jinping no ano passado. A fala de Biden foi vista como um recado à China: Tóquio com armas nucleares desestabilizaria a projeção de domínio total de Pequim sobre o leste da Ásia. Tal consideração é militar e política, já que economicamente há grande interdependência. A China é o segundo maior destino de exportações japonesas, e a principal origem de importações do Japão. Avaliação da respeitada Federação de Cientistas Americanos indica que o “dia para a noite” poderia ser cerca de um ano, prazo muito curto mas exequível para uma das nações mais ricas do mundo e que já tem programa nuclear civil sofisticado.
O Japão possui ao menos 9 toneladas de plutônio usado de seus 54 reatores nucleares, 51 deles desativados após o terremoto e tsunami de 2011, que gerou uma catástrofe atômica em Fukushima. Se enriquecidas para uso militar, o que é possível na unidade de Rakkasho, só as reservas locais de plutônio armariam talvez mil ogivas. Ou seja, há matéria-prima e tecnologia à disposição. Para empregar a bomba, o país poderia adaptar seu veículo lançador de satélites M-V. Estima-se que possa ser transformado num míssil intercontinental, ameaçando China e Rússia, além da Coreia do Norte que poderia ser alvejada com foguetes de menor alcance, mais simples. Pyongyang possui modelos com capacidade para atingir o Japão, de médio alcance e provavelmente já aptos a carregar ogivas nucleares.
Grupos nacionalistas japoneses advogam a remilitarização do país, que vive sob tutela americana desde o fim da Segunda Guerra: os EUA têm 47 mil homens no Japão, maior contingente no exterior, além de caças e navios. A Constituição de 1947, em seu artigo nono, veda o Japão a recorrer à guerra como forma de resolução de conflitos externos. Permite apenas a Força de Autodefesa. É uma instituição bem equipada, em especial na Marinha, que conta com submarinos e destróieres, alguns com o sistema antimíssil Aegis, dos EUA. A defesa contra foguetes foi expandida, dadas as ameaças de Kim nos últimos quatro anos, com 120 baterias Patriot remanejadas pelo oeste do arquipélago.
No ano que vem, será instalada uma unidade de alta altitude Aegis Ashore, de uso em terra. Ao mesmo tempo, armas consideradas ofensivas não foram desenvolvidas ou compradas, como mísseis de cruzeiro. Dono de respeitável frota de caças, cujas estrelas são 201 F-15J, o país só tem quatro aviões-tanque, limitando sua autonomia de operação. Nos anos 1960, o governo estudou construir a bomba. Em 1994, o primeiro ministro Tsutomu Hata admitiu que o país tinha a “capacidade de ter armas nucleares”, gerando frisson internacional. Em 2014, o governo do premiê Shinzo Abe ampliou a participação militar em operações no exterior, e vai revisar o artigo nono em 2020. No ano passado, uma comissão de advogados questionou o gabinete se a instância pacifista da Constituição vedaria a posse da bomba. O governo disse que não, tudo seria questão de interpretação. Abe insiste que o Japão não quer ter armas nucleares, mas tem dado os passos para justificar a hipótese.
Para completar, há os EUA de Donald Trump. Candidato, ele disse que seria possível ver um Japão nuclear, já que os americanos estariam cansados de pagar pela defesa de seus aliados. No outro aliado americano na região —a Coreia do Sul, que também desconfia de Trump devido às pressões econômicas a que ele tem recorrido, a discussão no Parlamento é sobre requisitar aos EUA que instalem armas nucleares em seu território.
FONTE: Folha de São Paulo