Entrevista com Ozires Silva

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Como um jovem de 16 anos de família humilde que sonhava em construir aviões num país em que ainda não se fabricava aeronaves fundou a Embraer? Conheça esse e outros segredos da carreira de um dos maiores empreendedores do Brasil.

Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) desde 1962 e mestre em ciências aeronáuticas pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia desde 1966, Ozires Silva, 85 anos, é um dos empreendedores e líderes mais respeitados do Brasil. Nascido e crescido em Bauru (SP), ele contribuiu enormemente para o desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira. Foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Embraer, uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo e, na primeira gestão, de 1969 a 1986, desenvolveu o famoso Bandeirante, além de outros seis aviões.

Em 1986, chegou à presidência da Petrobras, em que atuou até 1989. No ano seguinte, assumiu o Ministério da Infraestrutura e, em 1991, retornou à Embraer e conduziu o processo de privatização da empresa. Foi presidente da Varig em 2000; e, em 2003, criou a Pele Nova Biotecnologia, organização focada em saúde humana, desenvolvimento de tecnologias inovadoras na área de regeneração e engenharia tecidual. Pai de três filhos e viúvo, é presidente do Conselho de Administração da Anima Educação —companhia de capital aberto que atua na educação superior — e reitor da Unimonte, instituição particular de ensino superior localizada em Santos (SP).

Você imaginava que chegaria onde chegou no início da carreira?

Com certeza, não. Minha história de vida foi formada aos poucos. Depois de começar a me interessar por aviões, quando tinha cerca de 16 anos e estudava no Ginásio do Estado de Bauru e frequentava o Aeroclube da cidade, em vez de desejar ser piloto — como a maioria dos jovens —, me chamou a atenção a fabricação. Naquele ponto, comecei a me questionar por que o Brasil não fabricava aviões. Depois da invenção de Santos Dumont em 1906, o país abandonou a fabricação do invento com receio do mercado mundial. Eu não tinha a menor ideia do que aconteceria, apenas percebi que o avião era fabricável e não apenas pilotável. Então, comecei a traçar minha carreira procurando a qualificação necessária para trabalhar em uma fábrica de aeronaves.

Você traçou metas ou foi crescendo à medida que as oportunidades apareciam?

Apesar de eu não saber qual seria o resultado da minha caminhada, a decisão que tomei quando jovem — de ser engenheiro aeronáutico em um país aonde ainda não existia sequer o curso de engenharia aeronáutica — me fez perceber que eu tinha que ter a qualificação necessária para dominar o assunto. A Força Aérea criou o ITA em 1945. Eu me formei como oficial da Aeronáutica em 1951, mas tive que esperar cerca de sete anos para cumprir os requisitos legais para pleitear uma das bolsas oferecidas aos oficiais da Aeronáutica para estudar no instituto. Passar no exame para ganhar o benefício foi o maior desafio de minha vida: tive que voltar a estudar aos 28 anos. Eu me dediquei como um maluco. No dia da minha formatura, o diretor-geral do que hoje é o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial do ITA — focado em pesquisa — me deu uma oferta de trabalho. Naquele momento, cheguei à seguinte conclusão: “Eu estou com a qualificação certa e trabalhando no lugar certo, agora cabe a mim fazer deste o momento certo”.

Quais os maiores desafios enfrentados e os sacrifícios que teve que fazer?

Tentar convencer as pessoas que estavam ao meu redor de que, com a ajuda delas, podíamos ter sucesso com a fabricação de aviões. Hoje, no Brasil, o grande problema é que muitos não acreditam que possam competir com o Hemisfério Norte. Nós temos uma indústria de avião brasileiro, a Embraer, por exemplo, mas não temos um automóvel brasileiro — justamente porque não houve uma pessoa na época da implantação da indústria automobilística brasileira que tenha persistido nesse ramo. O país passa por um período no qual mudanças são absolutamente necessárias. As pessoas jogam a responsabilidade pelo sucesso da nação apenas para o governo e terceiros, mas eu digo: veja o que você pode fazer e faça!

Qual é o primeiro passo que um jovem deve dar para tirar os onhos do campo das ideias?

Ser um empreendedor de sucesso não depende só do passo inicial. Depois do primeiro, há os seguintes, e o profissional deve continuar buscando melhorar ao longo do tempo. O empreendimento não é uma coisa morta, pelo contrário: há um caminho a se percorrer em que a pessoa deve saber tomar decisões até atingir o êxito. Em vez de ficar mensurando se está sonhando alto demais — o que não importa, pois as metas maiores são atingíveis, só levarão mais tempo para serem conquistadas —, é fundamental persegui-las de todas as maneiras possíveis e não se intimidar com os fracassos. Dificuldades todos têm, tanto aqueles que falham quanto os que obtém sucesso, o que os diferencia é a capacidade de persistir até atingir o êxito nos projetos.

Você escreveu o livro Cartas a um jovem empreendedor: Realize seu sonhos (edição esgotada), voltado para aqueles que empreenderam ou sonham em empreender. Quais são as características essenciais que todo homem ou mulher de negócios deve desenvolver?

As habilidades são consolidadas a partir de um processo de formação educacional, uma espécie de trampolim que te habilita a saltar. Entretanto, para saltar, é preciso ter outras competências como vontade, liderança, disposição, paixão pelo que faz, acreditar nos objetivos, saber conquistar a confiança das pessoas. Você tem que trabalhar muito para ter sucesso. Além disso, é imprescindível criar uma espécie de inquietação sobre o que existe ao nosso redor, saber que as coisas podem ser melhoradas — isso significa ter mentalidade empreendedora voltada para a inovação.

Muitos jovens anseiam crescer rapidamente na carreira. Ter pressa é positivo? Ou uma carreira sólida só se constrói com o tempo?

O contexto atual não oferece condições que favoreçam o sucesso em curto prazo. Em qualquer situação, entretanto, é primordial a persistência. Veja quanto tempo levei desde quando era um menino de 16 anos que pensava em fazer um avião até conseguir realizar o primeiro voo — mais de 20 anos! A trajetória é uma sequência de desafios. Depois do meu primeiro voo, por exemplo, o avião estava pronto, mas tínhamos que fabricá-lo. Depois que começamos a fabricar, era preciso vendê-lo. Os obstáculos vão apenas se modificando, mas não deixam de existir. Portanto, pensar em longo prazo é imprescindível. O que é dificultado pela recorrente mentalidade estritamente financeira que acredita que dinheiro deve fabricar dinheiro. No entanto, dinheiro deve fabricar valor, que é o que, de fato, trará mais recursos financeiros para o empreendimento.

FONTE: Correio Braziliense

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