“O despertar de um ideal”

Como tudo começou!

Em meados do ano de 1945, na fazenda de meu avô, Santa Eponina em Acegua, fronteira do Uruguai, fiquei maravilhado com as “piruetas” aéreas dos Quero-Queros ao protegerem seus filhotes. Na época, com apenas 6 anos, não conseguia entender como eles conseguiam voar, já que eram pesados. Peguei então uma pequena pedra, mais leve do que os pássaros, e a atirei longe. Ela não voou. Achei aquilo muito estranho, pois era mais leve que o pássaro, é bem verdade que os Quero-Queros tinham asa e a pedra não.

Talvez fosse essa a diferença, apesar de que a pedra não era um ser vivo, porém as nuvens também não eram e por muitas vezes, naquelas férias, fiquei pensando como poderia aquilo acontecer.

O tempo passou e nunca mais pensei naquela “incoerência”.

Lá pelos idos de 1954, em Porto Alegre, ouvi um barulho estranho vindo do céu. Imediatamente, larguei os estudos e corri para a varanda de minha casa. Olhei para cima e fiquei, novamente, deslumbrado com as “piruetas” de dois aviões que “brincavam” em torno das nuvens daquela tarde de verão do Rio Grande do Sul.

Os Gloster-Meteor (F-8 na designação da FAB), avião a jato inglês, acabavam de chegar para equipar o 1º/14º Gav. em Canoas, próximo de Porto Alegre.

Fiquei maravilhado, imaginei a sensação que os pilotos deveriam estar sentindo, pois parecia muito melhor do que qualquer montanha russa e fiz uma promessa a mim mesmo: “Um dia ainda vou estar dentro de um daqueles aviões”.

Doze anos mais tarde, no dia 11 de março de 1964, eu decolava da pista 04 da Base Aérea de Santa Cruz no Gloster Meteor número de série 4438 em direção aos céus. Havia cumprido a minha promessa e alcançado um ideal, tantas vezes sonhado há mais de dez anos.

As coisas não foram tão fáceis para chegar até aí, porém o destino foi cúmplice de minha história profissional.

Estudava no Colégio Anchieta, em Porto Alegre e desconhecia completamente como poderia, um dia, voar naquele avião. Eu ainda não sabia da existência da Força Aérea Brasileira e que para voar o avião do meu ideal eu teria antes que ser Oficial Aviador.

Inesperadamente, no final de 1954, meu pai, que era Oficial do Exército, foi convidado a integrar o Gabinete do novo Ministro do Exército, Gen. Lott, no Rio de Janeiro. Getúlio Vargas havia se suicidado em agosto, por isso a formação de um Gabinete do novo Ministro e daí o convite ao meu pai.

Em fevereiro de 1955, minha mãe levou-me ao Aeroporto de Porto Alegre para encontrar meu pai, no Rio de Janeiro, e matricular-me na 4ª série ginasial do Colégio Militar. Começou aí, agora não era apenas um sonho, minha paixão, meu vício, minha determinação, ou seja, lá o que for por aquelas máquinas que conseguiam imitar os pássaros.

Embarquei sozinho num Convair 340 da Real Aerovia, prefixo PP-YRF, em direção ao Rio de Janeiro. Logo após a decolagem, vendo as “coisa terrenas” ficarem cada vez menores, senti que aquele seria o meu caminho. Era aquilo que gostaria de sentir para o resto de minha vida. Com certeza eu seria um aviador.

Encontrei meu pai no Aeroporto Santo Dumont e logo no dia seguinte já estava inscrito como aluno no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Sem muitas dificuldades, terminei o 3º Ano Científico (2º Grau atual) em 1959. Meu pai matriculou-me, então, num pré-vestibular de Economia, pois previa ele, seria a profissão do futuro.

Secretamente, sem o conhecimento e autorização de meus pais, inscrevi-me para a Escola de Aeronáutica dos Afonsos. Nessa altura eu já sabia que o Gloster era um avião da Força Aérea Brasileira e que para voá-lo teria que ingressar no curso de aviador militar. Sabia que haveria um exame médico rigoroso e que, provavelmente, não seria aprovado. Inscrevi-me por desencargo de consciência, já que iria atender ao desejo de meu pai.

Qual não foi minha surpresa quando recebi a indicação de matrícula na Escola de Aeronáutica. Não tinha mais jeito, teria que fazer uma opção e contar para os meus pais. Num domingo, após o almoço em família, contei para eles que havia sido admitido no curso de Oficial Aviador da FAB. Meu pai, já General do Exército, aceitou a decisão do filho com serenidade. Minha mãe ficou desgostosa e com medo de perder o filho numa profissão considerada arriscada naquela época. A sorte estava lançada.

Fui matriculado na Escola de Aeronáutica dos Afonsos no dia 03 de março de 1960. Fui considerado “pára-quedista”, pois havia ingressado diretamente no curso de aviador sem ter cursado os três anos da Escola Preparatória da Aeronáutica em Barbacena, Minas Gerais. Entrei como “bicho” numa turma de veteranos da FAB já com três anos de convivência. Éramos 22 “bichos-paraquedista”. Recebemos os uniformes alguns dias após o ingresso e, enquanto isso andava “a paisano” e levando trotes dos veteranos de turmas de cadetes mais antigas. É bem verdade que cadetes dos 2º e 3º ano oriundos do Colégio Militar me protegiam, na medida do possível.

Um deles, amigo antigo da Arma de Cavalaria do CM, hoje Cel-Av R/R Paulo Pinto, escalava-me para arrumar a sua cama ao amanhecer. Como ele já estava no 3º Ano Aviador, era respeitado por todos e ninguém tinha coragem de me dar trote. Quando já fardado e dentro da rotina da Escola, os trotes cessaram e, finalmente, senti-me aceito no âmbito dos aviadores.

Levei, relativamente, poucos trotes. Um, em especial, lembro-me bem, pois foram dados por dois colegas de turma, porém já veteranos, que posteriormente tornaram-se grandes amigos meus: Cadetes Jai Fergunson (Papagaio) e Carlos Alberto Pereira Brandão (Baiano) . Consegui fazer umas 40 flexões antes de cansar. Lembro por que, normalmente, não conseguia fazer mais do que umas 25 flexões. Este trote me ensinou que temos mais energia do que imaginamos.

Muitas vezes, no decorrer de minha vida, quando pensava estar esgotado fisicamente ou mentalmente, lembrava-me deste trote e conseguia seguir em frente até alcançar o objetivo pretendido. Na verdade o ser humano, naturalmente, nunca se entrega, ele retira forças inimagináveis para a sua sobrevivência.

Muito bem, agora eu era um Cadete Aviador e ao receber o Espadim senti-me cheio de orgulho, vitorioso e com chances de realizar o meu sonho.

Eu soube, então, que para chegar ao Gloster eu teria que voar uma série de aviões. Não me preocupei, pois seriam apenas “degraus” para chegar a voar ao F-8.

Que venha o primeiro: um tal de FOKKER T-21.

FOTOS: Wikipédia

 

Sair da versão mobile