Na última década, assistimos a uma atividade sem precedentes da China na África. A China afasta com êxito, ou mais precisamente, já afastou os britânicos, franceses e os portugueses dos países africanos.
Recentemente, uma revista saiu com uma capa sintomática: o continente africano todo coberto de vermelho com cinco estrelas da bandeira da China. Foi precisamente assim que a revista caraterizou a presença da China no continente africano.
O que leva a China a aumentar sua presença em África? O que dá a política chinesa ao continente e do que é que os africanos não gostam nela? Tentamos responder a essas perguntas juntamente com Tatiana Deich, cientista do Instituto da África da Academia das Ciências da Rússia.
O início do século XXI ficou marcado pela expansão econômica chinesa em África, sublinha a cientista russa. Os principais motivos da presença chinesa em África são controlar fontes de matérias-primas, encontrar esferas de investimento e novos mercados para escoar os artigos da sua indústria que se desenvolve impetuosamente:
“A China lutou sempre com Taiwan pela influência em África. E, no fim do século passado, uma série de países mantinham relações com Taiwan, outros, poucos, reforçavam as relações com a China. No início do novo século, a situação mudou bruscamente: 50 países de África mantêm relações com a China e apenas 4 países conservam laços com Taiwan. Depois de conseguir a independência, o Sudão do Sul reconheceu a China. E aí a ajuda que ia de Taiwan era incomparável com a que a China presta atualmente. A pequena Gâmbia foi o 51º país africano que estabeleceu laços e relações com a China. Restam apenas três países: Suazilândia, São Tomé e Príncipe e Burkina-Faso, que ainda não reconheceram a China e continuam a cooperar com Taiwan. Mas, ao mesmo tempo, a China há muito que tenta infiltrar-se em São Tomé e Príncipe e realiza isso com êxito. As ações chinesas já se afirmaram firmemente na economia desse país.”
A atenção da China para com África é explicada também pelo crescente peso político na arena mundial. As relações com África são parte da estratégia de Pequim com vista a criar uma nova ordem mundial. A China necessita de apoio nas organizações internacionais. Precisa de aliados no confronto com os EUA, bem como na consecução do objetivo que se reflete na fórmula: “no mundo há apenas uma China e Taiwan é sua parte inseparável”.
A China aposta também na África na questão dos direitos humanos, objeto de constantes discussões com o Ocidente. Por isso, os países do continente, muitos dos quais lembram-se da ajuda de Pequim na luta pela independência nacional, passaram a ocupar um lugar importante na estratégia chinesa de criação de um bloco de países do “Sul”, considera Tatiana Deich:
“O princípio da política externa chinesa em África tornou-se um: a não ingerência nos assuntos internos de outros países. Eles contrapõem-se aos países ocidentais que sempre ligaram a sua ajuda a África a algumas condições obrigatórias, assinala Tatiana Deich. Por exemplo, Angola pediu um empréstimo ao FMI em 2004. Este último exigia mudanças na política, no respeito dos direitos humanos. Mas a China concedeu o empréstimo sem quaisquer condições e em grande envergadura. E, hoje, a presença da China é visível não só nos Estados com grandes riquezas naturais, mas também com os que não possuem riquezas semelhantes. A China ajuda também esses países enviando para eles os seus médicos, técnicos, professores, cria a infraestrutura necessária.”
Na África trabalham cerca de 18 mil médicos chineses. Chegam em brigadas, constroem hospitais. Em alguns países já foram criados centros especiais de combate à malária, afirma Tatiana Deich. Verdade seja dita, os especialistas ocidentais encontraram uma falha nisso: as máquinas fornecidas chegam com instruções em chinês. E as máquinas ficam paradas, não são utilizadas até que os africanos não encontram especialistas.
Mais uma preocupação: medicamentos contrafeitos. A China utiliza habilmente o fato de na África não existir o devido controlo e não haver praticamente sistemas de distribuição dos produtos e serviços, frisa Tatiana Deich.
Mas na África não só entra a medicina chinesa, mas também a cultura e a ciência. São assinadas dezenas de acordos nessas esferas e eles, o que é o principal, realizam-se. Hoje, as posições da China aí não podem ser comparadas com as ocidentais, tão grandes são as envergaduras. No ano passado, as trocas comerciais entre a África e a China atingiram os 198 milhões de dólares. Se, no início do milênio, a China “inundava” África com produtos da sua indústria ligeira, nos últimos anos, começaram a chegar aí computadores, maquinaria, novas tecnologias. Os chineses lançaram um satélite nigeriano. Foi à segunda tentativa, mas foi, recorda Tatiana Deich. E isso permite estabelecer comunicações com regiões remotas na Nigéria e noutros países.
As relações da China com a África do Sul desenvolvem-se de forma mais intensa. O país tornou-se membro do BRICS. E, através dessa organização, a China exerce também influência nos estados africanos. Angola vem em segundo lugar pela importância e Moçambique vem a seguir.
A diplomacia dá também forte apoio ao avanço econômico da China em África. Nos últimos anos, todos os líderes chineses visitaram o continente. Por exemplo, Hu Jintao visitou-o seis vezes: duas vezes como vice-presidente e quatro como presidente da República Popular da China. Estabeleceu-se a tradição de começar o ano novo com uma visita do ministro das Relações Exteriores da China a África. A participação da China na manutenção da paz visa convencer os estados africanos a ver na China uma grande potência, mas pacífica, que defende os interesses deles e, ao mesmo tempo, um contrapeso à influência do Ocidente.
O número de chineses que vivem e trabalham em África situa-se, segundo várias fontes, entre 700 mil e 1 milhão. Nuns países são muitos, noutros são poucos. Tudo depende dos governos desses países, da sua reação à presença dos chineses. Existe uma diáspora chinesa que vive em África há muito tempo, mas há trabalhadores que foram temporariamente, mas ficaram. Há ilegais que se tornam um problema para alguns países.
Os chineses são frequentemente criticados pelo fato de fazerem concorrência aos trabalhadores locais. Recentemente, um político moçambicano declarou: “Como é que a China se pode considerar um país em desenvolvimento se ela tira o pão ao nosso pobre país?”. Colisões claramente desagradáveis. E exemplos desses são cada vez mais: na África do Sul, na Nigéria, no Congo, em Moçambique, no Quênia e noutros países.
Em resposta às queixas, a China reforma rapidamente a sua ajuda e começa a criar na África centros de preparação profissional, sem abandonar o mercado comercial e econômico, mas reforçando a sua presença.
A China controla a concessão de créditos com objetivos definidos no local, apostando na realização de projetos de desenvolvimento socioeconômico. Segundo Wen Jiabao, dirigente do Conselho de Estado da China, aos países do continente foi prestada ajuda na realização de mais de mil projetos na agricultura, indústria, energia, infraestruturas e noutras esferas.
A ajuda chinesa não é transparente, os seus números, regra geral, não são revelados, são publicados dados extremamente contraditórios. Não obstante, é evidente que Pequim se transforma num doador considerável dos países de África, concedendo-lhes anualmente uma média de 1-2 milhões de dólares de ajuda.
Como já foi assinalado, o Fórum China-África e as suas pomposas cúpula com a participação de dirigentes dos países africanos contribui para o aumento do prestígio da China em África. Ao investir na extração de matérias-primas, a China, ao mesmo tempo, torna-se o principal jogador na esfera da infraestrutura africana, que necessita muito de investimentos.
Fonte: Voz da Rússia