Por: Nicholas D. Kristof – THE NEW YORK TIMES
Um conflito de ódios antigos
Há muitos anos, quando estudava chinês, meu professor em Pequim explicou-me que a palavra “hen” significa ódio. “É a forma como nós chineses nos sentimos em relação ao Japão”, disse ele.
E algumas vezes, durante anos, chineses me disseram que o grande erro dos EUA após a 2.ª Guerra foi não ter exterminado toda a população japonesa.
Esta aversão pelo Japão, hoje atrelada a um poder militar crescente, constitui o pano de fundo da perigosa tensão observada no Mar do Leste da China. Ninguém deseja uma guerra por causa de um grupo de rochas desabitadas no Oceano Pacífico, mas existe o risco de que um acidente deixe a situação fora de controle. Além disso, Japão, China e Estados Unidos administraram mal essas disputas territoriais bastante delicadas e hoje temos nacionalistas no comando dos governos do Japão e da China.
Este é o momento de se fazer uma pausa, respirar fundo e refletir sobre a ascensão da China – a mais importante tendência geopolítica do nosso tempo. A China deve ultrapassar os Estados Unidos e tornar-se a maior economia do mundo, levadas em consideração as diferenças de preços, em cerca de três anos, de acordo com estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão da ONU. A moeda da China acaba de superar o euro como a segunda moeda mais usada nas operações comerciais e financeiras, depois do dólar.
O governo da China está investindo pesado no seu Exército, incluindo uma Marinha que vai operar em águas profundas e oceanos abertos e muitos chineses acham que seu governo mostra-se por demais frouxo e conciliador. De fato, uma China mais democrática pode muito bem ser mais assertiva e mais problemática para seus vizinhos, particularmente o Japão.
Na verdade, a reivindicação da China às Ilhas Diaoyu, como as chama, é bastante razoável, embora o país se mostre cada vez mais canhestro em sua atitude. A evidência mais forte desse direito consta de documentos do governo japonês da era Meiji, nos quais ele se refere às ilhas como pertencentes à China e trama para apoderar-se delas – o que ocorreu quando a China ainda era um país frágil, em 1895. O Japão deu a elas um novo nome: Senkaku.
Depois da 2.ª Guerra, os EUA passaram a controlar as ilhas e, em 1972, transferiram a sua “administração” para o Japão sem tomar posição quanto a quem seria seu proprietário. O conflito só aumentou com o crescimento do nacionalismo tanto na China como no Japão (Taiwan, que também reivindica as ilhas, mostra-se mais moderado).
O Japão errou no ano passado ao adquirir as ilhas de um proprietário particular e as nacionalizar, apesar das sérias advertências da China e dos EUA. E o governo Obama também errou ao dizer explicitamente que apoiaria o Japão numa possível guerra envolvendo as ilhas.
Sério? Estamos prontos para lutar por rochas desabitadas quando nem tomamos uma posição quanto à sua propriedade? Se a intenção de Washington era um recuo de Pequim, sua atitude foi contraproducente. Ela apenas inflamou a opinião pública chinesa.
“Estamos lidando com uma situação extremamente delicada”, observou Cheng Li, especialista em assuntos chineses e membro da Brookings Institution. O estudioso mostra-se preocupado porque os americanos nem sempre conseguem avaliar as suscetibilidades envolvidas.
O novo líder da China, Xi Jinping, é uma figura complexa e um nacionalista destemido com vínculos com ultranacionalistas do Exército de Libertação Popular que, por outro lado, deseja manter boas relações com Washington. Possivelmente ele está por trás da declaração da China, no mês passado, que estabeleceu uma Zona de Defesa Aérea que abrange o território em disputa.
Xi Jinping exagerou. Não há nada de errado na declaração da Zona de Defesa Aérea pela China (Japão e Estados Unidos também possuem áreas semelhantes), mas isto foi feito de um modo belicoso que repercutiu com a mesma a beligerância no Mar do Sul da China. E o mundo não mostra muita simpatia por líderes chineses quando eles assediam os vizinho, bloqueiam as notícias e os websites de mídia social e colocam na prisão um vencedor do prêmio Nobel da Paz como Liu Xiaobo.
Funcionários do Ministério das Relações Exteriores da China dão conselhos sensatos a Xi, mas com frequência eles são vencidos pelos falcões do Exército. Certa vez, perguntei a um general sobre o que ele pensava das declarações moderadas que partiram da chancelaria sobre o Mar do Sul da China. O general replicou: “Esta é a posição do ministério das Relações Exteriores, não da China”.
Um dos riscos é o de um acidente militar como a colisão, em 2001, de um avião espião americano e um avião de combate chinês. Na época o então dirigente chinês Jiang Zemin, devolveu o avião americano e a tripulação, mas Xi poderá não ser tão conciliador.
O resultado é que necessitamos de linhas diretas de resolução de crises para podermos administrar essa situação caso cheguemos a esse ponto. O governo Obama também precisa de um porta-voz experiente para a China, o que, na verdade, ele não tem atualmente.
Por seu lado, Xi deve entender que todas essas ameaças de ação militar desviam a atenção do desenvolvimento econômico e uma grande potência emergente como a China não pode utilizar armamentos modernos para resolver ódios antigos e quase tribais.
Todos aqueles que admiram as realizações da China precisam deixar claro que a propaganda nacionalista, as demonstrações de força e tentativas de retratar o Japão como um demônio, constituem um jogo perigoso. Como diz um provérbio chinês, “é mais fácil montar num tigre do que desmontar dele”.
FONTE: O estado de São Paulo
TRADUÇÃO: Terezinha Martino