Nos últimos dois anos, dos cerca de 350 mil rapazes que se apresentaram obrigatoriamente, 10% queriam entrar para Exército, Marinha ou Aeronáutica; até 2014, esse número chegava a 5%. As vagas disponíveis, porém, continuam restritas
Por Isabela Palhares
Para o tenente-coronel Lúcio Ferreira de Medeiros, da 4.ª Circunscrição Militar de São Paulo, o aumento da procura está relacionado ao momento econômico. No terceiro trimestre do ano passado, o desemprego entre os jovens de 14 a 24 anos chegou a 27,7%, enquanto a taxa total foi de 11,8%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“É um aumento significativo para o Exército e, infelizmente, não temos condições de absorver muitos desses jovens”, disse Medeiros. Os incorporados têm 11 meses de estabilidade e recebem um soldo inicial de R$ 769. Em São Paulo, são 8,1 mil vagas para as três forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) – considerando apenas os que querem entrar para o serviço militar, são quatro vezes mais interessados do que vagas.
Por causa da concorrência, Kauê Neves dos Santos, de 18 anos, iniciou há algumas semanas um treinamento para se destacar dos demais candidatos nos exames físico e médico. Ele fez o alistamento obrigatório no ano passado e enfrentará a primeira seleção para o serviço militar.
Santos fez curso técnico de Edificações na rede pública, mas ao se formar teve dificuldade para encontrar emprego. No último ano, só conseguiu “bicos” como segurança. Por isso, viu o serviço militar como opção de emprego e estabilidade. “O mercado de trabalho está muito difícil. Achava que a área de engenharia iria me assegurar um bom emprego, mas não encontrei nada. Então, pesquisei e conversei com muita gente que dizia que o Exército poderia me dar mais oportunidades.” Santos espera conseguir trabalhar na área de engenharia da carreira militar.
Segundo Medeiros, a maioria dos convocados após um ano tem interesse em continuar no Exército, mas há ainda menos vagas – cerca de 10% a 20% para cada organização militar. “Nós lamentamos porque dispensamos muitos jovens bons, com vontade de aprender mais. Mas sempre dizemos que os aprendizados do Exército servem e são valorizados em qualquer emprego ou carreira que seguirem.”
Natan Laudino, de 19 anos, conclui em fevereiro o primeiro ano de serviço militar na Aeronáutica. Ele disse que gostaria de continuar na carreira, mas, se não for selecionado, pensa em retomar o curso técnico de fotografia que parou quando foi incorporado. “Foi um aprendizado muito bom, vou levar para toda vida. Aprendi sobre respeito, trabalho em equipe e a mexer em armamento, sobreviver na selva. Experiências que todo menino gostaria.”
Tendência. Segundo Peterson Silva, professor de Relações Internacionais da Faculdade Rio Branco que foi pesquisador associado do Centro de Estudos Estratégicos do Exército em 2016, em outros países o serviço militar também atrai jovens em momentos de crise. “Estados Unidos e Reino Unido também registram variações que acompanham a economia. A carreira militar atrai pela estabilidade e pelo salário, como um concurso público. Para jovens de classe média e baixa, o serviço militar aparece como opção.”
Silva disse que muitos adolescentes também são atraídos por uma visão “romantizada”. “Muitos têm referências do que viram em filmes, querem mexer em armamento, fazer o treinamento físico. Outra benesse é que o Brasil não tem histórico recente de participação em conflitos, então não há o mesmo medo de ser militar como nos Estados Unidos.”
Amarílio Ferreira Júnior, pesquisador de políticas educacionais da ditadura militar pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), afirma que o aumento da procura também está relacionado a uma retomada do prestígio do Exército. “Esses jovens não viveram a ditadura, quando os militares eram temidos. Hoje, o Exército recuperou sua confiança com a sociedade. Os militares são vistos positivamente e, consequentemente, muitos querem fazer parte.”
FONTE: O Estado de São Paulo