Por Tânia Monteiro
“Foi pontual. Está infinitamente distante de representar um problema sistêmico, mas temos preocupação e estamos permanentemente atentos em relação a isso.” Para o comandante, houve “negligência” em grande parte dos Estados em relação à segurança pública. Ele avalia que o uso das tropas federais “não tem capacidade” de solucionar os problemas e se mostra incomodado com a possibilidade de “uso político” das Forças Armadas nas eleições.
O comandante avalia que, no dia 24, quando está sendo anunciada uma grande mobilização para acompanhar o julgamento do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, em Porto Alegre, a Brigada Militar do Estado tem “plenas condições” de controlar a situação. A seguir, a entrevista:
Folha – Em algumas comunidades, as organizações criminosas têm conseguido eleger candidatos e fazer indicações políticas para cargos públicos. Há preocupação da indicação política em polícias militares nos Estados?
Villas Bôas – A escolha de um comandante da Polícia Militar sempre tem o caráter político. O problema é que houve distorção e adquiriu caráter político-partidário. Isso acaba provocando sectarismos, divisões e perda da coesão em instituições militares.
A Constituição de 1988 permitiu que houvesse direito de associações com caráter de sindicato, o que atrapalhou a hierarquia e disciplina, porque ela é mecanismo de conter a violência e mantém a coesão das instituições. Sempre que uma instituição perde sua coesão, ela traz desgraças para ela própria e para a sociedade a que serve.
Folha – Há preocupação de que indicações políticas possam levar o crime para as instituições?
Villas Bôas – As facções criminosas no Rio e em São Paulo, que se estendem para outros Estados e produzem filhotes, e essa estruturação do crime, principalmente em relação ao narcotráfico e associações internacionais, aumentam em muito a capacidade de contaminação das instituições. Realmente preocupa porque isso pode se estender, claramente, em todo o processo político, de forma que eles coloquem pessoas ligadas a eles ou a seus próprios integrantes em cargos públicos importantes.
Folha – Existe essa contaminação do crime nas tropas federais?
Villas Bôas – Há preocupação de contaminação das tropas, e por isso queremos evitar o uso frequente das Forças Armadas. Recentemente, no Rio, verificamos desvios do nosso pessoal. Foram pontuais, restritos a um ou outro indivíduo, de nível hierárquico baixo. Está infinitamente distante de representar um problema sistêmico ou institucional. Mas temos preocupação e estamos permanentemente atentos.
Folha – O senhor teme o uso político das Forças Armadas para segurança pública próximo das eleições?
Villas Bôas – Há preocupação de uso político das Forças Armadas com a proximidade das eleições porque governos, não querendo sofrer desgastes políticos com a população e em determinadas situações por comodidade, solicitam intervenção federal.
Folha – Como o senhor classifica a situação da segurança pública do País?
Villas Bôas – Tem havido negligência em relação à segurança pública no País. Mas também é surpreendente uma certa passividade da população em relação a isso. Nenhum conflito no mundo hoje faz perder o número de vidas que temos no Brasil, onde são assassinadas 60 mil pessoas por ano. Há negligência em grande parte dos Estados. Mas a questão da segurança é muito profunda e está claro que o simples emprego das Forças Armadas não tem capacidade, por si só, de solucionar problemas de segurança pública que estamos vivendo.
Folha – Onde a situação é pior?
Villas Bôas – Nos Estados do Nordeste, os índices de criminalidade são mais altos do que no Rio de Janeiro. Só que o Rio é uma caixa de ressonância. Por isso, é difícil dizer onde é mais grave ou não. No Rio Grande do Norte, de onde sairemos neste fim de semana (a entrevista foi feita na sexta-feira), fomos empregados pela terceira vez e, neste espaço de tempo, estruturalmente nada foi feito na segurança pública do Estado. Sabemos que, ao sairmos de lá, os problemas continuarão, o que indica que proximamente poderemos ser chamados a intervir. É preciso que se modifique os aspectos na conduta dos governos locais em relação à segurança pública.
Acho que é inevitável que o governo federal terá de chamar para si a responsabilidade, pelo menos parcialmente, porque o crime extrapola as fronteiras e o combate está sem integração. Há Estados que nitidamente negligenciam essas preocupações e, nesse caso, o governo federal tem de intervir, usando Forças Armadas e Força Nacional de Segurança Pública.
Folha – Como resolver esta questão da criminalidade que afetou a segurança pública?
Villas Bôas – Somos um País carente de disciplina social, que prioriza os direitos individuais em relação ao coletivo e ao interesse social. E um ambiente de pouca disciplina favorece à diluição das responsabilidades. Por isso, há uma certa resistência a que se busque o saneamento das condutas individuais e coletivas.
Por outro lado, estamos vivendo uma imposição do politicamente correto, vivendo uma verdadeira ditadura do relativismo e com uma tendência a que não se estabeleçam limites nas condutas. Isso vai numa onda e volta em um refluxo que atinge as pessoas e a sociedade como um todo. Isso está na raiz dos problemas, insisto, do politicamente correto, privilegia e atua reforçando o seu caráter ideológico e não apresentando a solução dos problemas. Quando nós vemos agressões a mulheres, abusos, quando vemos desrespeito, na raiz disso está a falta de limite e de disciplina que existe na sociedade. Precisamos de muito mais educação e responsabilidade por parte de todos e cada um precisa cumprir efetivamente seu papel e assumir suas responsabilidades até em relação à segurança.
Folha – É necessário o uso das Forças Armadas em Porto Alegre no dia 24 de janeiro durante o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Villas Bôas – Este é um problema essencialmente de segurança pública. Não precisa de decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para isso. Assim como no Paraná foi muito efetiva a atuação do governo estadual na estrutura de segurança pública, o Rio Grande do Sul tem plenas condições de fazer face a essa questão. A Brigada Militar gaúcha é uma corporação capacitada. A estrutura de segurança pública tem condições de resolver o problema e o pedido do prefeito de tropas federais é inconstitucional.
Folha – Há uma banalização do uso das Forças Armadas?
Villas Bôas – Há uma tendência à banalização do uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e isso acarreta desvio de emprego das Forças Armadas.
Folha – Qual sua avaliação das eleições este ano?
Villas Bôas – As eleições, de certa forma, representarão um plebiscito em relação à Lava Jato.
Rio de Janeiro – Desde 2016, o Rio pediu as Forças quatro vezes: Olimpíada (agosto de 2016), eleições (outubro de 2016), votação do pacote de austeridade na Assembleia (fevereiro de 2017) e para reforço (2017).
60 mil – O Brasil atingiu em 2016 o maior número de mortes violentas intencionais – como homicídios e latrocínios – da sua história. Foram 61.619 vítimas, o equivalente a 168 óbitos por dia, ou 7 por hora.
Rio Grande do Norte – A polícia encerrou na quarta uma greve de 22 dias que levou à solicitação pelo Estado de intervenção das tropas na região metropolitana de Natal e em Mossoró. As tropas saíram anteontem.
Garantia da Lei e da Ordem – O emprego das forças militares para reforçar a segurança nos Estados triplicou na última década em comparação com os anos 1990, mostrou reportagem do ‘Estado’.
FONTE: O Estado de São Paulo