Espaço do Aviador – Curso de Caça 1963

T-33

Meu primeiro contato com a pilotagem da aviação a jato foi no dia 03 de abril de 1963, no T-33 4312, tendo como instrutor o Cap. Barros (Barrinhos) e durou uma hora.

Minhas horas de instrução de T-33 foram:

03/04/63

T-33

4312

01:00:00

Cap Barros

FZ

09/04/63

T-33

4319

01:15:00

Cap Barros

FZ

13/06/63

T-33

4318

01:00:00

Ten.B Silva

NT

18/06/63

T-33

4316

01:00:00

Ten Starling

NT

19/06/63

T-33

4316

01:05:00

Ten. Carrilho

NT

20/06/63

T-33

4311

01:00:00

Ten. Rai

NT

20/06/63

T-33

4319

01:05:00

Ten Pereira

NT

02/07/63

T-33

4316

01:00:00

Ten Pereira

NT

No dia 04 de julho, no T-33 4316 tendo como checador o Cap. Carvalho, após 8hs e 25 minutos de instrução, fiz o cheque (exame prático de pilotagem) para voar sozinho num jato de caça.

O vôo durou exatos 60 minutos e ao final, deixei o Cap. Carvalho na sede do Esquadrão e voei sozinho num avião a jato. Foi apenas o primeiro passo, importante por sinal, para me tornar um Caçador.

Reconhecia-se na decolagem de T-33 os alunos de caça. Como tinha um “booster” de aileron (asa) e o manche ligeiramente torto para a esquerda, logo após sair do chão “batia asas”. Por ter uma docilidade de comandos, devido ao “booster”, quando o piloto em instrução puxava o manche para tirar o avião do solo, fazia-o torto e a aeronave baixava a asa, normalmente, para a direita. Ao tentar consertar, inclinava a asa para a esquerda e assim por diante até acostumar-se com uma pilotagem diferente das aeronaves já voadas.

T-33A “Shooting Star” no Musal

No dia 22 de julho, após um “briefing” sobre as diferenças entre o T-33 e o F-80, finalmente voei um veterano avião de Caça. Voei no F-80 4209 uma hora e dez minutos.

O F-80 foi um Caça-Bombardeiro, fabricado pela Lockheed, mono posto, equipado com um motor Allison J-33 com 5.400 libras de empuxo. Seu teto operacional era de 46.900 pés e seu alcance de 1.090 milhas náuticas. Seu armamento era composto de 6 metralhadoras calibre .50 e 5 “pontos duros” subalares para foguetes e/ou 2.000 libras de bombas.

Voar o F-80 era muito bom. Era ruim de partida de motor, porém após isso o avião era uma delícia. Ele possuía o tal “booster” de aileron, ou seja, uma bomba hidráulica que multiplicava a força aplicada no manche, o que tornava sua pilotagem bastante suave. Em comparação ao T-6, o avião que conhecíamos, o F-80 foi uma experiência maravilhosa, pois foi ele quem me promoveu a piloto de caça. Eu tornara-me um piloto militar, pois eu voava equipado com um macacão anti-G, máscara de oxigênio, colete salva-vidas (caso caísse no mar), armado, sim armado, pois uma arma de defesa pessoal, em solo inimigo, talvez fosse o único meio de sobrevivência, cadeira de ejeção, seis metralhadoras e voava onde poucos pilotos brasileiros, naquela época, podiam voar, ou seja, acima de 10 mil metros onde o céu é mais escuro.

Linha de voo dos F-80 do 1º/4º GAv.

Notar que nessa época, não haviam aviões a jato de passageiros e em conseqüência não haviam outros pilotos que voassem naquela altitude. E tem mais, os “Shotting Stars” brasileiros, como eram conhecidos os F-80 adquiridos dos EUA, eram veteranos de guerra. Vieram da guerra da Coréia, alguns com cicatrizes de combate, diretamente para o Brasil.

Como meu ideal era o Gloster Meteor, avião de caça a jato mono posto, o F-80 foi a certeza que atingiria o meu sonho de menino.

De abril até dezembro daquele ano, a pista de pouso de Fortaleza foi interditada para reformas e melhoramentos. Os Aspirantes a Caçador alternavam-se em cada semana, para voarem o T-33 e F-80 em Natal. Os aviões do 1º/4º Gav haviam sido deslocados para BANT no Rio Grande do Norte.

Os deslocamentos entre as duas cidades eram feitos com os aviões da FAB que passassem na rota. Assim, tive a oportunidade de voar pela primeira vez no dia 06 de junho o C-82 2711, porém, o normal era o B-25 da Base Aérea de Fortaleza (naquela época os B-25 eram os aviões administrativos das Bases Aéreas).

B-25 – Foto: Jerry Thompson

Os vôos no B-25 5065 da BAFZ eram realmente muito divertidos. Meu primeiro vôo de B-25 foi no dia 26 de junho daquele ano. O avião, um bombardeiro médio, possuía um nariz de “vidro” destinado ao tripulante responsável pelo lançamento das bombas. Havia um “túnel” de acesso para o “nariz”, abaixo das cadeiras dos pilotos e dali podíamos ter uma visão maravilhosa da paisagem daquelas terras nordestinas. Chamávamos, jocosamente, “voar de meleca”.

Neste ano fiz um vôo numa aeronave que desconhecia completamente: o C-46 da FAB. Foi no dia 04 de maio de 1963, no C-46 2058 comandado pelo Cap Vercesi.

Como eu era noivo no Rio, nos fins de semana prolongados, eu pegava qualquer avião que fosse para o Rio nas sextas-feiras, voltando no domingo de comercial. Numa dessas vezes, fui de C-46. O Cap. Vercesi colocou-me de “piloto-automático” por mais de duas horas. Pela primeira vez, pilotava um avião “grande” e confesso que não gostei muito, confirmando a minha impressão daquele vôo da inauguração de Brasília de C-54, de que aviões grandes não eram a “minha praia”.

O ano foi passando, os deslocamentos entre as cidades feitos constantemente e uma das coisas boas desta época, foi que reencontrávamos todas as semanas, os colegas de turma que tinham sido classificados em Natal. Assim a minha Turma ficou unida mais um ano em comparação com todas as outras turmas.

Minha turma de caçador, 1963, não conheceu o stand de Aquiraz em Fortaleza. Não deu tempo. Com a reforma da pista em Fortaleza e os constantes deslocamentos para Natal, não tivemos a fase operacional militar, ou seja: lançamentos de bombas, foguetes, tiro terrestre e aéreo. Em compensação, o treinamento de formatura, 2 e 4 aviões e combate aéreo, foram bastante extensos.

Não lembro o dia nem o nº do F-80, mas recordo-me do vôo que foi até divertido. Como o avião de caça só tem armamento virado para frente, para abater o “inimigo” é necessário posicionar-se atrás dele. Uma das manobras típicas de treinamento de combate, o instrutor posiciona-se atrás do avião do aluno e este tem que fazer o possível e o impossível para tirá-lo dessa posição e se for capaz, inverte-la. Existe uma infinidade de manobras para se conseguir fazer isso. Um piloto alemão da 1ª Guerra Mundial, MAX IMMELMAN inventou uma manobra, que tomou o seu nome, que invertia facilmente as posições relativas dos aviões em combate. Consistia em dar um meio touneau no topo do looping. O “inimigo que estava atrás, continuava no looping e o Immelman deixava-o passar e mergulhava atrás dele. Outra manobra, mais convencional consistia em diminuir ao máximo a velocidade, praticamente no pré-stall e fazer curvas para um lado e outro. Como há um retardo entre os inícios da manobra, o avião de trás, se o piloto não for hábil, poderá passar a frente do outro avião.

Pois bem, em um belo dia, eu estava na posição 2 numa formatura de 4 aviões nos céus de Natal.. O líder da formatura, Ten. B. Silva, iniciou a tal manobra com o intuito de passar para trás do meu avião.

Imediatamente, reduzi o motor e levantei o nariz do avião para “matar” a velocidade. Por mais que me esforçasse, sentia que a distância que nos separava diminuía drasticamente. Puxei mais ainda o manche para trás e no pré-stall subia cada vez mais impedindo, dessa maneira, que eu o ultrapassasse. Piloto inexperiente, preocupado com meu avião que trepidava muito no pré-stall, perdi o líder de vista.  O Ten. B.Silva perdeu sua Esquadrilha e voltou sozinho para o pouso. O avião nº 3, pilotado por um instrutor, conduziu-nos de volta.  Levei uma bronca fenomenal após o pouso, porém eu consegui não ultrapassá-lo.

Estávamos praticamente no final do ano e os Aspirantes não tinham as horas mínimas e  necessárias de vôo, para serem promovidos a 2º Tenente Aviador em função da reforma da pista. A solução da FAB, foi deslocar uns T-6 oriundos de diversos lugares, para a Base Aérea de Fortaleza.

Como já havia passado uns 8 meses que não voávamos os T-6, tivemos que ter novamente, um re-solo naquela máquina. O meu re-solo foi com o Ten. Russo no T-6 1282 no dia 3 de setembro, lembro-me bem. Era mais ou menos meio-dia e aquele vento constante do litoral nordestino soprava regularmente e para variar, em torno de 90º com a pista do Cocorote (pista secundária e pequena da Base de Fortaleza). Decolamos e fiz três aproximações e toques e arremetidas na pista. O Ten. Russo solou-me por que eu estava arremetendo com segurança. Na verdade, não consegui pousar nenhuma das vezes. Bom, eu estava re-solado e poderia completar minhas horas de vôo para a promoção. É claro que meu primeiro vôo solo em Fortaleza de T-6 foi a tardinha quando o vento acalmava. Confiante após os primeiros pousos, enfrentei a “ventania nordestina” em todos os períodos do dia completando minhas horas de vôo.

Não sei como não houve nenhum acidente naquela ocasião. Lembro que uma vez, combinamos de nos encontrar ao sul de Fortaleza para juntos e em formação de 4 aviões, evidentemente longe dos “olhos dos instrutores”, darmos uns rasantes em cima da casa de umas cearenses. Imaginem 4 “manicacas” de T-6, dando rasantes e fazendo acrobacias a baixa altura como se fossemos da Esquadrilha da Fumaça. Dizem por aí que Deus é brasileiro, eu acredito firmemente que Ele era, não só brasileiro mas também caçador.

Confirmando isso, dois acidentes, sem vítimas, aconteceram neste ano. O primeiro foi com o Aspirante Manoel Carlos Pereira no dia 12 de agosto com o F-80 4203 que fez um pouso forçado em um carnaubal em São Gonçalo do Amarante, município vizinho de Natal. O pouso foi perfeito sendo que uma das carnaúbas da plantação chocou-se com a entrada de ar esquerda do F-80 machucando levemente a perna do piloto. Foi um grande susto para todos nós.

F-80C exposto no MUSAL

Um fato interessante e atual, é que nesse município está sendo construída a nova pista Internacional de Natal (RN). O que o Prefeito talvez não saiba é que, há 50 anos, um avião a jato “inaugurou a pista” que só agora está sendo construída no mesmo local do tal “pouso.

Outro acidente foi com o Aspirante Celso de Andrade Teixeira em 19 de setembro de 1963 também em Natal.

Estávamos em uma Esquadrilha de 4 aviões. O líder era o Ten. Russo, eu como nº 2 no F-80 4211, o Ten. Starling como nº 3 e o Asp. Celso como nº 4 no 4210. Voamos uma hora de treinamento nos céus de Natal e voltamos para o pouso.  Já na altitude do tráfego e antes de entrar na final para o pell-off, ouvimos pelo rádio: “Copas, Nº 4 com motor apagado”.

Ficamos rodando em círculos em cima do avião do Celso até ele pousar fora da pista. Não víamos movimento dentro da nacele, porém ele estava vivo e sem arranhões. O pouso fora da pista foi “quase normal” e o Celso saiu ileso. Mais tarde ele nos contou que demorou em desamarrar-se e a abrir o Canopy do F-80, razão pela qual não víamos movimento lá de cima.

O avião do Celso, F-80 4210, após o “pouso”

Aqui cabe um comentário sobre a aeronave que voávamos.

O F-80 como o T-33 e mais tarde o TF-33, incorporavam tanques de combustíveis externos e nas pontas das asas, chamados de “Tip-Tanks”. Pois bem, o combustível desses tanques tinham que ser transferidos para o tanque central que alimentava o motor. A transferência era simples e toda vez que cruzávamos 5.000 pés na subida, desligávamos as bombas das asas, permitindo, prioritariamente, a transferência do combustível dos Tip-Tanks para o tanque da fuselagem. Na descida, ao cruzarmos 5.000 pés, todos os interruptores de todas as bombas deveriam estar ligados.

Sustos sobre combustíveis por esquecimento em ligar as bombas abaixo da altitude, todos os Aspirantes tiveram. Esquecer até podia, o que não podia acontecer é o motor parar. A partida em vôo a baixa altura num jato monomotor é complicado.

Um vôo que levei um susto danado agora de T-6, veio-me a lembrança. Como já escrevi anteriormente, completamos as horas de vôo necessárias para a promoção voando T-6. O vôo em si, era muito chato, pois decolávamos para ir a lugar nenhum e pousávamos de volta em Fortaleza. Um vôo isolado e só para fazer “hora”. Como na época se ganhava por hora de vôo, os Sargentos de Vôo se ofereciam para ocupar as nacele traseira dos aviões. Sem problemas e num belo dia voei com um Sgt. chamado Assunção, considerado “bom de vôo”. Lá em cima, em pleno vôo, mandei-o segurar o manche e ensinei-o a pilotar reto e nivelado.

Entregava os comandos a ele com o avião bem alto, todo equilibrado e compensado. Como o Sgt. era “bom de vôo”, resolvi ler um romance que tinha iniciado no dia anterior e trazido no bolso do macacão. Teve uma fase de minha vida que virei “rato de biblioteca”.

Fiquei tão absorvido pela leitura que esqueci que quem pilotava o avião não era piloto. De repente, percebi pelo canto dos olhos, algumas sombras passando pelas janelas laterais do T-6. Olhei para frente e vi uma palmeira que se aproximava rapidamente do nariz do avião. Estava rasante no meio de uma plantação de palmeiras. Dei um puxão violento no manche e passamos raspando pela copa da árvore. Devo ter deixado o compensador horizontal um pouco abaixo do neutro e o avião veio descendo lentamente sem que o sargento percebesse. Já comentei anteriormente que o aviador tem que ter sorte. Estou contando este fato pela primeira vez.

Outro vôo muito gozado, foi no dia 12 de setembro no avião T-6 1688 com o 3ºSgt. Ferreira. Antes do vôo, confidenciou-me que tinha trazido sua namorada para vê-lo voar. Pediu-me para fazer acrobacias em cima da Base. Achei interessante a sua iniciativa e decolei com o firme propósito de fazer umas cambalhotas para impressionar a namorada do Sargento Ferreira.

Subi e solicitei permissão para a Torre de Controle para efetuar algumas acrobacias bem em cima da Base e longe do tráfego das aeronaves civis. Permissão concedida iniciei com um looping.

Qual não foi a minha surpresa que, quando o avião passou no dorso (de cabeça para baixo), deu um tonneau rápido descontrolado e saiu com o nariz voltado para o chão. Tentei por várias vezes dar um looping normal e não consegui. Desisti do looping e tentai um tonneau barril. O T-6 reagiu mais violento ainda com a mesma manobra descontrolada. Tentei vários tipos de acrobacias e não consegui fazer nenhuma delas.

Voltei para o pouso chateado e com o firme propósito de pedir desculpas para o Sgt. Ferreira e sua namorada. Aquele dia eu devia estar péssimo e devo ter feito uma bagunça danada nos céus de Fortaleza.

Looping de T-6D

Quando descemos do avião, o Sgt. Ferreira encarou-me com a “face iluminada”, um sorriso de orelha a orelha. Agradeceu-me comovido e disse-me que nunca tinha pensado que um dia voaria com um “piloto da Fumaça”. Ao afastar-se abraçado com sua namorada, outros sargentos vieram cumprimentá-lo pelo vôo maravilhoso que tinham visto. Mais tarde, conversando com o mecânico do T-6, soube que aquele avião havia sofrido um acidente e tinha entortado a sua fuselagem. Por isso, quando o piloto puxava alguns “G”, as forças aerodinâmicas obrigavam-no a dar um giro horizontal. Ta bom então……

No mês de outubro fomos promovidos de Aspirantes a 2º Tenentes Aviadores. E com treinamentos de vôos já operacionais, chegamos ao final do ano e recebemos o Diploma de término do Curso de Caça. Foi uma solenidade bonita e recebi meu Diploma das mãos do Major Carvalho, Operações do 1º/4º Gav, Esquadrão PACAU.

Chegamos em Fortaleza 30 Aspirantes e formaram-se 18 Caçadores. Eu fui classificado em Santa Cruz junto com mais 11 no 1º Grupo de Aviação de Caça e os 6 restantes foram transferidos para o 1º/14º Gav em Porto Alegre.

Todos voariam o Gloster Meteor F-8.

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