Por Marcia Carmo
Menos de um mês após ter sido empossado, o governo do presidente argentino Mauricio Macri indicou que reaver a soberania das Ilhas Malvinas (Falklands, para os ingleses) faz parte das prioridades de sua política externa.
Historicamente, a discussão sobre a recuperação do território – em poder dos britânicos desde o século 19 e motivo de guerra em 1982 – costuma ter apoio dos argentinos. Porém, pesquisas indicam que hoje a população vê outros problemas como mais urgentes, entre eles inflação e segurança pública.
O assunto Malvinas era uma das bandeiras da gestão de Cristina Kirchner (2007-2015), da qual o novo governo vem tentando demonstrar várias diferenças, principalmente nas linhas política e econômica.
Macri sugeriu, porém, que vai mudar o estilo impresso pela antecessora no assunto, buscando um diálogo “mais amigável” com o governo britânico, como disse à BBC Brasil um embaixador argentino, sob a condição do anonimato.
“É claro e evidente que o governo do presidente Macri tem uma atitude de diálogo e mais respeitosa (que a gestão da antecessora)”, disse o diplomata.
Em um comunicado divulgado no último dia 3, o governo argentino convida o Reino Unido a “restabelecer as negociações para resolver, o mais rápido possível, e de maneira justa e definitiva, a disputa pela soberania” sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos da região.
E diz que espera fazer isso “por meio do caminho do diálogo, da paz e da diplomacia”.
Novo estilo
Em diferentes entrevistas nos últimos dias, a ministra das Relações Exteriores da Argentina, Susana Malcorra, disse que as Malvinas são um tema “constitucional, e não opcional”, e sugeriu que a estratégia do governo atual seria a de buscar dialogar com os britânicos com um novo estilo.
“Nem sempre se consegue o que se pretende endurecendo o discurso”, disse ela à imprensa argentina.
Malcorra reconheceu, porém, que o kirchnerismo (2003-2015) colocou o assunto em destaque na agenda argentina.
Em diferentes discursos e em uma carta enviada ao primeiro-ministro britânico David Cameron em janeiro de 2013, a então presidente disse que “há 180 anos, em um exercício descarado de colonialismo do século 19, a Argentina foi despejada à força das Ilhas Malvinas, situadas a 14 mil quilômetros de distância de Londres”.
Cristina também se referiu ao Reino Unido como “potência colonial” – palavras que até o momento foram evitadas pela nova gestão argentina, pelo menos publicamente.
A ex-presidente pediu, em diferentes ocasiões, que sejam “acatadas as resoluções das Nações Unidas (para que sejam retomadas as negociações entre os dois países)”.
‘Questão sentimental’
Para analistas ouvidos pela BBC Brasil, as Malvinas são uma “questão sentimental” e “histórica” para os argentinos.
O fato de a gestão Macri abordar o assunto “é mais que esperado”, afirmou o professor de relações internacionais da Universidade Torcuato Di Tella, Juan Gabriel Tokatlian. “Não existe a menor chance de um governo argentino não se pronunciar sobre as Malvinas”, disse.
Ele recordou que a Constituição de 1994 diz que a “nação argentina ratifica sua legítima e imprescindível soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos” na região, “por ser parte integrante do território nacional”.
A Carta Magna do país diz ainda que o “povo argentino não renunciará à recuperação” dessa soberania.
Na avaliação do professor de ciências políticas Marcos Novaro, da Universidade de Buenos Aires, diante do estilo kirchnerista “não foi difícil para o Reino Unido e outros países ignorarem as reclamações e ataques da Argentina e deixar essas queixas sem respostas”.
Segundo ele, independente da reação britânica, convém aos argentinos “restabelecer a capacidade de diálogo” internacional.
Para Novaro, o diálogo sobre a soberania poderia começar, por exemplo, com pautas como a preservação ambiental.
O especialista lembrou, porém, que o tema não é unanimidade. “Existe muita gente que acredita que [as ilhas] são argentinas, mas também existem muitos a entender que esse não é um assunto prioritário na politica exterior do país.”
Na sua visão, a Argentina tem hoje outros temas mais urgentes, como “retomar relações com outras democracias do mundo, incluindo os vizinhos, que retrocederam com o kirchnerismo”.
Discordâncias
De acordo com o pesquisador do Conicet (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas) Vicente Palermo, os britânicos estão dispostos a falar sobre “muitas coisas” com os argentinos, mas não a respeito da soberania das ilhas.
“Eles consideram que os moradores devem ser incluídos nas negociações, com o que a Argentina discorda”, disse.
Em 2013, a maioria da população decidiu, por meio de um reverendo, permanecer como território britânico.
O analista afirma que, apesar dos gestos do governo Macri, não prevê “nenhum avanço no curto prazo” sobre esse impasse. Para ele, a relação bilateral foi “muito deteriorada” durante o governo de Cristina, e ainda não está claro como esse diálogo poderia ser retomado agora.
As Ilhas Malvinas, no Atlântico Sul, foram motivo de uma guerra em 1982, da qual os britânicos saíram vitoriosos. A derrota argentina abriu caminho para o retorno da democracia no país no ano seguinte.
Reclamar o território com assiduidade foi política frequente dos governos anteriores no país, que diferiram apenas na intensidade com que fizeram a reivindicação.
Nos últimos anos, foi descoberto que a região, tradicional para a pesca, também é rica em petróleo.
FONTE: BBC Brasil