A Marinha brasileira: águas verdes ou azuis?

Fragata Constituição (F42)

“Paul Pryce especula que há duas razões por trás da intenção brasileira de possuir uma marinha de águas azuis. Não somente o país deseja demonstrar que é a primeira potência marítima do Hemisfério Sul, mas também quer que sua indústria naval seja uma plataforma de liderança para o crescimento econômico futuro.”

BPC Dixmude (L9015)

Por Paul Pryce

Embora muita atenção tenha sido direcionada para o destino incerto dos navios de assalto anfíbio da classe Mistral que estão sendo construídos em Saint-Nazaire, França, para exportação para a Rússia, existem pouquíssimos relatos sobre a silenciosa expansão naval brasileira. A Marinha do Brasil tem sido frequentemente considerada uma força de “águas verdes”, para distingui-la das convencionais forças de “águas azuis” ou de “águas marrons”.

Considerando que uma marinha de águas azuis se preocupa com operações em alto-mar e em expedições de longo alcance, as marinhas de águas marrons são voltadas para patrulhar as águas rasas de seu litoral ou para a guerra ribeirinha. As marinhas de águas verdes, no entanto, condensam ambas capacidades, concentrando-se primariamente em garantir a segurança do litoral do país, mas também mantendo a capacidade de se aventurar nas águas profundas dos oceanos.

NAe São Paulo (A12)

Durante várias décadas, este rótulo de águas verdes foi preciso para a Marinha do Brasil. Apesar de possuir uma vasta gama de navios-patrulha e navios-transporte de tropas fluviais, para exercer soberania sobre muitos rios e bacias hidrográficas brasileiras, a Marinha do Brasil também possui o NAe São Paulo, um porta-aviões classe Clemenceau comprado da França em 2000.

Mas, recentemente, ocorreu uma mudança nas prioridades marítimas do Brasil, o que sugere que em breve poderá ser mais preciso, considerar a Marinha do Brasil como uma força de águas azuis, com alguns vestígios remanescentes de suas capacidades de águas marrons. Iniciada sob Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil a partir de 2003 até 2011, e incrementado sob o atual governo de Dilma Rousseff, o Brasil foi às compras para os equipamentos militares. Embora estas tenham incluído a aquisição de 36 aviões de caça Gripen NG da Saab para uso pela Força Aérea Brasileira, muitos dos contratos recentes dizem respeito à compra de navios destinados a modernizar a Marinha do Brasil.

Submarino IKL-1500 Tikuna (S34)

Os cinco submarinos de ataque diesel-elétricos Tipo 209 do Brasil, adquiridos da Howaldtswerke-Deutsche Werft, se juntarão a quatro submarinos diesel-elétricos de ataque da classe Scorpène, a serem construídos localmente, com a conclusão do primeiro navio sendo esperada para 2017. Em março de 2013, a presidente do Brasil Dilma Rousseff inaugurou um estaleiro nacional em que o primeiro submarino movido a energia nuclear do Brasil – o apropriadamente chamado SN-BR Álvaro Alberto – será construído com o apoio francês. A entrega do navio concluído não é esperada até 2025, mas o sucesso do projeto trará o Brasil para um pequeno clube de países com submarinos de propulsão nuclear operacionais: os Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, Índia e China.

A corveta classe Barroso, comissionada no final de 2008, também parece ter inspirado uma nova série de navios para a Marinha do Brasil. O estaleiro nacional, Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, foi contratado para construir quatro navios com base no design da classe Barroso (NE:1), mas com maiores capacidades furtivas e com armamentos anti-navio e anti-aéreo. A entrega da primeira destas novas corvetas furtivas é esperada para 2019 e muitos detalhes específicos sobre o projeto ainda são desconhecidos. Além disso, a entrega de dois novos navios patrulha da classe Macaé está prevista para 2015, enquanto mais dois serão entregues em 2016-2017, trazendo o número desses navios-patrulha brasileiros para sete no total.

Corveta Barroso (V34)

Mas porque esta rápida constituição de forças marítimas para o Brasil?

Até certo ponto, esses novos projetos de aquisição são destinados a compensar as capacidades diminuídas da Marinha do Brasil após a baixa de 21 navios entre 1996 e 2005. Isto, no entanto, não explicaria o foco em navios com capacidades expedicionárias de longo alcance. Alguns observadores podem atribuir a aquisição de navios com capacidades que claramente não se destinam ao patrulhamento das vias navegáveis interiores, tais como as novas corvetas furtivas da classe Barroso, pela ameaça representada pela instabilidade da Guiné-Bissau. Este país lusófono do oeste africano, que foi apelidado de um “narco-Estado”, tem sido um grande hub no comércio internacional de drogas; a cocaína colombiana eventualmente faz o seu caminho à Guiné-Bissau a partir da costa brasileira para depois ser exportada para a Europa. Mas o presidente José Mário Vaz, que foi eleito por uma margem decisiva de votos, para liderar a Guiné-Bissau em maio de 2014, rapidamente virou-se para o combate à corrupção nas forças armadas da Guiné-Bissau e parece determinado a fazer do combate ao tráfico uma prioridade durante seu mandato (NE:2). Mesmo que os políticos brasileiros acreditem que pode ser necessário exercer uma presença mais forte no Atlântico Sul para desencorajar o narcotráfico, um submarino de ataque de propulsão nuclear não é de todo a ferramenta certa para a tarefa.

NPa Macaé (P70)

Pelo contrário, parece mais provável que existam dois principais fatores de motivação para os projetos de aquisição da Marinha do Brasil. No que respeita ao SN-BR Álvaro Alberto e a potencial aquisição de um segundo porta-aviões, o Brasil almeja a primazia de ser a primeira potência marítima no Hemisfério Sul (NE:3). A participação em grandes exercícios marítimos internacionais, tais como a série IBSAMAR realizado conjuntamente com as forças indianas e sul-africanas, destinam-se a promover uma visão do Brasil como um poder que deve ser respeitado e consultado, nomeadamente no que os políticos brasileiros continuam a perseguir, um assento permanente para o seu país no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mais importante, no entanto, os projetos de construção naval nos quais o Brasil embarcou destinam-se a construir a indústria nacional e contribuir para o crescimento econômico.

O Brasil já está atraindo considerável interesse como construtor naval. Em setembro de 2014, a marinha de guerra angolana fez uma encomenda de sete navios-patrulha classe Macaé, com quatro a serem construídos em estaleiros brasileiros. Ao longo dos últimos anos, o Brasil tem exportado vários navios e equipamentos para uso pela marinha da Namíbia. A Guiné Equatorial manifestou a sua intenção de adquirir uma corveta da classe Barroso para fins de combate à pirataria. O A-29 Super Tucano, um avião turboélice destinado ao apoio aéreo aproximado e reconhecimento aéreo, é produzido pela fabricante brasileira Embraer e tem sido exportado para uso em cerca de uma dúzia de forças aéreas nacionais. Se a indústria brasileira é bem sucedida na produção de submarinos e corvetas furtivas, a demanda por hardware militar brasileiro só vai crescer, gerando uma receita impressionante e criando uma enorme quantidade de empregos.

Uma preocupação, no entanto, são as intenções de longo prazo do Brasil no que diz respeito à construção do SN-BR Álvaro Alberto. Há poucas as marinhas do mundo com a infra-estrutura e know-how necessários para operar com sucesso um ou mais porta-aviões; afinal de contas, o clube dos países com porta-aviões em serviço é limitado a apenas nove. Mas a exportação de submarinos de ataque de propulsão nuclear comprometeria o tratado de não proliferação estabelecido pela comunidade internacional e poderia prejudicar a paz e a estabilidade internacional.

Há rumores sobre as tentativas da República Islâmica do Irã em tentar obter planos para um submarino movido a energia nuclear, enquanto a República Popular Democrática da Coreia alegadamente expressou um interesse particular na obtenção de submarinos nucleares da era soviética na Federação Russa. Isso não quer dizer que as autoridades brasileiras iriam considerar a exportação desses navios para o Irã, Coréia do Norte ou outros regimes similares, mas há certamente um mercado para futuros submarinos baseados no SN-BR Álvaro Alberto. Será necessário manter um olho muito próximo na construção naval e nas indústrias nucleares brasileiras na década de 2030, especialmente porque a demanda doméstica por esta classe de navio estará satisfeita (NE:4).

Ilustração da futura Corveta Tamandaré

Para obter uma compreensão mais profunda dos objetivos estratégicos do Brasil a longo prazo e talvez exercer algum grau de influência sobre as exportações de armas brasileiras, seria aconselhável para a OTAN buscar uma parceria com o país. Em agosto de 2013, foi estabelecida uma parceria entre a OTAN e Colômbia, o que demonstra que a Aliança certamente está interessada em assuntos de segurança no Atlântico Sul. O Brasil também poderia contribuir enormemente com know-how para os membros da OTAN, especialmente porque a Aliança tenta encontrar seu lugar no pós-Afeganistão. Claramente, há muito trabalho a ser feito na área de construção de confiança, se tal parceria for estabelecida antes da conclusão esperada do SN-BR Álvaro Alberto: como as autoridades colombianas visitaram seus homólogos da OTAN para discutir a parceria, os políticos brasileiros estavam entre aquelas figuras latino-americanas que condenaram a Colômbia pela iniciativa (NE:5).

A parceria com o Brasil será muito desafiadora diplomaticamente, mas é um esforço que deve ser feito. Esta potência em ascensão em breve contará com uma marinha de águas azuis e, em decorrência, navios militares ostentando a bandeira brasileira se tornarão uma visão cada vez mais frequentes no Atlântico Sul.

NE1: As novas corvetas da Classe Tamandaré não serão construídas no AMRJ, mas sim em estaleiro privado a ser definido.

NE2: O autor parece ignorar a imensa responsabilidade da Marinha do Brasil com a proteção das Linhas de Comunicação Marítimas nacionais, com a garantia da exploração e explotação de petróleo na Zona Econômica Exclusiva pertencente ao Brasil, com a Zona de Responsabilidade SAR brasileira, com a questão da pirataria no Golfo da Guiné, etc. Justificar a necessidade de incremento da capacidade operacional da Marinha pela situação de instabilidade institucional na Guiné-Bissau é falta de bom senso.

NE3: Mais uma vez o autor apresenta uma visão limitadíssima sobre as necessidades de defesa brasileiras. Sugerimos ao leitor interessado a leitura da Política Nacional de Defesa, da Estratégia Nacional de Defesa e do Livro Branco da Defesa Nacional.

NE4: Aqui o autor repete a argumentação falaciosa utilizada por nações que não gostariam de ver a bom termo o desenvolvimento do Programa Nuclear da MB e a construção dos submarinos de propulsão nuclear pelo Brasil. Nosso país é signatário de vários tratados e acordos internacionais, como o TNP, o Tratado de Tlatelolco, a ZPCAS, entre outros, não tendo em sua história registro de proliferação ou violação de qualquer tratado/acordo. O autor não cita o arrendamento pela Índia de um SSN na Rússia, a cessão de mísseis Trident e de mísseis de cruzeiro Tomahawk capazes de portarem armas nucleares para a marinha do Reino Unido, entre outros exemplos que poderiam ser citados de proliferação. Citar Irã e Coreia do Norte como interessados em nosso SN-BR é sair da realidade e passar para a ficção.

NE5: Para saber mais sobre as intenções da OTAN em expandir sua área de atuação, notadamente para o Atlântico Sul, sugerimos a leitura aqui no DAN do artigo “Ameaças ao Brasil: Elas Existem (?)(!) – O Cenário Marítimo”, disponível na Coluna Mar & Guerra ou em https://www.defesaaereanaval.com.br/ameacas-ao-brasil-elas-existem-o-cenario-maritimo/

FONTE: Este artigo foi originalmente publicado por Offiziere.ch em 09 de janeiro de 2015.

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO : DEFESA AÉREA & NAVAL  (Marino)

NOTAS DO EDITOR: Marino

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