Por Geralda Doca e Manoel Ventura
Diante da investigação da Polícia Federal sobre militares suspeitos de participarem de uma tentativa de golpe no país, o comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno, defende uma “investigação completa” e garante que, caso seja comprovada a participação de integrantes de sua tropa, haverá punição. “Qualquer coisa que fira nossos diplomas disciplinares será punida”, disse o oficial ao GLOBO, em entrevista na qual demonstra alinhamento ao presidente Lula.
Como o senhor avalia as investigações da PF sobre uma suposta trama golpista no governo Bolsonaro?
O Comando da Aeronáutica coaduna com a necessidade de uma investigação completa, garantindo a ampla defesa e o contraditório a todos os envolvidos, seguindo o necessário rito processual previsto no ordenamento jurídico vigente. Qualquer coisa que fira nossos diplomas disciplinares será punida. Para a Força Aérea, as notícias (sobre as investigações) vieram a confirmar o papel institucional e constitucional de nossa organização.
O senhor tomou conhecimento de reunião, no governo anterior, para discutir atos antidemocráticos?
Não tivemos informação nenhuma a respeito disso. Não sabia do que acontecia dentro do Palácio. A Força Aérea foi profissional, focada na sua missão. Nessa mesa aqui (do Alto Comando) não se falava de política. A nossa posição foi de isenção em relação ao governo Bolsonaro. Tivemos uma visão de Estado e devemos isso às posições de nossos ex-comandantes. Mas não dá para fugir da relação com o governo.
Houve participação de militares da FAB da ativa nos ataques de 8 de janeiro?
Não que eu tenha conhecimento. Se corre alguma coisa na Justiça, ainda não fomos informados.
Como está a relação da Força com o presidente Lula?
A minha relação com o presidente sempre foi muito urbana. Ele tem uma grande preocupação com o reaparelhamento das Forças Armadas e, por exemplo, uma vontade muito grande de que a gente desenvolva uma turbina (de aeronaves). Poucos países do mundo fazem isso. Lula é apaixonado por essa agenda de Defesa.
Ainda há desconfiança de ambos os lados?
Aqui nessa mesa (do Estado Maior da Aeronáutica) somos dez brigadeiros quatro estrelas. Internamente, estamos muito focados em defesa aérea e preparação para guerra. Não temos desconfiança de nada. Há uma grande confiança entre os dez do Alto Comando. Temos que trabalhar em apoio ao governo. Não tive nenhum movimento dentro da Força em que tivesse que tomar medida disciplinar por conta do momento político. Não podemos nos envolver diretamente com a política, mas temos que apoiar a política do momento. Não podemos deixar de ser felizes por quatro anos, esperando que o candidato A ou B se reeleja ou se eleja. A nossa atividade independe de governo. Somos força de Estado.
O senhor defende a passagem para a reserva de militares que se candidatarem?
Ao optar em se candidatar, o militar deve ir para a reserva. O normal é não se eleger. E o fato de eles voltarem para a Força fazendo proselitismo político é muito ruim. A Força tem que ser prioridade de cada um. Se eu faço uma opção de ir para a política, isso aqui deixou de ser prioridade. Fez opção, peça as contas e vá para a reserva. Numa democracia, a harmonia entre o senso político e senso de dever profissional é essencial. Você vota em quem quiser. Mas quando coloca a farda, tem que estar focado na missão.
E assumir função no Executivo?
Aí, vejo com outros olhos. Temos quadros fantásticos, com formação dentro e fora do Brasil, pagos com recursos da União. Esses podem sim ser bons quadros no Executivo e, dentro de um prazo, colaborar com o governo, mas sem cargo eletivo. Neste caso, sou terminantemente contra a passagem para a reserva.
Há poucas mulheres hoje em postos de comando da Força. Isso não precisa ser enfrentado?
Como as mulheres entraram depois, agora é que elas estão chegando a postos de comando. Eu defendo o concurso aberto, não delimitar vagas para mulheres. Se entrar mais mulheres do que homens, não há problema. Vamos abrir agora um concurso para infantaria (pessoal da linha de frente de combate), que só tem homens, e as mulheres vão poder participar. Serão 20 vagas. E depende muto da aptidão física. Por exemplo, são 20 barras para homens, 20 barras para mulheres.
Como está o processo de compra do novo avião presidencial?
O nosso avião que atende ao presidente está com 18 anos. Daqui a pouco, a gente começa um processo de aquisição de outro avião. O mercado sempre oferece oportunidades de aviões usados. A autonomia do atual avião é boa, mas não é excelente para um país da nossa posição em relação à Europa e à Ásia. Isso é importante para qualquer presidente. Mas ainda estamos analisando cenários.
Há planos para uma ação mais permanente na Terra Indígena Yanomami?
Tivemos uma grande parcela das horas de voo transportando cestas básicas em 2023. É necessário um planejamento interagências e interministerial e buscar fazer novas bases dentro ou próximo à área Yanomami. Devemos ter um planejamento de médio prazo para que as operações não sejam apenas operações pontuais. Isso vai nos ajudar muito na missão de presença do Estado lá. Quando se faz uma operação dessas baseadas no Orçamento de ano, fica limitado. A meta é zerar o garimpo ilegal. Esse é o caminho que se busca.
A FAB negocia a compra de novos caças suecos Gripen, além do lote de 36 já acordado?
Os 36 caças são um número que não nos atende. Trabalhamos na possibilidade de ampliação do lote porque o contrato permite ampliação de 25% ou redução na mesma proporção. Estamos trabalhando nisso e acreditando muito que a Suécia deva comprar algumas unidades de KC-390 (cargueiro da Embraer desenvolvido com a FAB). Parte pode ser um segundo lote de Gripen e parte uma outra aeronave.
A compra do KC-390 seria uma contrapartida para aumentar o número de caças?
Eu diria que é mais a necessidade de ter um produto desse. Vários países já adquiriram o avião, principalmente da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que coloca nosso avião em uma vitrine importante.
Como estão as negociações para ampliar a base de lançamentos de Alcântara, no Maranhão?
Não houve entendimento com os representantes da comunidade quilombola que moram próximo à área na última reunião. Mas precisamos continuar negociando. Já estamos analisando a criação de outros centros menores de lançamento de foguetes para levar equipamentos e fazer lançamentos. Espero que até o meio do ano nós tenhamos concluído um estudo para apresentar o local. Não podemos abandonar o nosso programa espacial brasileiro. Temos um trabalho de anos que carece de investimentos.
Além do Distrito Federal, haverá outros hospitais de campanha no país por conta dos casos de dengue?
Estou preparando meu pessoal no Rio de Janeiro para que possamos operar lá. Ainda não houve demanda, mas estamos prontos para ajudar.
FONTE: O Globo