Por Luiz Padilha
Este programa da Armada do México (AM), contempla a construção de uma embarcação DAMEN SIGMA 10514, que terá 107 metros de comprimento, com uma boca de 14 metros, e capacidade de navegar a velocidades superiores a 25 nós com um autonomia superior a 20 dias.
No Brasil estamos acompanhando a licitação da Marinha do Brasil (MB), para a construção de 4 corvetas classe Tamandaré. É uma competição dura entre 4 grandes finalistas. Um deles, DAMEN está oferecendo para a MB a corveta SIGMA 10514, que vem a ser o mesmo navio que a Armada do México optou em seu programa POLA.
DAN – Certamente a Armada do México tinha outras opções antes de decidir pela SIGMA 10514. O senhor poderia nos dizer quais características levaram a SEMAR a escolher o projeto DAMEN SIGMA 10514?
O apoio e o intercâmbio que temos com os Estado Unidos através do Comando Norte e do Comando Sul, nos ajudou a definir o equipamento norte americano, o qual iríamos adquirir via FMS (Foreign Military Sales).
Então o passo seguinte foi a busca pela plataforma ideal para nosso programa. Analisamos diversas plataformas, nas busca de uma que nos fosse versátil para realizar os tipos de operações que desejamos, que pudesse operar a baixa velocidade sem apresentar problemas com os motores, que pudesse alcançar velocidades de uma fragata e a parte mais importante dos requisitos, era que a primeira fosse construída no México.
A maioria das opções oferecidas era para a construção do primeiro navio no país de origem, mandar nosso pessoal para acompanhar e aprender, mas isso teria um alto custo adicional. Construí-la no México, com nosso pessoal era uma opção, pois é onde realmente se aprende, pois uma coisa é ver como se faz e outra é fazer. Então, uma das opções que teve maior peso na definição da plataforma, era que o navio deveria ser construído no México.
Durante o andamento do processo, ocorreram algumas questões legais dos EUA sobre o sistema de armas, necessitando ter aprovação do Congresso americano. Num determinado momento com o tempo passando, a forma mais fácil era ir diretamente ao fabricante e não através do governo. Na hora que entramos em negociação diretamente com os fabricantes, os custos aumentaram consideravelmente, pois não era mais uma venda governo a governo, e sim uma venda de uma empresa para outro país, e por outro lado, teríamos que obter uma série de permissões do governo americano.
Neste momento já tínhamos definido a plataforma e o sistema de armas e de comunicações que queríamos, com a versatilidade adequada para os tipos de operações que pretendemos realizar. A escolha da plataforma foi pelo DAMEN SIGMA 10514, a qual obteve maior pontuação entre todas as outras.
DAN – O senhor pode falar como se deu a Transferência de Tecnologia (ToT), entre DAMEN e o Astimar 20 na construção dos módulos em Salina Cruz? Houveram alguns contratempos?
Almirante Sierra – A SEMAR constrói embarcações há mais de 30 anos. Temos construído Patrulhas Costeiras, Patrulhas Interceptadoras, Patrulhas Oceânicas, o que já nos havia dado um certo conhecimento, mas o projeto POLA nos agregou um conhecimento mais específico. DAMEN enviou seu pessoal para visitar Salina Cruz, entrevistou nossos trabalhadores, analisou nossas instalações, verificando se haveria necessidade de investimentos para haver a Transferência de Tecnologia. Uma vez feita a analise, nos foi informado os parâmetros que teríamos que seguir.
O tipo específico de solda que precisamos fazer, necessita de uma mão de obra qualificada, então DAMEN realizou um pequeno exame para ver em que nível se encontravam os soldadores do estaleiro, afim de fornecer sua qualificação e certifica-los. Todos os soldadores estava qualificados devido a experiência anterior na construção dos patrulheiros, porém, técnicos do DAMEN verificaram a necessidade de uma afinação da finalização, da penetração da solda. Neste ponto o intercâmbio foi muito fácil. A dificuldade foi na diferença de mentalidade que existe entre o latino e o europeu, porém, nada que não fosse resolvido. O europeu segue à risca o que está determinado, sem desviar nem pouco, já os latinos são mais práticos, buscando a forma de fazer melhor com menor esforço. Ou seja, no princípio houve a necessidade de pequenos ajustes, mas com o pessoal que o DAMEN enviou, ficou fácil entender a forma de analisar e fazer as coisas. No final, tanto o pessoal do DAMEN quanto o nosso pessoal acabaram entrando em sintonia, com o pessoal do DAMEN dizendo o que fazer e o pessoal do Astimar 20 já sabendo como fazer.
Inicialmente estava previsto construir todo o navio no México, mas devido a necessidade de redução do tempo de construção e entrega do navio, não teríamos condições de realizar toda a construção, então decidimos que o DAMEN construiria 2 blocos na Holanda. Foi uma decisão tomada para reduzir o tempo de construção, uma vez que um dos compromissos do governo anterior, era ver o navio flutuando. Se decidíssemos construir todo o navio, teríamos total condições de fazê-lo, mas não até 1º de Dezembro de 2018.
Importante observar que os 2 blocos que foram construídos na Holanda, são os mais complexos (Máquinas e Sistemas eletrônicos) e não tínhamos na época, pessoal qualificado para receber a Transferência de Tecnologia para fazê-los. Atualmente nosso pessoal que foi a Holanda acompanhar a construção desses blocos, está plenamente capacitado para construir os mesmos no Astimar 20.
A parceria com DAMEN nos forneceu um conhecimento técnico muito grande, não apenas na área técnica mas na administrativa também. Aprendemos como administrar um projeto fazendo de uma forma que o mesmo fluísse dentro dos prazos e dos custos estipulados. Felizmente o todo o pessoal do DAMEN está aberto conosco sobre as dúvidas que tivemos.
O melhor exemplo que se pode observar está na área de soldagem, onde é necessário um controle correto do calor que se põe na zona de solda, porque se você coloca um calor excessivo ele transmite esforços para outras áreas, acabando por enrugar a chapa do aço. O pessoal do DAMEN nos ensinou como disseminar esse calor para que os esforços das chapas não sejam muito concentrados, fornecendo ao navio chapas lisas e uniformes.
Vale ressaltar que não apenas nós aprendemos com o pessoal do DAMEN, eles também aprenderam bastante com este projeto, pois uma coisa é você trabalhar em Vlissingen – Holanda, dentro de um prédio onde a temperatura é de 18º/20ºC sem vento, sem sol, e outra é você vir trabalhar em Salina Cruz com temperaturas de 35º/40ºC debaixo de sol, se adaptando as condições locais.
A indústria naval se beneficiou muito com o projeto POLA. Ainda não tínhamos aço de qualidade naval, mas devido ao programa POLA, aos 8 rebocadores para a PEMEX e aos Patrulheiros Oceânicos, tivemos que importar 10.000 toneladas de aço. Passamos para as siderúrgicas mexicanas nossas especificações para o tipo de aço naval que precisamos, e agora com essas encomendas teremos a produção de aço local para a indústria naval e poderemos inclusive exportar.
Temos no México muitos produtos para a construção naval, porém, infelizmente nem todos possuem certificação. Posso citar por exemplo as lâmpadas para instalar no navio. O custo para certifica-las no México é maior do que envia-las aos EUA para serem certificadas e compra-las de volta. E neste projeto, todos os equipamentos necessitam estar certificados.
DAN – O senhor pode informar o índice de nacionalização que há no ARM Reformador?
Almirante Sierra – No projeto do ARM Reformador, temos um índice de nacionalização de aproximadamente 20% neste primeiro navio. Mas temos como exemplo, as Patrulhas Costeiras que fizemos junto com DAMEN, onde atingimos 60% de nacionalização. Aço naval, cabos elétricos navais, madeira, pintura, lâmpadas e acabamentos já existem no México. No futuro necessitamos conhecer bem as especificações para saber se os produtos mexicanos podem substituir produtos estrangeiros para não cair a qualidade do produto final. Imagino que com um segundo e terceiro POLA, poderemos atingir níveis mais altos de integração nacional.
DAN – Com o conhecimento adquirido através da ToT que DAMEN forneceu, após a construção de uma segunda, uma terceira ou mesmo um quarto POLA, seria irreal afirmar que a SEMAR poderia construir uma fragata no futuro?
Almirante Sierra – Tecnicamente e com a área de construções navais, sim podemos fazer isso, a SEMAR entende que temos a necessidade de ter esse tipo de embarcação. O requisito táctico determinado pelo nosso Estado-Maior é que sejam 8 POLAS, com 4 no Pacífico e 4 no Atlântico. O ponto chave é a questão econômica.
DAN – Não me refiro a questão econômica e sim a questão de um navio maior em deslocamento, como uma fragata de 3.500 a 4.000 toneladas, por exemplo. O Astimar 20 pode no futuro construir uma fragata deste porte?
Almirante Sierra – Tecnicamente e na área de construções navais podemos fazer, dentro dos requerimentos de nosso Estado Maior. Devido ao alto custo de manutenção, ao alto custo de operação, estamos dando baixa em nossas fragatas, e por isso escolhemos esta plataforma, DAMEN SIGMA 10514, sendo uma das mais baratas que analisamos.
Com o POLA, temos duas formas de controlar a velocidade do navio. Uma com propulsão diesel-elétrica e outra através dos hélices de passo variável. Podemos navegar a baixas velocidades com o motor elétrico, com a energia elétrica gerada pelo próprio navio. Essa plataforma SIGMA 10514 foi das plataformas analisadas a mais eficiente para cumprir nossos requerimentos.,
DAN – O senhor pode nos dizer quando está prevista a primeira saída para testes de mar do ARM Reformador?
Almirante Sierra – Estamos em um estágio de aprestamento que levará 1 ano. No final de outubro, início de novembro iniciaremos os testes de mar que durará 3 meses para que que o navio seja comissionado em fevereiro de 2020.
DAN – Durante este período de aprestamento, a tripulação do navio está realizando cursos para poder operar o navio?
Almirante Sierra – Sim. A tripulação do navio foi designada desde o início de sua construção o que também fazemos com outros navios, como os Patrulheiros Oceânicos. Os tripulantes fazem cursos específicos em suas áreas de atuação neste período, para quando forem a bordo e iniciarem os testes, eles saibam como operar corretamente os equipamentos.
DAN – Qual o número de tripulantes da Armada do México determinado para operar o ARM Reformador?
Almirante Sierra – O ARM Reformador será tripulado por 100 homens, mas temos 120 homens em treinamento desde o início da construção do navio, pois talvez seja necessário haver alguma transição, então temos margem com homens treinados para cumprir tais eventualidades.
DAN – Devido a instalação de sistemas de diferentes fabricantes, como o canhão principal Bofors 57mm, o sistema antiaéreo RIM 116 RAM Block II da Raytheon, o radar e o sistema tático do navio da Thales, como está ocorrendo o treinamento da tripulação para cada item específico? A SEMAR está enviando a tripulação para o exterior afim de fazer os cursos necessários para opera-los?
Almirante Sierra – Um detalhe importante que cabe frisar, é que a SEMAR designou a integração de todo o sistema de armas do navio a DAMEN, que é responsável pelos contratos com os outros fabricantes, os quais tem que estar de acordo com as especificações da SEMAR. Ocorreram uma infinidade de reuniões para tratar de detalhes sensíveis, como a colocação de antenas para que a frequência de um equipamento não interferira no desempenho de outro, com as empresas trabalhando para que tudo funcione perfeitamente.
Desde que se iniciou o projeto uma das questões que dedicamos bastante tempo foi o programa de capacitação da tripulação. Como não podemos por a mesma pessoa em dois lugares ao mesmo tempo, uma das partes que mais se investiu foi na programação dos cursos. Cada tripulante tem uma programação para a realização de seus cursos.
DAN – Todos os cursos são necessariamente feitos no exterior ou alguns são feitos no México?
Almirante Sierra – Alguns são feitos no México. Desde que se selecionou a tripulação, o primeiro foi o do idioma inglês. Há cursos intensivos de inglês, onde verificamos o nível de cada um. Se estava baixo, o tripulante teve que aumentar seu nível de inglês, para que quando for ao exterior fazer os cursos, ele tenha total capacidade de absorver o conhecimento. Atualmente todos estão com o nível adequado no idioma e absorvendo o conhecimento perfeitamente.
DAN – Após o comissionamento do navio, sua missão será diferente da atual classe Oaxaca?
Almirante Sierra – A instrução que temos e não mudou é, uma vez comissionado, inicialmente em Março ou Abril de 2020, enviar o navio para o Fleet Forces Command dos Estados Unidos, para obter a certificação, atestando que o navio pode operar em conjunto com Marinhas de outras nações em operações de paz, operações UNITAS ou qualquer outra missão que apareça.
Precisamos patrulhar nossa Zona Econômica Exclusiva (ZEE), se não temos presença, barcos estrangeiros invadem nossa costa para pescar, saqueando nossas riquezas.
Outra parte importante é que estamos analisando a possibilidade de utilizarmos o ARM Reformador como um navio de treinamento, para termos pessoal capacitado para um segundo ou terceiro navio. Para nós é muito importante ter pessoal capacitado em nossos sistemas de armas atuais, e a SEMAR está atualmente desenvolvendo sistemas para nossos Patrulheiros Oceânicos como, sistema de controle de tiro, controle de máquinas, de comunicações e o SEDAN – Sistema de Enlace de Dados da Armada do México. No ARM Reformador, por ser um navio novo e mais sofisticado, ainda não temos nossos sistemas a bordo, mas com o tempo iremos desenvolve-los para podermos integrar nos futuros POLAs.
O sistema de armas já está definido e não mudará, sendo composto pelo o canhão sueco Bofors de 57mm, o míssil antinavio americano Harpoon, RIM 116 RAM, canhões MK-38, previsão para instalação do VLS, e sistema de guerra eletrônica da INDRA, cabendo salientar que todo o sistema foi determinado pelo tipo de missão que a SEMAR definiu para o navio. O sistema VLS ainda não foi adquirido, mas o navio está pronto para recebê-lo e os Estados Unidos já autorizaram a venda, mas ainda estamos em negociações.
A parte econômica tem forte influência no projeto. Além do sistema VLS, temos também a opção técnica pela aeronave, um helicóptero de 10 toneladas com amplas capacidades de Busca e Salvamento, mas alguns fabricantes iniciaram uma guerra de preços, e como a aquisição da aeronave não estava incluída no programa, para concluir temos que aguardar recursos.
Palavras Finais
Gostaria de dizer que os benefícios que devemos analisar são os benefícios que o país obtém de ter a tecnologia, desenvolvendo infraestrutura, treinando pessoal e que um navio de guerra é uma extensão de um país, uma representação do México que percorre o mundo. representando o país e mostrando sua bandeira – Almirante José Antonio Sierra Rodriguez
NOTA do EDITOR: Gostaríamos de agradecer à SEMAR, na pessoa do almirante José Antonio Sierra Rodriguez, pela fidalguia com que nos recebeu em seu gabinete e por esta tão expressiva entrevista concedida ao Defesa Aérea & Naval.