“Bombardear população civil é crime humanitário”, disse Santos Cruz, em entrevista à BBC Brasil. “População civil não é objetivo militar. (Os ataques são) só pra causar o caos e o pânico. (Os rebeldes) querem se tornar importantes no processo político através de uma chantagem humanitária.”
“Isso são coisas inadmissíveis. E a ONU reagiu dentro do mandato”, acrescentou. “Ela tem que proteger a população civil e também se defender. Principalmente os civis da cidade de Goma.”
As tropas da ONU entraram no combate entre rebeldes e forças do governo na última sexta-feira – após os ataques a Goma, que deixaram ao menos cinco moradores da cidade mortos.
Nesta quarta-feira, os capacetes azuis voltaram a atacar o grupo rebelde M23 no distrito de Kibati (a 15 km de Goma) com um esquadrão de helicópteros de ataque e artilharia e infantaria mecanizada. A ofensiva é realizada em conjunto com as forças congolesas.
Ao menos um militar das forças de paz foi morto na ação, e outros dois ficaram feridos. Não há estimativas oficiais sobre o número total de baixas entre os rebeldes e forças do governo.
Fontes médicas locais disseram que só no fim de semana aproximadamente 60 rebeldes e 20 soldados congoleses morreram nos combates. Mais de 700 pessoas teriam sido feridas. Os combates chegam ao sexto dia consecutivo.
“Estamos tomando todas as ações e usando todos os nossos meios para eliminar a ameaça ou ao menos empurrar os rebeldes para longe da cidade (de Goma), fora do raio de alcance dos canhões deles”, disse o general.
Dinâmica da missão
O M23 é o maior dos cerca de 50 grupos rebeldes que atuam na região dos Kivus, no leste do Congo. Ele é formado por ex-militares congoleses, a maioria da etnia tutsi, contrários ao governo central. A ONU e os Estados Unidos suspeitam que eles recebam ajuda militar do país vizinho Ruanda.
Os rebeldes chegaram a capturar Goma em novembro do ano passado e só deixaram a cidade após forte pressão diplomática e negociações de paz.
Porém, no dia 14 de julho, o governo e o M23 voltaram a se enfrentar em um combate de larga escala.
O general Santos Cruz, que havia assumido o comando da missão pouco mais de um mês antes, decidiu não interferir na campanha – enquanto a população e as tropas da ONU não vinham sendo alvo da violência.
Mas a situação mudou com os bombardeios a Goma. “A dinâmica da missão mudou porque a missão foi atacada e porque a população civil foi atacada de maneira indiscriminada”, afirma o militar brasileiro.
Brigada de Intervenção
Depois que Goma foi invadida no ano passado, o Conselho de Segurança da ONU aprovou um mandato sem precedentes para as forças de paz no Congo. Além de embasamento jurídico para atacar os rebeldes, a operação de paz foi autorizada a montar uma unidade militar especial chamada de Brigada de Intervenção – com o objetivo de atacar os grupos armados.
Ela será composta por 3 mil militares e contará com forças de artilharia, blindados pesados, helicópteros de ataque Mi-24 e unidades de forças especiais.
Santos Cruz disse à BBC Brasil que a brigada ainda está incompleta, à espera de militares do Malauí.
“Nós estamos esperando, e dentro de um mês vai chegar o terceiro e último batalhão. A brigada está a dois terços da sua força total, um pouco mais, mas ainda falta aí 25%. É um bom reforço que a gente está precisando”, afirmou o brasileiro.
Inquérito
No último sábado, um grupo de manifestantes tentou invadir uma base da ONU dentro de Goma. Eles protestavam contra o que alegavam ser a incapacidade dos capacetes azuis de proteger a cidade.
Na ocasião, militares uruguaios da missão de paz mataram dois manifestantes na tentativa de impedir a invasão.
A ONU abriu uma investigação sobre o caso. Santos Cruz afirma que as circunstâncias e responsabilidades devem ser apuradas.
O brasileiro acrescenta que há suspeitas de que grupos de moradores de Goma estejam sendo “manipulados” por pequenos grupos supostamente ligados aos rebeldes, para se voltar contra a ONU.
O general diz ainda que a ONU continuará apoiando o Exército congolês na campanha contra o M23. Ele afirma, porém, que os rebeldes ainda têm tempo para abandonar o confronto e optar por uma solução política para o conflito – retornando à mesa de negociações em Kampala, Uganda.
FONTE: Luis Kawaguti da BBC Brasil em São Paulo