Ministro da Ciência fala da cooperação técnico-científica russo-brasileira

Marco Antonio Raupp

O ministro da Ciência do Brasil, Marco António Raupp, concedeu à Voz da Rússia uma entrevista exclusiva, falando das áreas de cooperação técnico-científica entre a Rússia e o Brasil e dos sucessos atingidos nestas áreas.

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, matemático e professor Marco Antonio Raupp, gaúcho de Cachoeira do Sul, foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Parque Tecnológico de São José dos Campos, e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), assim como da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Nesta entrevista exclusiva concedida a Gabriella Lange, da Voz da Rússia, o ministro Raupp fala das áreas de cooperação técnico-científica entre a Rússia e o Brasil, bem como das políticas nacionais de incentivo à inovação tecnológica e à formação de profissionais capacitados.

– A partir da visita da presidenta Dilma Rousseff a Moscou em dezembro de 2012, o relacionamento bilateral Brasil-Rússia tem mostrado uma melhoria em várias áreas. Em fevereiro de 2013, além da Reunião da Comissão de Alto Nível dos dois países, realizada em Brasília com a presença do primeiro-ministro Dmitri Medvedev, com a assinatura de alguns acordos, ocorreram também dois eventos da maior importância – o Encontro Empresarial Bahia-Rússia, em Salvador, e a reunião do Comitê Agrário Brasil-Rússia, ainda em Brasília. Na área da Ciência, Tecnologia e Inovação – lembrando que o Senhor esteve em Moscou em novembro passado – também pode ser sentido um crescimento nas relações entre os dois países?

– Sim, nós temos um histórico de cooperação, mas eu tenho a impressão de que ela poderia ser muito maior. Acho que a novidade que aconteceu foi o acordo do programa Ciência sem Fronteiras, com o qual nós podemos mandar estudantes para lá e também receber especialistas russos aqui no Brasil. Isto é um passo muito importante, porque define um instrumento para financiar a cooperação e cria condições para a gente atuar e incrementar as atividades. Fui a Moscou ainda como presidente da Agência Espacial Brasileira, para manter um contato com a Roscosmos e dizer que nós queríamos aprofundar as relações. Isto foi feito. José Raimundo Coelho, que me substituiu no cargo, tem mantido contatos lá. No entanto, não temos ainda encontrado um caminho concreto de cooperação, apesar de termos uma boa tradição de cooperação com a Rússia. Por exemplo, quando tivemos aquele acidente com a Base de Alcântara, o DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial), que é responsável pela base, contratou empresas russas para fazer toda a avaliação do acidente, e isso ajudou na reorientação do programa. Agora, o DCTA tem um programa de desenvolvimento de lançadores de pequeno e médio porte, e tem procurado parcerias internacionais na Europa e na Rússia. Mas acho que mesmo aí ainda estamos devendo. A cooperação com a Rússia é uma área que poderia evoluir bastante.

– Antes de ser nomeado ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, e ainda como presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), o Senhor esteve na Rússia em missão chefiada pelo vice-presidente Michel Temer, para participar da 5.ª Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação. E, na volta, a delegação brasileira trouxe um acordo de cooperação com a Rússia na área espacial. Esse acordo evoluiu? Como anda a cooperação entre os dois países na área?

– Assinamos um memorando para fazer funcionar aqui no Brasil o sistema Glonass de localização (sistema russo de navegação global por satélite). Foi implementada uma estação que vai servir para calibrar o sistema na Universidade de Brasília (UnB), e também na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Isso é o início de uma colaboração interessante, porque essas duas estações servem para calibrar o sistema, para que ele possa ser explorado comercialmente. Então, a Agência Espacial, a UnB e a UFRGS estão nessa função. O que falta agora para utilizar esse sistema amplamente são as empresas, porque há um interesse comercial. A própria Agência Espacial Russa tem que ter a iniciativa de fazer acordos com empresas brasileiras para explorar o uso desse sistema no Brasil. É claro que a AEB vai ajudar, mas o acordo tem que ser feito com as empresas.

– Como ex-diretor geral do INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e ex-presidente da AEB, Agência Espacial Brasileira, e da SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o senhor considera que o Brasil já está em condições de avançar na pesquisa espacial? Qual a contribuição que o país tem prestado a essa pesquisa?

– Nós avançamos bastante na área de satélites. Já desenvolvemos pequenos satélites para fazer o monitoramento de bacias hidrográficas, que usamos até hoje, e agora desenvolvemos outros. Temos também com a China uma parceria de longo prazo de desenvolvimento conjunto de satélites de observação da Terra, e estamos agora em vias de lançar o quarto satélite nessa cooperação. Na área de satélites de telecomunicações, nós criamos uma empresa, Visiona, que vai ser a contratante principal desse projeto de desenvolver um satélite para comunicações oficiais no Brasil, para o governo usar no programa de banda larga nacional e para o uso das Forças Armadas. Nesse programa, a Visiona já fez um request for information, que, no fundo, se trata de ver quais empresas teriam interesse em ser fornecedoras desse programa. E uma empresa russa foi mencionada na reunião com o vice-presidente Michel Temer, e foi classificada. Agora, ela está em condições de fazer um request for proposals, ou seja, fazer uma proposta para participar do fornecimento, o que é promissor, já que a Rússia tem uma belíssima experiência com satélites de comunicações. Se eles oferecerem preços competitivos, teremos uma grande chance de incrementar significativamente a cooperação nessa área.

– Em artigo publicado em janeiro deste ano, o senhor destacou que, para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentado e competitividade econômica global, o Brasil não pode abrir mão das contribuições do conhecimento científico e tecnológico. E citou exemplos bem-sucedidos da aliança entre pesquisa e produção econômica no país, como o caso da Embraer, que se beneficia dos trabalhos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), ou da Petrobras, que se vale de seu centro de pesquisa e de diversas universidades públicas. Quais são os instrumentos no âmbito do seu Ministério para ampliar a base científica e estimular o desenvolvimento de novas tecnologias que respondam às necessidades de outros setores econômicos?

– No que se refere à base científica, nós já temos instrumentos tradicionais. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que é quem financia essas instituições que fazem parte do sistema brasileiro de geração de conhecimento científico – isso que nós chamamos de base científica – e faz a preparação dos recursos humanos qualificados na área, é operado tanto pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico quanto pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Agora, com relação às empresas – e esse é o grande desafio que nós temos – é preciso estimulá-las a fazerem P&D [pesquisa e desenvolvimento], ou seja, investirem em inovação.

Acabamos de lançar em 14 de março, no Palácio do Planalto, um grande plano chamado Inova Empresa, que tem por objetivos, por um lado, financiar projetos de inovação dentro das empresas, desenvolver suas estruturas para fazer P&D, e, por outro, estimular a cooperação das empresas e dos institutos tecnológicos. Existe um montante significativo para ser ofertado para essa cooperação tecnológica e de inovação entre essas empresas e institutos, ou então para as empresas fazerem, elas próprias, seus projetos de inovação. Nosso grande desafio é que, durante muito tempo, a pesquisa tecnológica ficou muito restrita aos institutos e às universidades, e queremos que as empresas também participem desses esforços, através dos quais elas estarão se habilitando para a competição global.

– O Programa Ciência Sem Fronteiras tem rendido inúmeros elogios ao Brasil na comunidade internacional, por expandir aos estudantes brasileiros as possibilidades de realizar seus estudos fora do país. Quais são as áreas de ensino mais procuradas pelos estudantes brasileiros no exterior? Como a Rússia, que tem excelência reconhecida nas ciências exatas, participa no programa de formação de jovens brasileiros?

– O Ciência sem Fronteiras está focado nas áreas de ciências naturais e engenharias, porque se deteta que, para o desenvolvimento do país, e especialmente para o desenvolvimento sustentado, é absolutamente necessário que tenhamos competência nessas áreas. Precisávamos fazer um esforço extra, e esse esforço extra se chama Ciência sem Fronteiras. Estamos mandando estudantes para estudar no exterior, em vários níveis. O estudante pode fazer seus cursos, ou parte de seus cursos de engenharia lá fora, ou mesmo sua pós-graduação. Este sistema financia isso, e não só para estudantes universitários, como também para especialistas que trabalham em empresas, que podem fazer estágios no exterior também pelo Ciência sem Fronteiras. O programa financia 101 mil bolsas, sendo que o governo financia 75% dessas bolsas, e várias empresas e associações empresariais que aderiram ao projeto financiam as outras 25%. Então, trata-se de outra grande linha de cooperação entre o governo e o empresariado para estimular essas áreas tecnológicas. Além disso, o Ciência sem Fronteiras também cria condições para atrairmos especialistas, cientistas e engenheiros para o Brasil. Então, quando nós assinamos um convênio com a Rússia, por exemplo, nós queremos estimular as duas coisas: a ida de estudantes para lá, e a vinda de especialistas russos para trabalharem em empresas ou órgãos do governo brasileiro. Engenharia, ciências biológicas e ciências da saúde são as áreas em que há o maior número de alunos no Ciência sem Fronteiras, daqui para o exterior. No sentido inverso, não há bolsas para alunos estrangeiros no Brasil. Na Rússia, até agora, há apenas um aluno de doutorado brasileiro pelo programa. Ele é da área espacial, e está em Moscou, no Joint Institute for High Temperatures of the RAS. Foi em outubro do ano passado, e deve voltar em setembro de 2015. Porém, com o acordo Brasil-Rússia firmado recentemente no âmbito do Ciência sem Fronteiras, há a expectativa de que em breve esse número aumente. Há que se mencionar aí a dificuldade que existe em relação à questão da língua. A representação no governo das universidades russas, com quem nós assinamos o convênio, é uma organização que cuida da alocação dos estudantes brasileiros nas universidades de lá. Junto com o governo e com o Ministério da Educação, eles estão preocupados em contribuir de alguma forma para que os estudantes brasileiros tenham um período de preparação da língua russa. Fora isso, as bolsas do Ciência sem Fronteiras cobrem não só as anuidades escolares como também o custo de estada, alimentação e seguro-saúde nos outros países – é uma bolsa completa.

– O Senhor pode citar alguns outros exemplos de resultados concretos obtidos pelos acordos de cooperação científica e tecnológica que o Brasil tem com a Rússia? Quais avanços foram alcançados neste sentido com a última visita do primeiro-ministro Dmitri Medvedev ao Brasil?

– Há uma proposta especial que eu fiz nessa comissão. Nos arredores de Moscou existe um grande parque tecnológico [Skolkovo], onde se estimula a articulação de empresas e bases tecnológicas. Eu sugeri, e acredito muito que isso possa dar uma contribuição significativa para as nossas relações, que fizéssemos um diálogo entre empresas que estão em parques tecnológicos aqui no Brasil e lá na Rússia. São pequenas empresas que têm negócios em tecnologia. Então, se criarmos condições para que elas possam se reunir e discutir seus projetos e suas ideias, estaremos criando possibilidades de cooperação direta ao nível de planos de negócios entre essas empresas russas e brasileiras. Acredito que estimular esse diálogo é estimular a parceria econômica e comercial. E essa confluência de ideias, capitais e esforços é muito importante para o setor de inovações tecnológicas na competição global. Estou propondo isso, e espero que um dia possamos realizar.

– O governo federal anunciou recentemente a criação da Empresa Brasileira para Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que será implementada por meio do MCTI, da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Ministério da Educação (MEC). Quais os objetivos e o alcance desta iniciativa, e como ela será financiada?

– Dentro do plano Inova Empresa, foi criada essa associação, chamada Embrapii, que terá um papel importante. O objetivo do Inova Empresa é estimular as empresas a fazerem P&D ou trabalharem em projetos comuns com as instituições existentes de P&D. A Embrapii vai ser justamente um catalisador dessa articulação. Ela vai ser proactiva no sentido de detetar uma demanda industrial e estimular os institutos a atenderem à demanda de infraestrutura existente no Brasil – infraestrutura laboratorial e de capacitação em pesquisa. O Inova Empresa terá uma verba de 32,9 bilhões de reais para os próximos dois anos (2013 e 2014), e a Embrapii terá um bilhão de reais para se constituir, no mesmo período. Mais do que isso, esses recursos da Embrapii servirão também para financiar empresas, porque quando a empresa contratar um instituto credenciado pela Embrapii para fazer projetos de pesquisa, a empresa pagará um terço do projeto; o instituto, um terço também; e a Embrapii pagará o terço restante. É um modelo de financiamento do risco, do risco de inovação na empresa. Ou seja, o governo irá participar desse financiamento com as empresas e com os institutos de pesquisa.

– Como o Senhor avalia a situação atual do Brasil em relação ao fenômeno da evasão de cérebros? O que deve ser feito para incentivar a permanência dos grandes nomes da ciência no Brasil?

– É um problema sério, mas não tanto quanto já foi em outras épocas. Nos anos 1990, o Brasil passou por uma fase em que tivemos que fazer um grande esforço para resolver problemas de equilíbrio macroeconômico, inflação, etc., e o nível das atividades econômicas caiu muito. E, quando as atividades econômicas em geral de um país não se desenvolvem de modo adequado, nós perdemos a capacidade de contratar recursos humanos qualificados. Então, muitos dos recursos humanos que nós formamos aqui vão embora do país em busca de oportunidades. Mas eu entendo que a partir dos anos 2000 nós começamos a criar oportunidades para esse pessoal ficar aqui, tanto é que está havendo uma insuficiência da mão de obra qualificada. Isso é uma característica dos tempos atuais aqui no Brasil, e por isso é que a gente faz o Ciência sem Fronteiras: para estimular as áreas onde há deficiência. Eu tenho plena consciência de que, formando esses jovens no exterior, eles terão oportunidades aqui, mantido o atual nível de velocidade no desenvolvimento econômico do país. Nós inclusive criamos no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia um portal que estimula o aproveitamento desses egressos do Ciência sem Fronteiras que voltam ao Brasil. É um mecanismo de alocação, para indicar empresas, universidades e centros de pesquisa onde eles podem trabalhar, no Brasil inteiro. Então, nós não só temos a expectativa de que essas pessoas serão aproveitadas no país, e de que teremos, ao invés de um brain drain, um brain in. Mas também somos proactivos nesse processo, corremos atrás para fazer com que esses recursos humanos voltem e contribuam para o desenvolvimento do país.

– O Brasil, assim como a Rússia, tem amplas reservas de recursos naturais. Estrategicamente, como o Senhor avalia a importância do fortalecimento da ciência feita no país, diante das perspetivas ambientais de escassez e conflito internacional nas próximas décadas?

– A meu ver, ciência, tecnologia e pesquisa são vitais para que usemos bem esses recursos naturais, em todos os sentidos. Para início de conversa, para que nós não destruamos esse patrimônio que são os recursos naturais. Muitas vezes tivemos desenvolvimentos predatórios. No Brasil temos exemplos no passado em que não aproveitamos os recursos da melhor maneira possível, e acabamos tendo que lidar com a escassez deles. A madeira chamada pau-brasil, que deu nome ao nosso país, e que foi o primeiro recurso natural a ser explorado nessas terras, era tirada daqui e levada para a Europa, até que foi exaurida. Hoje não há mais pau-brasil no Brasil. Temos que ter cuidado para usar esses recursos de forma sustentada. Por exemplo, não podemos explorar os recursos da biodiversidade amazônica como nós exploramos o pau-brasil; temos que explorá-los de uma maneira consistente com a sua conservação – e é perfeitamente possível fazer isso com ciência. Conhecendo esses sistemas da biodiversidade e intervindo de forma organizada e planejada, é possível explorar comercialmente a floresta, com sustentabilidade: tira-se uma árvore, plantam-se duas ou três. Existem empresas que se tornaram grandes sucessos econômicos, como a Natura (empresa de cosméticos), por exemplo, que explora recursos da biodiversidade amazônica de forma sustentada. Ela extrai princípios ativos de árvores e frutos da Amazônia sem destruí-los. Pelo contrário, ela atua no sentido da preservação. Em nível governamental, temos políticas ambientais como o Código Florestal, que permite a exploração da agropecuária mantendo um certo nível de florestas, por exemplo.

– Quais são as perspetivas que o Senhor tem, no geral, para a cooperação técnico-científica com a Rússia nos próximos dez anos?

– Acho que, com todos os BRICS, o Brasil só vai incrementar essas relações científicas, porque são países que têm o mesmo tipo de interesse, estão na mesma posição no contexto global. Então, necessariamente eles terão que cooperar muito entre si. E eles têm um equilíbrio de interesses econômicos comuns que dão sustentabilidade a uma relação científica e tecnológica permanente. Às vezes, quando existe divergência e desequilíbrio entre a força dos interesses de um e de outro, desequilibram-se também todas as possibilidades de cooperação científica. Passa-se a ter dominância de um sobre o outro. Mas aqui não há essa dominância: o relacionamento entre as partes está equilibrado. Acredito que isso vai garantir que, durante muito tempo, tenhamos que utilizar a cooperação com a Rússia, com a Índia, com a China e com a África do Sul.

FONTE: Voz da Rússia

Sair da versão mobile