O Defesa Aérea & Naval – DAN, gostaria de agradecer ao Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, em conceder esta entrevista, oportunidade única que o DAN trás aos nossos leitores, todos interessados no tema Defesa. Iremos abordar nesta entrevista, variados tópicos, assim, optamos por dividi-la em módulos, que publicaremos em sequência. O Centro de Comunicação Social da Marinha repassou ao DAN, algumas questões com atualizações que publicamos abaixo.
“PROSUB” Atualizada
DAN – Como se encontra o processo de enriquecimento de urânio em Aramar? A fábrica de hexafluoreto de urânio já está operando?
AE Leal Ferreira – Um dos objetivos do Programa Nuclear da Marinha (PNM) era obter o domínio do ciclo do combustível nuclear. Essa conquista já foi alcançada, utilizando tecnologia nacional em todo o seu processo de produção. A Unidade Piloto de Hexafluoreto de Urânio (USEXA), que permitirá a produção do combustível nuclear em escala industrial, deverá ter prontificada sua montagem eletromecânica neste ano.
DAN – Qual nível de enriquecimento será necessário para operar nosso SSN?
AE Leal Ferreira – O Submarino com Propulsão Nuclear (SN-BR) operará com urânio enriquecido de teor próximo a 4,3%.
DAN – O Senhor poderia falar sobre o estágio atual do desenvolvimento do reator que movimentará nosso futuro SSN?
AE Leal Ferreira –Para o desenvolvimento do reator, há a necessidade de se comissionar o Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (LABGENE). Com prontificação prevista para julho de 2017, as obras de construção civil e montagem do conjunto de onze prédios do LABGENE estão em andamento. Com o término das obras civis, ocorrerá a montagem eletromecânica de sistemas e equipamentos do reator, o que possibilitará o citado comissionamento em 2018.
O LABGENE será utilizado para validar as condições de projeto e ensaiar todas as condições de operação possíveis para uma planta de propulsão nuclear, em tudo similar a do Submarino Brasileiro com Propulsão Nuclear (SN-BR).
DAN – Como a MB está preparando os futuros tripulantes de nossos SSN?
AE Leal Ferreira – A Marinha do Brasil (MB) seguirá com a formação tradicional dos submarinistas ora em vigor e incrementará a preparação dos militares que operarão o SN-BR no futuro Centro de Instrução e Adestramento Nuclear de Aramar (CIANA).
DAN – O Senhor poderia falar sobre o imenso empreendimento de Itaguaí?
AE Leal Ferreira – A implantação da infraestrutura industrial e de apoio aos submarinos consiste no projeto e na construção de uma Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), inaugurado em 1° de março de 2013 e do Estaleiro e da Base Naval (EBN) para submarinos, localizados em Itaguaí-RJ. O EBN contará com dois estaleiros, sendo um de construção e outro de manutenção, uma base de apoio que abrigará a estrutura de Comando e Controle de Submarinos, um Centro de Instrução e Adestramento de suas tripulações, além de um complexo radiológico.
A construção da UFEM e EBN prevê, ao longo de seu cronograma, uma significativa geração de empregos, com 13.717 diretos e 6.469 indiretos.
DAN – Com os cortes planejados para o atual ano no MD, o empreendimento será afetado?
AE Leal Ferreira – Após o anúncio dos cortes promovidos no orçamento deste ano, em função dos compromissos contratuais, a MB se empenhará em avaliar com os parceiros do PROSUB e do PNM, a fim de que sejam adotados os ajustes necessários nos cronogramas físico-financeiros, que mitiguem qualquer solução de continuidade.
DAN – O Senhor poderia falar sobre possíveis atrasos que a demora do licenciamento ambiental para certas obras, diques, por exemplo, podem causar?
AE Leal Ferreira – Com relação às licenças ambientais, não foram identificados atrasos decorrentes de demora. O projeto segue fidedignamente o Projeto Básico Ambiental e as condicionantes apresentadas nas licenças.
DAN – Foi noticiado o atraso de um ano para a entrega do primeiro submarino convencional, o Riachuelo. Quais as causas do atraso?
AE Leal Ferreira – O cronograma de construção do primeiro submarino convencional (S-BR1) foi alterado para abarcar o tempo necessário à adaptação às técnicas francesas de construção e às alterações de projeto exigidas para atender aos requisitos operativos estabelecidos pela MB.
DAN – O Senhor poderia falar sobre a nacionalização que a MB busca implementar no programa de submarinos? Quantas empresas já participam do processo?
AE Leal Ferreira – A MB supervisiona todo o processo de seleção das empresas nacionais, sendo responsável pela aprovação de cada projeto de nacionalização, os quais devem estar conforme os requisitos técnicos estabelecidos em contrato entre a Força e a DCNS. Quanto aos números de empresas e outros aspectos relevantes desse processo, cabe destacar o seguinte:
– Na construção da Infraestrutura Industrial: participação na construção do EBN de mais de 600 empresas nacionais de diversos tamanhos prestando serviços e fornecendo materiais diversos, equipamentos e insumos. Isto possibilitou obter um índice de conteúdo local entre 90 e 95% de produtos e serviços nacionais e em consequência uma injeção na indústria nacional de R$ 241,36 milhões. De forma similar, na construção do EBN, há uma previsão de manutenção do mesmo nível de índice de conteúdo local, o que representaria uma injeção de mais R$ 1 bilhão;
– Na Construção dos Submarinos Convencionais (S-BR): o processo de nacionalização dos S-BR e do SN-BR visa nacionalizar os equipamentos e sistemas com alto teor tecnológico, que possam ser aplicados em outros setores industriais, capacitando empresas brasileiras a se tornarem fornecedoras independentes em futuros projetos da Marinha. Envolve um valor de, aproximadamente, € 100 milhões para serem investidos em 104 projetos de nacionalização, objetivando:
a) Fabricação de sistemas, equipamentos e componentes;
b) Treinamento para o desenvolvimento e integração de softwares específicos de importantes sistemas; e
c) Suporte técnico para as empresas durante a fabricação dos itens.
Dos projetos em execução, podemos destacar os seguintes:
– O desenvolvimento de módulos de software para o projeto de engenharia e integração do Sistema de Combate pela Fundação Ezute (São Paulo-SP) e para o projeto do Sistema de Gerenciamento Integrado da Plataforma pela empresa Mectron (São José dos Campos-SP);
– Transferência de tecnologia (em andamento) da empresa Exide – Alemanha para a empresa Rondopar (Londrina-PR) visando à produção das baterias dos submarinos;
– Desenvolvimento das ligas e fabricação de tubos de cupro-níquel para trocadores de calor e de cobre para tubos de emprego geral nos submarinos pela empresa Termomecânica (São Bernardo do Campo-SP);
– Sistema de Monitoramento de Baterias pela empresa Datapool (Itajubá-MG);
– A produção dos consoles para o Sistema de Combate pela empresa Atech (São Paulo-SP);
– De conversores estáticos, gabinetes do quadro elétrico secundário;
– De módulos de carga e transformadores pela Adelco (Barueri-SP);
– Dos gabinetes do quadro elétrico principal pela Schneider (Sumaré-SP);
– Do mancal de escora pela Zollern (Cataguases-MG) e, em parceria com a Universidade Estadual Paulista (UNESP), o desenvolvimento de equipamento de teste para os mancais;
– Ventiladores pela empresa Howden (Itatiba-SP);
– Espelhos e chicanas para os trocadores de calor pela Cecal (Lorena-SP);
– Cabeçotes dos motores diesel pela MTU do Brasil (São Paulo-SP);
– Acumuladores hidráulicos pela Cilgastech (Santa Bárbara do Oeste-SP);
– Elipses de tanques pela Bardella (Guarulhos-SP);
– Proteção anti-corrosão pela Sacor (Duque de Caxias-RJ); e
– Motores elétricos pela WEG (Jaraguá do Sul-SC).
DAN – O Sr poderia falar sobre as diferenças entre o nosso submarino e o Scorpene francês?
AE Leal Ferreira – Foi realizada uma revisão de todo o projeto e, assim, identificou-se a necessidade de se incorporar uma seção intermediária, a fim de permitir a ampliação de alojamentos, tanques de óleo combustível e paióis de mantimentos, incrementando, assim, a capacidade original de permanência dos nossos submarinos no mar em patrulha.
DAN – A MB pensa em adicionar a tecnologia AIP em futuras encomendas ou os motivos que fizeram a MB optar pelo não uso da mesma se mantêm? O Senhor poderia comentar estes motivos?
AE Leal Ferreira – A MB optou pelo submarino com propulsão nuclear por apresentar contornos mais factíveis para absorção do conhecimento exigido para projetá-lo, construí-lo e pelo desenvolvimento existente na área de energia nuclear no Brasil, bem como por considerar que esse meio seria o que melhor atenderia o objetivo de dispor de um vetor capaz de permanecer por longos períodos em imersão e em condições de patrulhar a nossa “Amazônia Azul”.
DAN – Um segundo lote de submarinos convencionais seria uma nova classe, de projeto brasileiro, ou seria a continuação da construção dos atuais SBr?
AE Leal Ferreira – Um segundo lote de submarinos convencionais, provavelmente, constituir-se-ia em uma nova classe, não só pelo propósito que se pretende alcançar com o PROSUB, de capacitação nacional no projeto e construção de submarinos, mas também e, principalmente, pelo conhecimento que será adquirido na operação dos quatro primeiros e pela evolução natural da tecnologia, processos e equipamentos que, certamente, influenciariam o projeto desse tipo de meio e caracterizariam a concepção de uma nova classe de S-BR.
DAN – Como está o projeto de nosso futuro SSN, feito por engenheiros brasileiros?
AE Leal Ferreira – O Projeto do SN-BR encontra-se, atualmente, na “Fase B” (Projeto Básico), cuja conclusão permitirá a elaboração dos contratos definitivos de construção e de aquisição do pacote de materiais. O término da “Fase B” propiciará também o desenvolvimento da “Fase C” (Projeto de Detalhamento), que será iniciada antes da construção do submarino e terá continuidade ao longo de todo o período da construção.
DAN – A contraparte francesa está cumprindo rigorosamente com os contratos firmados?
AE Leal Ferreira – O contrato de ToT para o projeto e construção da UFEM e do EBN está sendo cumprido rigorosamente. Quanto ao projeto e construção do SN-BR e construção dos S-BR, os acordos para ToT vem sendo realizados dentro do programado, mas tem havido a necessidade de esclarecer e tratar pontualmente alguns aspectos com nossos parceiros franceses.
DAN – Em que momento será necessário fazer a encomenda de um segundo lote de submarinos, convencionais e nucleares, para que toda a infraestrutura montada em Itaguaí não sofra solução de continuidade?
AE Leal Ferreira – É muito importante essa preocupação de não haver solução de continuidade da operação da infraestrutura estabelecida em Itaguaí, em razão da necessidade de justificar-se o investimento ali realizado. Além disso, é preciso que novas encomendas sejam feitas para que se preserve o conhecimento e a tecnologia já absorvidos. A MB encontra-se atenta a essa questão e oportunamente realizará os estudos para determinação desse momento, todavia, deve ser destacado que a área industrial montada em Itaguaí será utilizada também para a manutenção dos novos meios, o que permitirá seu emprego mesmo após o término da construção.
DAN – Como a MB pensa em manter o conhecimento adquirido na França, notadamente em projeto de submarinos? A MB pensa em criar na USP, no curso de engenharia naval, uma cadeira de projeto de submarinos?
AE Leal Ferreira – O nosso programa de ToT engloba os aspectos de projeto, de fabricação e de manutenção. Na absorção de tecnologias, participam universidades, instituições científicas de pesquisa e desenvolvimento, empresas nacionais, além da própria Marinha. Com este propósito, em 2013, a Força criou a Amazônia Azul Tecnologias de defesa S.A.(AMAZUL), que tem por objetivo promover, desenvolver, transferir e manter tecnologias sensíveis às atividades do PNM, do PROSUB e do Programa Nuclear Brasileiro (PNB).
Com relação à Universidade de São Paulo (USP), a criação de uma cadeira de projeto de submarinos no curso de engenharia naval seria apenas como curso extracurricular.
DAN – O Senhor poderia discorrer sobre a importância do PROSUB para o desenvolvimento nacional, sobre a Transferência de Tecnologia e Offsets gerados pelo PROSUB?
AE Leal Ferreira – O PROSUB tem como uma das principais metas a ToT, por meio de capacitação de pessoal e a busca por elevado índice de nacionalização. Isso gera benefícios para o Brasil, de natureza tecnológica e industrial, incluindo não só o mercado naval, como outros segmentos fornecedores de bens e serviços do país.
Além disso, os projetos de nacionalização, bem como as transações de compensação (offset) previstos nesse Programa, envolvem duas esferas: uma do conhecimento e outra da indústria. Na primeira, a ToT de projeto e construção dos submarinos nos permitirá alcançar o nível tecnológico necessário para dominar toda a cadeia de produção de submarinos convencionais, com a consequente evolução natural para o desenvolvimento de um submarino com propulsão nuclear. Na segunda, a aquisição progressiva de itens no mercado nacional, capacitando as empresas brasileiras para fornecer itens no futuro, originalmente importados, proporcionará o desenvolvimento e o fortalecimento da nossa indústria em diversos segmentos produtivos, contribuindo para uma maior autonomia do país, o que se alinha perfeitamente com a política de reestruturação da indústria brasileira de material de defesa, um dos eixos estruturantes da Estratégia Nacional de Defesa (END).
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