Nos últimos meses, um tema voltou a atrair a atenção da mídia brasileira: a negociação da proposta de Acordo de Salvaguardas com os Estados Unidos que permita o lançamento, a partir do Centro Espacial de Alcântara (MA), de objetos espaciais que contenham componentes norte-americanos.
Uma rápida leitura dos artigos publicados em jornais e revistas revela que o interesse despertado pelo tema vem acompanhado de certo grau de desconhecimento. Há inúmeras opiniões e versões conflitantes sobre o que seria esse Acordo de Salvaguardas. Alguns falam em “entrega de Alcântara para os EUA”. Outros dizem que estão em curso “negociações secretas”. Há aqueles que dizem existir um “projeto de lei sobre o tema a ser apresentado ao Congresso Nacional já em maio de 2017”. E alguns, até mesmo, falam em “ameaça à soberania nacional”.
O chamado “Acordo de Salvaguardas Tecnológicas”, ou AST, é uma iniciativa que atende aos interesses do Programa Espacial Brasileiro e que poderá dar ensejo à geração de recursos, capacitação, progresso e aprofundamento das atividades espaciais.
A Agência Espacial Brasileira, responsável pela Política Espacial Brasileira, apresenta aqui informações e fatos que podem contribuir para um debate construtivo e fundamentado sobre o papel do AST no desenvolvimento do Centro Espacial de Alcântara e no fortalecimento do programa espacial brasileiro.
O texto a seguir busca esclarecer as principais dúvidas sobre o Acordo de Salvaguardas.
O que é o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, ou AST?
O AST a ser negociado com os Estados Unidos é um acordo recíproco de proteção de tecnologias. Com a assinatura do AST, os dois países estabelecem compromisso mútuo de proteger as tecnologias e patentes da outra parte contra uso ou cópia não autorizados. Ou seja, o AST protege tecnologias norte-americanas e brasileiras.
Acordos de Salvaguardas Tecnológicas são praxe no setor espacial. Basta lembrar que o Brasil já tem acordos semelhantes celebrados com Rússia e Ucrânia. Já os EUA têm Acordos de Salvaguardas com Rússia, Índia e Nova Zelândia. Obviamente, em nenhum desses casos se pode falar de “ameaça à soberania”. Os AST são sempre celebrados por acordos de interesse mútuo entre as partes.
Por que o Brasil precisa assinar um AST com os EUA? Qual a importância desse Acordo para o país?
Precisamos, antes de tudo, entender a relação entre o AST e o Centro Espacial de Alcântara, ou CEA.
O programa espacial brasileiro prevê que Alcântara venha a se tornar um centro de lançamento competitivo que ofereça soluções de lançamento para a comunidade mundial. No futuro, além de utilizar foguetes nacionais para lançar satélites brasileiros, Alcântara poderá atender ao mercado internacional de lançamentos privados, gerando recursos para nosso programa espacial.
No entanto, para que um equipamento possa ser lançado de Alcântara, os proprietários de tecnologias presentes no objeto espacial necessitam de garantias para que sua tecnologia esteja protegida. Esse é o papel do AST.
Como praticamente todo equipamento espacial – de qualquer país – possui algum componente norte-americano, o AST a ser assinado com os EUA permitirá que esses equipamentos sejam lançados a partir do Centro Espacial de Alcântara.
Por outro lado, sem o AST, Alcântara jamais poderá lançar qualquer objeto que tenha conteúdo norte-americano e o Brasil ficará de fora do mercado de lançamentos espaciais.
Resumindo: o AST é necessário para transformar Alcântara em um centro comercial de lançamentos que possa gerar recursos para o Brasil.
E a nossa soberania?
O AST não trata de questões de soberania. Ele não prevê cessão de território, restrições de acesso ou controle de Alcântara pelos EUA ou por outro país. O AST é meramente um acordo de proteção de tecnologia – um acordo padrão na área espacial. Afinal, se o AST fosse um acordo de restrição de soberania, a Rússia jamais teria assinado tal acordo com os EUA e com o Brasil.
O Centro de Alcântara continuará sendo controlado exclusivamente pelo governo brasileiro, com participação da AEB e do Ministério da Defesa e todas as atividades no Centro ocorrerão sob a supervisão do Brasil, exatamente como ocorre hoje.
A assinatura de um acordo de salvaguardas pelo Brasil com outro país significa apenas que o Brasil reitera seu compromisso de proteger a propriedade intelectual de terceiros, assim como o Brasil exige que outros países respeitem sua propriedade intelectual. Sob esse aspecto, o AST é um acordo de proteção dos interesses brasileiros. Com o AST, os EUA terão a mesma obrigação de respeitar e proteger a propriedade intelectual de nossos equipamentos espaciais.
Procede a informação que os EUA vão montar uma base em Alcântara?
O AST não trata deste assunto. O Acordo de Salvaguardas, como mencionado acima, não se propõe a discutir qualquer questão nesse sentido.
Essa dúvida pode ser fruto de um certo desconhecimento de como funcionam as operações em um centro de lançamento. Em Alcântara, temos uma ampla área na qual podem ser estabelecidas algumas plataformas de lançamento. Qualquer país ou empresa nacional ou estrangeira pode, se quiser, negociar um contrato para desenvolver uma infraestrutura, mediante acordo, em área do CEA para realizar operações de lançamentos. Isso é praxe no setor espacial. Um exemplo semelhante na América do Sul é a Base de Kourou, na Guiana Francesa, de onde são operados os foguetes russos Soyuz. Para a Rússia, trata-se de ter acesso a uma base com localização e infraestrutura excelentes. Para a França, trata-se de negócios, pois o país é remunerado pelos russos. Um bom negócio para todos. E é isso que queremos para Alcântara e para o Brasil.
O Acordo de Salvaguardas é bom para o Brasil?
É do interesse do Brasil fomentar atividades comerciais em Alcântara, pois essas gerarão recursos substanciais para o nosso programa espacial e para o país. No entanto, em função do peso das tecnologias norte-americanas na indústria espacial mundial, é impossível para o Brasil desenvolver atividades comerciais de lançamento no CEA sem a assinatura de um AST com os EUA. Enfim, o AST é fundamental para o sucesso de Alcântara. Para os EUA, trata-se de proteção intelectual. Para o Brasil, de proteção intelectual e também de interesse comercial.
Quando esse Acordo será assinado?
Em primeiro lugar, uma proposta de texto será negociada com os atores relevantes do Brasil (MCTIC/AEB, MD, MRE). Após aprovação, como em qualquer tratado internacional, esse texto deverá ser negociado com o lado norte-americano para que as partes cheguem a um texto que atenda aos interesses e preocupações de ambos.
Após assinatura, o texto seguirá para discussão e aprovação no Congresso Nacional e somente após essa etapa entrará em vigor. Esse é o procedimento legal previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Mais importante do que termos uma data para que o processo seja concluído, é assegurar que todos os interessados tenham pleno conhecimento da importância do AST para que assim possamos avançar nessa iniciativa, que é de grande importância para o desenvolvimento do Brasil.
FONTE: AEB