Por Andrew Browne
Ao enviar um navio de guerra para as 12 milhas náuticas de uma ilha artificial da China, os EUA sinalizaram o início de uma disputa aberta sobre o futuro da região. As águas em disputa são uma rota importante, por onde passa mais da metade do comércio marítimo mundial, conectando países ricos em petróleo do Oriente Médio às poderosas economias do Pacífico.
Além disso, o desafio americano se refere a uma disputa muito mais ampla que vai durar décadas.
As tais ilhas artificiais têm um valor militar apenas limitado, embora várias delas contenham pistas longas o suficiente para receber aviões de combate chineses. O mais importante é que elas são símbolos do esforço de Pequim para subverter uma ordem regional liderada pelos EUA que prevalece desde a Segunda Guerra Mundial.
As ilhas proclamam a intenção da China de romper o que o país considera um cerco americano – um sistema de alianças que forma um amplo arco a partir da península coreana, passando pelo Japão e as Filipinas. Elas também simbolizam o fortalecimento do nacionalismo chinês sob o governo do presidente Xi Jinping.
Em um comentário contundente, a agência de notícias estatal chinesa Xinhua afirmou que os EUA transformaram o Mar do Sul da China em “águas turbulentas”, acrescentando que “o povo chinês não tem medo de problemas”. O Ministério das Relações Exteriores chinês expressou seu “forte descontentamento e resoluta oposição” à ação americana.
Para os EUA, as apostas são igualmente altas: seu futuro como potência marítima na Ásia e Oceania, a credibilidade de suas garantias de segurança aos aliados – todos preocupados com o crescente poderio militar da China e o princípio de que disputas territoriais devem ser resolvidas com base no direito, não na coerção.
A Casa Branca levou meses para se decidir sobre essa manobra militar, chamadas de Liberdade de Navegação, apesar de o Secretário da Defesa americano, Ash Carter, ter prometido que os EUA “vão voar, navegar ou operar em qualquer lugar em que a lei internacional permita”. A demora em combinar palavras duras com ações ameaçava fazer os EUA parecerem um tigre de papel. Por fim, a Marinha americana optou por despachar não uma flotilha, ou uma combinação de navios e aviões, mas um único destróier com mísseis guiados, o USS Lassen, para as proximidades do recife Subi. Isso transmitiu a Pequim uma mensagem dura, mas ainda assim contida, embora o Pentágono tenha deixado claro que esse exercício militar será repetido.
A ação americana ocorreu sem incidentes, segundo o Pentágono. O Ministério das Relações Exteriores da China disse que as autoridades chinesas acompanharam e alertaram o navio de guerra americano. Aparentemente, a China não tomou nenhuma ação adicional.
Um conflito amplo continua sendo improvável, mas há sempre o risco de um incidente se navios americanos e chineses começarem a manobrar muito perto uns dos outros ao lado das ilhas Spratly.
Para começar, os EUA e a China não são inimigos. Essa não é a Guerra Fria e, apesar de as relações entre os países serem cada vez mais marcadas por uma rivalidade estratégica, forças poderosas os compelem a cooperar um com o outro. Uma delas é um comércio bilateral que atingiu US$ 592 bilhões no ano passado. Os dois países também têm a obrigação de trabalhar juntos em questões globais como mudanças climáticas, terrorismo e epidemias.
Embora as ilhas artificiais tenham se multiplicado apenas recentemente, esse momento vem sendo construído há anos.
Um divisor de águas ocorreu em 2008, quando Wall Street mergulhou o mundo em uma crise financeira. Pequim concluiu que os Estados Unidos eram uma superpotência em declínio e que tinha chegado a vez da China. Desde então, a economia americana se recuperou, mas a imagem de um EUA solapado por guerras no Oriente Médio e incapaz de solucionar seus problemas orçamentários fortaleceu a China e forçou os países asiáticos a contemplar um novo equilíbrio de poder na região.
Mas a China exagerou na dose. Sua impetuosa assertividade da qual as ilhas artificiais são apenas um exemplo alarmou os seus vizinhos e teve com resposta uma “virada para a Ásia” da política externa dos EUA. Washington prometeu reposicionar suas forças navais, que ficavam 60% no Atlântico e 40% no Pacífico, para uma distribuição meio a meio.
Os EUA precisam ter cuidado para não pressionar demais a China. Aliados americanos não querem se ver obrigados a tomar partido no caso de disputa. E, apesar de os EUA provavelmente prevalecerem num eventual conflito, o preço a pagar poderia ser amargo.
Da sua parte, a China tem muito a perder se as tensões se transformarem num conflito. A maior parte de suas importações de petróleo e matéria-prima passa por aquela rota de navegação. E o país depende da boa vontade de seus vizinhos para levar a cabo a política externa promovida por Xi de ampliar as rotas comerciais chinesas.
O nacionalismo, porém, é a grande incógnita. É inconcebível que Xi, um estadista rígido e popular, não reaja de alguma forma. E ele ficará sob uma forte pressão para agir caso os ânimos da opinião pública se inflamem.
FONTE: Valor Econômico