A FACE CIVIL
Ao longo de meio século, o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) deu a Manaus um prefeito e, em seus estágios na selva, inúmeros profissionais da área de segurança pública ganham conhecimentos para usar em favor da sociedade civil. Entretanto, algumas histórias são peculiares porque caminham lado a lado com o tempo de vida do CIGS. Um exemplo é o da costureira Lesinalda Pedroso de Souza, 78 anos de idade.
D. Nalda, como é carinhosamente chamada, é a responsável pelos uniformes bem alinhados do corpo docente e dos oficiais de comando do Centro de Instrução. Natural de Santarém (PA), chegou a Manaus ainda muito jovem. Casou- se e deu à luz quatorze filhos. Com a prematura morte do marido, a costura passou a ser o ganha pão e a vida prosseguiu com dificuldades.
Em 1980, recebe de seu irmão o convite para trabalhar como costureira no CIGS, pois o Coronel Gelio Fregapani, recém-chegado a Manaus, desejava melhorar os uniformes. Após recusar o convite por cinco vezes, passou a trabalhar no CIGS e, depois de 35 anos de serviços, confessa com gratidão: “há mais de três décadas, sirvo ao Exército Brasileiro e foi graças ao CIGS que consegui criar meus filhos e ter minha casa própria, porque os militares me ajudaram”.
De sua convivência com o CIGS, D. Nalda aproveitou para experimentar um pouco da vida militar, realizando, durante uma semana, o estágio de sobrevivência na selva e participando da Marcha da Saudade. O rosto sorridente só fica sisudo no momento de comentar a opção dos filhos: “dois dos meus filhos serviram, mas nenhum deles quis seguir a carreira militar”.
A MÍSTICA DO GUERREIRO DE SELVA
O Guerreiro de Selva
São militares especializados capazes de sobreviver e combater valendo-se essencialmente da selva, a sua fiel e inseparável aliada. São profissionais que integram frações guerreiras e motivadas, que deslizam silentes pelos labirintos da mata misteriosa. Inspiram-se na onça para combater, animal símbolo da guerra na selva, pois sabem cercar, inquietar e emboscar o inimigo com facilidade, atuam de surpresa e sempre acreditam na vitória.
O Brevê de Guerra na Selva
O primeiro brevê do CIGS era, como tudo no início do Centro, inovador. Tinha cor prata porque os cursos de oficiais e praças eram idênticos. Herança dos paraquedistas.
O padrão era o mesmo adotado para os cursos do Exército. Folhas de carvalho na horizontal, tendo na sua parte central um escudo português. O escudo apresentava a novidade de ser vazado e possuir, em seu interior, um felino, a onça pintada, de frente e com a boca aberta pronta para atacar. A razão para ser vazado era ter como fundo a cor verde do antigo uniforme, representando a selva amazônica. O conjunto era encimado por uma estrela de cinco pontas.
A partir de 1971, como os cursos estavam funcionando com currículos diferenciados – Categoria A para Oficiais Superiores, B para Capitães e Tenentes e C para Subtenentes e Sargentos –, estabeleceu-se que os distintivos seriam dourados para oficiais e prateados para praças.
Com o novo Regulamento de Uniformes do Exército (RUE) aprovado em 2014, o brevê passou a ser dourado para todas as categorias do COS.
A Onça Pintada
A onça pintada é o maior felino do continente americano, sendo encontrada do extremo sul dos Estados Unidos até o norte da Argentina. É Essencialmente carnívora. A pelagem varia entre amarelo escuro quase dourado até castanho claro. A onça preta é uma variação melânica, possuindo maior quantidade de pigmento (melanina) em sua pele. Neste caso, a coloração amarela é substituída por uma pelagem preta ou quase preta com o mesmo tipo de manchas osciladas (rosetas) encontradas nas onças pintadas. O corpo é completamente revestido por pintas negras, que formam rosetas dos mais diversos tamanhos, com um ou mais pontos negros em seu interior.
Tem hábitos solitários, diuturnos, com locomoção cuidadosa e sem ruídos, perseguindo a presa sem ser percebida. Exímia nadadora, utiliza a ponta da cauda como isca para obtenção do pescado. Possui garras potentes e retráteis, que são afiadas em troncos largos e cujas ranhuras auxiliam na demarcação de seu território. A força de sua patada pode chegar a 200 kg.
Por tudo isso, é considerada pelos guerreiros de selva brasileiros o seu animal símbolo, como diz o verso do poema Que Não Ousem: “os guerreiros da selva são como a onça que cerca pacientemente a presa para atacar no momento oportuno, fazendo ecoar um esturro ubíquo e aterrador ”.
Chapéu Bandeirante
A Divisão de Doutrina e Pesquisa do CIGS desenvolveu em 1981 o “Chapéu de Selva Bandeirante”, o qual tinha o objetivo de atender à necessidade do combatente de selva no que se refere à cobertura, dotando-o de um chapéu que lhe proporcionasse conforto, ventilação e proteção contra espinhos.
O Distintivo de Gorro
Criado em 2004 no contexto das comemorações dos 40 anos do CIGS, o distintivo consiste em escudo peninsular português, tendo em chefe a expressão “guerra na selva” – como são conhecidos tradicionalmente os especialistas em operações na selva formados pelo CIGS, homens que ousaram realizar e obtiveram êxito no melhor curso de guerra na selva do mundo. No fundo e em abismo, a cara da onça de frente.
A Oração do Guerreiro da Selva
A ideia de escrever uma oração para os combatentes de selva foi do 1º Ten Humberto Batista Leal, durante o descanso dos alunos na Base de Instrução Plácido de Castro (BI/2). Ali, ele declarou para alguns companheiros de curso que desejava escrever um poema para ser recitado pelas tropas de selva. Juntou, em silêncio, as palavras mais simples que encontrava, para compor os versos que revelassem a simplicidade da floresta e dos homens que usavam o brevê da onça.
Meses depois, nomeado instrutor do Centro, escreveu a Oração do Guerreiro da Selva que passou a ser entoada antes do início das atividades de instrução e após seu término. Todos procuravam memorizá-la e logo passou a ser declamada nas formaturas e demais atividades operacionais. Isto acontecia no CIGS, mas logo se propagou por todas as Organizações Militares da Amazônia. Foi assim que tudo começou.
As Leis da Guerra na Selva
Criada pelo Coronel Fregapani, 6º Comandante do CIGS, tinha a finalidade de incutir na mente dos Guerreiros de Selva algumas regras, procedimentos e atitudes que sintetizam a maneira como devemos combater, de modo a transformar a selva numa aliada.
1ª- Tenha iniciativa, pois não receberá ordens para todas as situações; tenha em vista o objetivo final;
2ª- Procure a surpresa por todos os modos;
3ª- Mantenha seu corpo, armamento e equipamento em boas condições;
4ª- Aprenda a suportar o desconforto e as fadigas sem queixar-se e seja moderado em suas necessidades;
5ª- Pense e aja como caçador, não como caça; e
6ª- Combata sempre com inteligência e seja o mais ardiloso.
O Facão do Guerreiro de Selva
O facão-de-mato (ou terçado) é um artefato indispensável ao combatente na Amazônia, para missão de paz e de guerra. O FGS é uma personalização do facão, de alta qualidade e beleza estética, concedido pelo CIGS àqueles que ousaram enfrentar um dos mais difíceis testes do Exército Brasileiro – o Curso de Guerra na Selva – e conquistaram o direito de ostentar no peito o brevê de guerra na selva.
Às tropas de elite mais famosas do mundo estão associados facas ou facões que as identificam. É usual, no encontro de camaradas de Forças Armadas amigas, a mostra recíproca desse emblemático artefato que, de certo modo, revela o significado histórico das corporações que integram.
Cerimônia de entrega do Facão
Os guerreiros de selva formados pelo CIGS constituem, incontestavelmente, um grupo de elite do Exército Brasileiro.
A Origem do Brado de Selva
Quando do início das atividades do CIGS, as idas à área de selva eram muito frequentes. O movimento de viaturas era grande e a nova Unidade ainda não dispunha de fichas de saída de viaturas para serem controladas no portão do Corpo da Guarda. Normalmente, ao ver a saída de uma viatura, a sentinela perguntava qual o seu destino e o motorista ou quem ia à boleia respondia “SELVA” e a maioria das saídas era para a área de instrução. Daí nasceu uma tradição, de maneira simples e espontânea.
Até agosto de 1968, a saudação “SELVA” era restrita ao CIGS e de caráter interno. Porém, no desfile do Dia Sete de Setembro daquele ano, o grito foi utilizado pela primeira vez em público e em formatura oficial. Para manter a cadência da tropa, os instrutores contavam o tradicional “um-dois- três” e depois gritavam “SELVA!”. A partir daí, o brado espalhou-se e hoje caracteriza, em todo o Exército, os Guerreiros de Selva e a tropa da Amazônia.
A sua implantação não foi fácil. Houve muita contrariedade, principalmente dos mais antigos que reagiam às ideias novas; mas o CIGS tinha a sua destinação histórica de renovar os ‘corações e mentes’ da tropa da Amazônia e obteve sucesso. Este simples brado mudou a fisionomia militar dos que serviam na Amazônia, despertando o espírito de operacionalidade que estava adormecido pelos chavões que diziam ser a Amazônia era uma ‘área castigo’, na qual ‘ninguém queria nada’, onde ‘só tinha gente problema’ e outros.