Buscando elevar Brasil à condição de quarta base mundial de fabricação de helicópteros, Helibras aposta em transferência de tecnologia e em produto brasileiro
Por Carolina Cassiano
A cidade de Itajubá (MG) é hoje palco de um projeto que reposiciona o Brasil no cenário mundial de fabricação de helicópteros, a partir da expansão da Helibras – única produtora desse tipo de aeronave na América Latina. Mirando tornar o país sua quarta base mundial de produção, o grupo europeu Eurocopter, que detém 75% da companhia, passou a investir na transferência de tecnologia e na criação do helicóptero brasileiro, até 2020.
O projeto inclui investimentos de US$ 420 milhões em uma nova planta, instalação de um inédito simulador no Rio de Janeiro, parcerias com universidades e formação de mão de obra. “Estamos construindo a Helibras dos próximos 30 anos”, diz o vice-presidente executivo, Luiz Eduardo Mauad.
A aposta foi impulsionada pelo contrato de R$ 5,2 bilhões com o governo federal para fornecer o militar de última geração EC-725, prevendo meta de até 50% de nacionalização. Já em 2014, a nova fábrica produzirá a aeronave e a versão civil dela, o EC-225. “Buscamos agregar capacidade de engenharia, de industrialização e umaglobal supply chain para trazer valor agregado nacional”, conta.
Para o setor do alumínio, tradicional fornecedor, também há expectativas: “Espera-se que as novas ligas ajudem na busca por redução de peso e de custo”. Confira.
SÃO PAULO TEM A SEGUNDA MAIOR FROTA DE HELICÓPTEROS DO MUNDO E COM POTENCIAL DE CRESCIMENTO. A CONCORRÊNCIA SINALIZA QUERER FABRICAR NO BRASIL?
O país tem vocação para o uso crescente do helicóptero, pela sua extensão territorial, concentrações urbanas e pela diversidade que o emprego do helicóptero tem. Nossos concorrentes não fabricam aqui porque instalar uma indústria aeronáutica nova é muito difícil. Mas a decisão dos nossos acionistas, há 34 anos, de montar a fábrica aqui foi muito acertada: hoje temos capacidade de fabricação, suporte ao cliente local, atendido no próprio idioma, e estamos em crescimento.
O CRESCIMENTO ESTÁ BASEADO NA PRODUÇÃO DO EC-725 E 225, MAS TAMBÉM NO NOVO HELICÓPTERO NACIONAL, ATÉ 2020. COMO SERÁ ESSE PRODUTO?
Teremos um produto totalmente concebido, industrializado, certificado e distribuído para o mundo a partir da fábrica de Itajubá. Não quer dizer que seja 100% nacional, porque o mercado aeronáutico é extremamente globalizado. Rádios e parafusos aeronáuticos, por exemplo, ninguém produz aqui. Para isso, o CEO do Grupo nos deu horizonte de 2020. Até o fim de 2012, será feita a escolha do produto a ser concebido para ser vendido mundialmente. Buscamos desenvolver a capacidade de engenharia, de industrialização e criar uma global supply chain para trazer valor agregado nacional para o projeto. Até agora, mais de uma dúzia de fornecedores passaram a fabricar aqui componentes da aeronave para o programa 725, integrando a cadeia de produção da Eurocopter.
QUE MUDANÇA DE PARADIGMA A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA ALMEJADA COM O EC-725 TRAZ?
Até o EC-725, vínhamos produzindo, em série, o Esquilo, reconhecido como produto nacional, com índice de nacionalização de 43%. Com 200 certificados suplementares desenvolvidos por nós, também customizávamos os demais produtos da linha Eurocopter, agregando solicitações do cliente para radionavegação, acabamento e conforto. Com o advento do programa 725, passamos a outro estágio. Até o ano passado tínhamos sete engenheiros, hoje temos 70. Eles foram enviados para a Europa, ficaram lá entre seis meses e um ano e meio se especializando nos mesmos 15 sistemas de design computadorizados utilizados pela Eurocopter, Airbus e Boeing.
E O IMPACTO NOS NEGÓCIOS E NAS EXPORTAÇÕES?
Hoje o mercado brasileiro consome tudo o que fabricamos: no ano passado foram 34 helicópteros; no anterior, 42; e este ano devem ser 35, o que equivale a cerca de 5% das 750 unidades produzidas em todo o mundo, em média. Em 2014, começaremos a produzir os novos helicópteros. Além dos militares EC-725, produziremos a versão civil, o EC- 225, que já vem sendo utilizado de maneira extensiva pela Petrobras, para o transporte de até 22 pessoas para as plataformas, em longos percursos. Teremos capacidade de produzir entre 7 e 10 unidades do EC-725; e até 15 do civil, ao ano – o que aumenta o fornecimento no mercado nacional, mas não só. Já temos contatos de outras operadoras da América Latina interessadas. Com valor agregado local, o produto se beneficiará dos financiamentos do BNDES, e isso é uma vantagem competitiva extraordinária em relação ao concorrente estrangeiro.
O SR. CITOU A EXPANSÃO DA EQUIPE DE ENGENHEIROS. COMO VOCÊS TEM PREPARADO A MÃO DE OBRA?
No quadro geral, saímos de 280 funcionários, em 2009, para 700, neste ano. Vislumbramos alcançar 1000 empregados, até 2015. A dificuldade de contratação não é determinante, se houver políticas internas, como fizemos. Elevamos o Recursos Humanos no organograma: temos agora uma vice-presidente de RH. Alinhamos política salarial, criamos formas de motivação do funcionário e investimos em capacitação. Criamos um curso de técnicos aeronáuticos, por meio do Instituto Helibras – estamos formando 30 profissionais, na primeira turma -, e outro para preparar mecânicos e eletricistas para atuar na linha de produção aeronáutica.
A PARCERIA COM A UNIVERSIDADE FEDERAL DE ITAJUBÁ TAMBÉM VAI NESSA LINHA…
Esse é o terceiro pilar dessa formação para o futuro. Há três anos, levamos a questão para a Universidade, que rapidamente criou um curso de engenharia aeronáutica, com foco especializado em helicópteros. Pensando na estrutura dos laboratórios, recursos técnicos e conhecimento, a Universidade fez uma parceria com a grande escola de engenharia aeronáutica de Toulouse [polo de conhecimento da vizinha Airbus], permitindo que os alunos terminem o curso na França, com dupla-titulação. Nesse contexto, surgiu o Centro de Tecnologia de Helicópteros, projeto apresentado pelo presidente da ABDI [Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial], pelo reitor da Universidade e pelo Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de Minas Gerais.
Tendo valor agregado nacional, a aeronave se beneficiará dos financiamentos do BNDES, o que traz vantagem frente ao concorrente estrangeiro
COMO SERÁ A INTERAÇÃO DO CTH COM A HELIBRAS?
Muito natural, com pesquisa acadêmica, como acontece entre a Embraer e o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Aeronáutica (CDTA), em São José dos Campos, em São Paulo. Será mais um vetor da inovação. Nossa atividade de P&D nos anos passados foi relativamente tímida. Agora estamos desenvolvendo tecnologia aplicada. Já criamos uma Diretoria de Inovação, que está sendo estruturada de forma muito próxima com a área de inovação da Eurocopter e com o Innovation Works da EADS [European Aeronautic Defence and Space Company, conglomerado franco-alemão-espanhol, que reúne Eurocopter, Airbus, Astrium e Cassidium], que já têm vindo aqui, trabalhado conosco e com as universidades parceiras.
DENTRO DO ESCOPO DAS PESQUISAS, TÊM SIDO ESTUDADOS OS MATERIAIS, COMO O ALUMÍNIO?
Estamos começando a trabalhar em algumas pesquisas, como em ligas de alumínio com silício, que são ligas extremamente especializadas, e que estão no nosso foco de interesse, entre outros. Já temos professores PhDs na universidade trabalhando para projetos totalmente nossos.
QUAL A PARTICIPAÇÃO DO ALUMÍNIO NOS HELICÓPTEROS DA HELIBRAS?
O peso específico do alumínio nas estruturas dos nossos helicópteros é bastante alto. O uso que fazemos do alumínio aqui reproduz o que o grupo faz pelo mundo: a tecnologia do alumínio está consagrada. Creio, no entanto, que as novas ligas que surgirão nos próximos anos devam ser um produto atrativo para as aeronaves da próxima geração. Espera-se que essas novas ligas ajudem na nossa busca por redução de peso e de custo, que é uma necessidade cada vez mais forte.
NESTE ANO DE MUDANÇAS, COMO A HELIBRAS DEVE FECHAR 2012?
Devemos fechar o faturamento em R$ 350 milhões, com número de aeronaves similar a 2010, mas com crescimento em serviços, com dois contratos de modernização de Panteras e Esquilos. Esse nicho é uma tendência: a produção de aeronaves é cíclica; a de serviços, não. A participação dos serviços no faturamento no ano passado foi em torno de 30%. O objetivo é chegar aos 70%.
COMO FICA REPOSICIONADO O BRASIL NO PLANO DE NEGÓCIOS DO GRUPO COM ESSA NOVA ESTRATÉGIA?
Muda radicalmente. A diretriz do nosso CEO global é que a Helibras se torne o quarto pilar da Eurocopter no mundo, um polo estratégico, até em nível de EADS. O Brasil é totalmente democrático, tem abertura total ao capital estrangeiro e governo com confiabilidade global. Com o novo plano estratégico, estou convicto de que criaremos uma grande OEM [Original Equipment Manufacturer] de helicópteros no Brasil. Estamos construindo a Helibras dos próximos 30 anos.
FONTE: Revista Aluminio