Por André Luís Woloszyn
As Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) realizadas pelas Forças Armadas em favelas da cidade do Rio de Janeiro se constituem em grande desafio para os militares brasileiros. Trata-se de uma atividade extremamente complexa e delicada sob o ponto de vista político institucional face às características da zona de operações, pelo alto poder ofensivo das organizações criminosas lá estabelecidas e pela constante possibilidade de efeitos colaterais como a publicidade negativa, em especial, no caso de baixas entre residentes locais, o que inclui integrantes das próprias facções criminosas.
Diferentemente das operações de contrainsurgência, definida na doutrina militar estadunidense como a luta político-militar organizada e prolongada com o objetivo de debilitar o controle e a legitimidade de um governo estabelecido, de uma força ocupante ou de outra autoridade política e regulada pelo Direito Internacional de Conflitos Internos, as Operações de GLO, voltadas à estabilização de uma área dominada por facções do crime organizado ligadas principalmente ao narcotráfico, obedecem a critérios da legislação nacional, do estado democrático de direito, e em especial, das questões de direitos humanos.
Para uma melhor compreensão do leitor, passamos a avaliar três características condicionantes para esta conjuntura. Primeiro, quanto à zona de operações, o complexo de favelas do Alemão, por exemplo, localizado na zona norte do Rio de Janeiro e controlado pela organização denominada Comando Vermelho, e onde vivem 400 mil pessoas em uma área de mais de mil metros quadrados. No interior do complexo, efetivos militares trabalham no escuro, uma vez que há poucos pontos de observação face às características do terreno elevado e das construções.
O acesso, em muitos setores, só pode ser efetivado por tropas a pé, em ruas que são na realidade escadas escavadas no terreno medindo cerca de 1 metro a 1,5 metro de largura, dividindo as edificações. Tal condição impede o uso de veículos pesados e de apoio, além de possibilitar uma contraofensiva rápida e não identificável de parte dos criminosos, que invadem as residências e coagem os moradores no intuito de as utilizarem como refúgios e pontos de observação e controle. Em segundo, quanto ao arsenal em poder dessa facção, é diversificado, de revólveres, pistolas a fuzis e metralhadoras de diversos calibres e procedências.
Ali já foram apreendidos significativa quantidade de granadas, pistolas Cal. 380, 9 mm e 40 mm, além de fuzis tipo HK-G3, AK-47, Uzi e AR-15, e ainda farta munição de comercialização legalmente proibida, sendo de uso exclusivo das Forças Armadas.
Em terceiro, quanto aos efeitos colaterais, a possibilidade de baixas de ambos os lados é constante assim como o erro de alvos uma vez que não há como diferenciar criminosos de não-criminosos ou ainda, se o atirador da força oponente é uma criança ou adolescente. Diante desse contexto, o uso da força militar é restrito e de menor intensidade do que a aplicada pelos integrantes dessas facções, que agem sem nenhum critério legal ou de ética, mas sob o olhar atento da mídia internacional e de organizações de defesa de direitos humanos.
Trata-se, como vimos, de um conflito assimétrico de baixa intensidade único em sua modalidade. Não contrainsurgente, tampouco antiterrorista ou contra grupos de guerrilha, mas contra uma organização criminosa armada e hierarquizada que se utiliza do modus operandi da guerrilha e do terrorismo na disputa pelo domínio de zonas de tráfico de drogas e obtenção de lucro.
Nesse sentido, para uma atuação mais efetiva das Forças Armadas em Operações de GLO, é necessário uma legislação ordinária especial, que dê maior respaldo legal às operações bélicas e de inteligência, as quais devem perpassar as normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro uma vez que estas operações se revestem do caráter de excepcionalidade, empregadas como último recurso após esgotados todos os meios disponíveis da área da segurança pública em nível estadual.
*André Luís Woloszyn é analista de inteligência, mestre em Direito, especialista em Ciências Penais e diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra do Exército Brasileiro.
FONTE: Diálogo Américas